Publicado no Tribuna do Brasil de 5/1/2007
Caderno TB Programa, Coluna Psicoproseando...com Maraci
Início de ano. Época de consultas a sacerdotes e sacerdotisas, oráculos diversos. Como não poderia deixar de fazer, sondei os astros, por meio do site do Quiroga, e o tarô, que venho estudando com o maior interesse.
Para os sagitarianos como eu, a astrologia trouxe a mensagem de que "o assunto em questão não é sua alma sentir-se mais segura a respeito de tudo e de todos, pois esse sentimento é fugaz demais para ser considerado uma necessidade. O assunto em questão é sua alma tornar-se mais realista".
Já o tarô me trouxe a carta da Morte, o 13º Arcano Maior, o que fala em crise transformadora, num fim que resulta da necessidade de se eliminar o que não tem mais sentido, que desfaz estruturas e promove mudanças inflexíveis. Não há harmonia no final descrito pela Morte. O corte da foice é radical e não deixa possibilidade de retorno. Mas há alguns aspectos positivos. E ela liberta. No momento em que tudo acontece é sempre difícil, mas a influência é positiva no final.
Tornar-se mais realista, viver uma crise transformadora, eliminar o que não tem mais sentido, libertar-se. Nada fácil de pôr em prática. Lembram as superações experienciadas pelos meus pacientes. Um consultório como o meu é um lugar preparado para acolher gente com problemas, que não consegue encarar a realidade, mas que, com o trabalho terapêutico, vê a crise ceder ou mudar, ganhar aspectos positivos de transformação.
E isso é especialmente comum nas dificuldades amorosas. Costumo receber pacientes, por exemplo, que chegam desesperadas diante da perspectiva do fim de seu casamento. Na maioria dos casos, a relação já está totalmente desgastada. Mas, apesar de tudo, a idéia de um rompimento é aterradora. Só que, quando pergunto o que de realmente bom iria embora com o fim da relação, elas encontram uma enorme dificuldade para citar algo importante. Ou então respondem as coisas mais absurdas.
Recordo-me de uma que havia vivido cerca de 30 anos de um triste casamento, recheado de brigas e traições por parte do marido. Com os filhos todos adultos, ele resolveu constituir nova família. Ela, após amargar três longos anos de uma depressão devastadora, chegou a mim literalmente arrasada. Mas, quando lhe perguntei o que de bom desapareceu com a separação, ela só conseguiu se lembrar das peças de queijo e presunto que ele comprava todo sábado de manhã e que a família comia em forma de misto-quente durante o fim de semana. Tudo bem que uma família que se alimenta de sanduíches poupa muito a dona da casa, que se livra de uma trabalheira. Mas suportar 30 anos de briga e traição em função disso é demais. Ter como saldo de um casamento apenas isso é lamentável. Quando encarou a realidade, essa paciente parou de chorar. Não havia motivo para tanto.
Será que o amor que ela tinha por ele desapareceu com a terapia? Será que o amor já não havia sumido há muito e ela não sabia? Será que ela um dia amou aquele homem? O importante é que a morte da união sobreveio, eliminando o que não tinha mais sentido, mudando por mal o que podia ter sido mudado por bem, libertando aquelas criaturas. E a paciente finalmente entendeu que, apesar da dor inicial, o rompimento era o que lhe havia acontecido de melhor.
Não estamos preparados para o desapego, nem mesmo o que é necessário. Mas se não tomamos as providências que precisam ser tomadas nesse sentido, a vida assume, vem, às vezes com força, para nos mostrar aquilo que todos conhecemos tão bem, mas insistimos em fazer de conta que não sabemos.
Aproveite este início de ano para refletir sobre o desapego. Feliz ano-novo e até sexta-feira!
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