Publicado no Tribuna do Brasil de 30/3/2007
Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci
Na semana passada, eu conversava com uma paciente que, seguindo minha orientação, procurou um psiquiatra, recebendo dele um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo - o famoso TOC. Ao me relatar a consulta, ela se mostrou um pouco preocupada com esse resultado e com a medicação prescrita. Mas sua maior inquietação era quanto a contar ao último ex-marido sobre o tratamento, na esperança de que ele, sabendo que ela buscou ajuda, aceite voltar pra casa, embora o casamento tenha sido péssimo.
Lembro de, olhando pra ela, ter pensado "Quanto de amor existe nesse desejo de reconciliação? Quanto disso sobreviverá ao tratamento medicamentoso e à psicoterapia?". Porque, muitas vezes, o "amor" sentido não passa do resultado de leituras distorcidas feitas por um cérebro quimicamente desequilibrado. Já testemunhei paixões avassaladoras desaparecerem com o uso de antidepressivo. E há uma explicação para isso.
Peguemos como exemplo o TOC. Classificado como transtorno de ansiedade, pode se manifestar por meio de comportamentos como lavar as mãos com freqüência; verificar repetidas vezes se a porta está trancada; arrumar o armário buscando uma organização excessivamente rigorosa; não usar roupas de determinada cor; não tocar em determinados objetos. Esses comportamentos, apesar de absurdos, são inevitáveis porque sustentados por pensamentos obsessivos, que invadem a mente de forma repetitiva e persistente, que controlam a pessoa.
Assim, lavar as mãos a todo instante pode ser suportado pela idéia fixa de que o mundo é cheio de micróbios que precisam ser evitados. Da mesma forma, não usar roupas pretas pode se apoiar na superstição de que quem usa preto ficará viúvo. E esses pensamentos causam ansiedade, medo, aflição, um desconforto que só desaparece com o comportamento compulsivo de lavar as mãos, no caso do primeiro exemplo, ou com a evitação da roupa preta, no caso do segundo.
Nos relacionamentos "de amor", isso também pode ocorrer. As compulsões para telefonar, mandar cartas, perseguir o ser "amado", insistir numa relação que é ruim ou não mais possível podem ser sustentadas por pensamentos como: "Sem ele, não vou conseguir viver"; "Se ela me deixar, nunca mais vou me interessar por outra mulher". Várias vezes presenciei pessoas desesperadas com o fim de um relacionamento ou com a possibilidade de isso vir a acontecer, que relataram dor intensa no peito, sufocamento, sensação de morte iminente, tristeza sem fim.
O mesmo pode acontecer com quem sofre de depressão. O paciente se queixa de um "vazio interior", que ele tenta preencher de qualquer jeito. O relacionamento amoroso é comumente usado para isso. E, se ele acaba, fica a sensação de um buraco maior do que o que havia antes da relação ter início. A dor costuma ser a mais cruel já experimentada até então. Daí surge o desespero pela reconciliação, independentemente da qualidade da convivência que chegou ao fim.
Quem sofre de um transtorno como esses tem uma visão distorcida da vida e de si mesmo. Mas, com os remédios adequados e a psicoterapia, uma vez restabelecido o equilíbrio químico do cérebro e o bom senso, os pensamentos obsessivos somem, deixando de existir a sustentação para os comportamentos compulsivos ou as evitações. Resultado semelhante ocorre com a sensação de vazio e a tristeza desesperadora da depressão, que desaparecem.
Então, se restar um sentimento terno ou ardente que englobe desejar o bem do outro e ao mesmo tempo uma atração física, pode-se dizer que há amor. Mas, se, com o tratamento, aquele sentimento deixar de existir, ele não era amor. Porque amor nada tem a ver com dor. Até sexta-feira!
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