21 de outubro de 2008

Nossas crianças e as drogas

Publicado no site do Correio Braziliense em 19/10/08, Editoria Brasil


Muito já tem sido dito acerca do que leva as pessoas a consumir drogas e a começar cada vez mais cedo. Falam no nosso mundo louco; na falta de autoridade por parte dos pais; no desejo de pertencer a um grupo; na facilidade de se conseguir drogas; na desestruturação familiar, na curiosidade. Mas tem uma coisa que não me sai da cabeça e que quero compartilhar com vocês contando uma rápida história.

“Toda segunda-feira, logo que chego ao trabalho, começo a ouvir as pessoas contando como foi o fim de semana. E, sem exagero, só ouço o seguinte: “Bebi todas”, “Começamos a beber de manhã e só paramos no final do Fantástico”. E esse tipo de comentário se estende até terça. São dois dias ouvindo gente se vangloriando por ter bebido demais. Na quinta-feira, recomeçam as pérolas: “Tá chegando o finde. Vou beber todas”, “É beber, cair, levantar e voltar a beber”. Frases assim vão até o final da tarde de sexta. Os sábados e domingos são dedicados à bebida, que subsidiará os papos das próximas segunda e terça.”

Essas pessoas têm filhos, netos, irmãos, sobrinhos, crianças e adolescentes que vêem aqueles que lhes deveriam dar bons exemplos desperdiçar pelo menos um terço da semana dizendo que vão beber até cair, outro terço bebendo até cair e o último terço dizendo que beberam até cair. E o que é pior - muitos pegam bebezinhos ainda de colo e fazem questão de dar a eles um golinho “só pra batizar”, sem pensar que, naquele momento, pode estar nascendo um alcoólatra, alguém que, se ainda não os tem, desenvolverá sérios problemas emocionais e transtornos mentais, que escancarará as portas da sua vida infeliz para outras drogas e que, mesmo sem querer, levará adiante uma terrível maldição.

Ainda ontem, perguntei ao meu filho, que acabou de completar 20 anos, o que ele achava que leva os jovens a começar a beber e a se drogar cada vez mais cedo. Dele ouvi que fica difícil um jovem não beber vendo adultos bebendo, assim como fica difícil uma criança não beber vendo jovens bebendo. Ele está certo. Isso sem falar nos pais que fumam maconha porque acham que ela não faz mal; nos que cheiram cocaína pensando que os filhos nada percebem; nos que tomam um “uisquinho” toda noite pra relaxar; nos que fazem uso indiscriminado de tranqüilizantes, anoréxicos, diuréticos, antidepressivos, ansiolíticos, miorrelaxantes.

A vida das crianças e dos adolescentes não é nada fácil. Muita gente diz ter saudade desse tempo, mas penso que poucos são os que realmente têm do que lembrar com nostalgia. São fases difíceis, em que estamos a mercê de adultos nem sempre saudáveis e quase nunca preparados para nos orientar; em que uma série de crenças ilógicas nos são empurradas goela abaixo; em que raramente temos alguém com quem compartilhar nossas aflições. E é por esses motivos que noventa por cento dos adultos que me procuram no consultório trazem sofrimentos que carregam desde a infância. E se tudo isso ainda for regado a álcool e drogas, não fica difícil imaginar o resultado.

Pais amorosos e preparados não estão isentos de, um dia, precisarem enfrentar a dor de ver ou saber um filho drogado, mesmo porque uma criança é alguém que, ao nascer, já trará uma bagagem formada ao longo de muitas vivências. Mas, se somos pais, devemos caprichar, sem perder de vista que os filhos aprendem principalmente com nossos exemplos.

Maraci Sant'ana

13 de outubro de 2008

Leituras mentais

Publicado em 13/9/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


A Época de 11 de agosto trouxe matéria intitulada A nova classe média do Brasil. O texto começa com a pergunta “Classe média, eu?“ formulada por Josineide Mendes Tavares, manicure de 34 anos que mora, com dois filhos pequenos, na Favela da Rocinha. Embora a entrevistada pareça surpresa, essa família, segundo a revista, enquadra-se no que a Fundação Getúlio Vargas – FGV aponta como a nova classe média brasileira – pessoas antes consideradas pobres ou muito pobres, que começaram a usufruir confortos como televisor moderno, assinatura de TV a cabo, freezer, lavadora de roupas, computador, videogame e celular. A reportagem aborda a importância da pesquisa para, entre outras coisas, o desenvolvimento de políticas públicas e traz diferentes opiniões a respeito da fórmula utilizada para se chegar a essa classificação.

Há pesquisadores que usam como critério apenas a renda, enquanto outros consideram o patrimônio, a ocupação ou o nível de escolaridade dos pesquisados. Talvez outra instituição identificasse Josineide num grupo diferente. De acordo com Época, a maioria das pessoas entende que pertencer à classse média significa ter filhos estudando em boas escolas particulares, carro e dinheiro para uma pequena viagem de fim de semana por mês. Isso quer dizer que, independentemente do conceito que tenhamos a nosso respeito, sempre encontraremos pessoas que nos verão mais ou menos da mesma forma e outras que nos qualificarão de modo bem divergente. Estamos expostos a inúmeras classificações, já que cada indivíduo é único e, assim, tem uma visão singular de si mesmo e dos outros. Só que não é aí que mora o perigo.

Ainda nesta semana, eu conversava com um amigo que não se conforma com os sentimentos que pensa que o pai nutre por ele. Ele se sente incompreendido, injustiçado mesmo, usando, como medida para suas conclusões, frases soltas ditas pelo pai. E, numa situação assim, não é nada difícil desenvolvermos mágoa e até mesmo ódio. Além disso, se nos considerarmos mal interpretados, tenderemos a tentar mostrar ao outro que ele está cometendo um erro e que seu juízo precisa ser alterado. Mas o que encontramos muito, nesses casos, são criaturas tentando fazer leitura mental, ou seja, querendo adivinhar o que se passa na cabeça do outro, a partir de “sinais” que, para muita gente, não teriam nenhum significado. Meu amigo está classificando o pai de injusto. Talvez outro filho, diante da mesma situação, nem se abalasse ou tivesse uma visão oposta com relação aos sentimentos desse pai. Tal qual acontece em pesquisas como a da FGV, o que é relevante pra uns pode ser irrelevante pra outros.

Tive um casal de pacientes que, durante uma sessão, percebeu o quanto ambos faziam uso de leitura mental e como estavam enganados com relação ao outro. A mulher tinha certeza de que o marido odiava a filha que ela teve no primeiro casamento, pelo jeito seco dele lidar com a garota. E ele acreditava que ela adorava um cachorro que era dele, pela preocupação que ela demonstrava nos cuidados com o animal. Foi interessante ver a surpresa dos dois não apenas quando o marido revelou que gostava da menina e até tinha mais carinho por ela do que pelos dois filhos que ele havia tido com a companheira anterior, mas também quando a mulher confessou não gostar de cachorro.

Na maior parte do tempo, não sabemos direito nem sequer o que está passando pela nossa cabeça e, mesmo assim, nos arvoramos em adivinhos dos pensamentos e sentimentos dos outros. É aí que o perigo mora, no que imaginamos que o outro pensa a nosso respeito e, principalmente, em como nos vemos, que se reflete em tudo isso. É claro que nunca devemos desprezar o que nos grita o nosso instinto. Entretanto, muitas vezes, o que falta é uma boa conversa, daquelas em que não apenas falamos, mas também ouvimos. E você? Já fez sua leitura mental de hoje? Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


No próximo sábado (20/9), a parte 3 da série O dinheiro e os relacionamentos. O tema que será abordado foi sugerido por um leitor que, assim como outros, comprou a idéia de ser co-autor. As partes 1 e 2 podem ser lidas no arquivo do blog, em 23 de agosto e 6 de setembro, respectivamente. Aguardo a visita e os comentários de vocês.

Maraci Sant'Ana

6 de outubro de 2008

A bomba AMOR x DINHEIRO

Série “O dinheiro e os relacionamentos” – 2ª. parte


Publicado em 06/9/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


O tema desta 2ª. parte da série foi sugerido pela leitora Suzana, que, em 23 de agosto, já na qualidade de co-autora, fez o seguinte comentário “... Gostaria de sugerir a você uma análise sobre quando uma mulher é mais bem-sucedida no trabalho do que o marido. Tenho uma amiga que está sofrendo muito com isso. O marido dela só faz desmerecê-la, joga o moral dela no chão. O que é isso?”

Suzana,

Lembra que cabia ao nosso avô sustentar a família? Se a vovó trabalhasse, era apenas por prazer, geralmente com algo ligado a prendas domésticas, e o dinheiro ganho, ela o usava para “os seus alfinetes”. É claro que, nos últimos quarenta anos, o papel masculino mudou de maneira radical. Mas isso não aconteceu porque o homem assim o quis e muitos resistem até hoje, não aceitam que as mulheres têm vez e voz. Até mesmo os que se julgam bem-resolvidos podem dar uma escorregadela e cair de bunda no machismo. Além disso, a gente vive num mundo em que dinheiro é poder.

Durante séculos, o homem foi o dono da situação. Seu poder era incontestável. Ele tinha o controle do dinheiro, dos bens, e da vida da mulher e dos filhos. Hoje, vemos mulheres que ganham tanto ou mais do que seus parceiros. Entretanto, muitas delas vivem relacionamentos de abuso, em que se sentem pequenas, inadequadas e até desequilibradas, graças a críticas e insultos que podem ir de ataques sutis a ameaças óbvias. Impossibilitados de usar a força do dinheiro, muitos homens tentam controlar a mulher de outras formas, menosprezando suas opiniões, sentimentos e realizações profissionais, mesmo que o trabalho dela seja a única fonte de renda da família. É muito difícil para quem vive esse processo ou para um observador leigo entender uma situação assim. Daí surgem os questionamentos como o seu, os conselhos que a mulher não consegue acatar e, o que é pior, as críticas que, em lugar de ajudá-la, tornam sua vida mais difícil.

Há algum tempo, recebi uma paciente que tinha um excelente emprego, casa e carro próprios, casada com um homem já perto dos 30 anos que vivia correndo atrás do “negócio da China”, mas que era por ela sustentado. Para ela, pelo menos em princípio, a situação vivida não era um grande problema. A dificuldade estava em suportar que ele, volta e meia, esbravejasse que ela tinha a vida ganha, enquanto ele tinha que ralar. Parecia que ela havia herdado tudo. Só que o emprego lhe viera por concurso público e os bens eram resultantes de muito trabalho. Para você ter uma idéia, a pressão era tanta que ela chegou a pensar em vender o que tinha, pedir demissão e tentar uma vida bem modesta, para que ele não mais se sentisse diminuído. Um verdadeiro absurdo, não? E o que ela não sabia é que isso não resolveria nada, só agravaria as coisas.

Essa combinação relacionamento amoroso e dinheiro é explosiva. E muitas situações podem levar um homem a agir assim com a parceira. Dificuldades diversas na infância, como um pai que usava o dinheiro para controlar as pessoas à sua volta, uma mãe opressora, o isolamento emocional ou a rejeição podem explicar, embora não justifiquem. Mas, a chave de tudo está na resposta às seguintes perguntas: O que leva sua amiga a se manter nesse relacionamento? Por que nada que ela faça para melhorar a relação dá certo? Fica claro, pelo menos pra mim, que ela precisa entender muito bem o que está vivendo e que, provavelmente, vai necessitar de ajuda profissional para isso. Lembre-se de que as pessoas só nos fazem o mal que nós permitimos que elas nos façam. Valeu, Suzana! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

A sugestão da Suzana, que propiciou a coluna de hoje, enriquece a nossa série. Assim, continuo contando com a participação de todos. As novas idéias para texto poderão ser deixadas na própria coluna, sob a forma de comentário, ou encaminhadas para
maracisantana@yahoo.com.br, sem nenhuma preocupação quanto à privacidade. E quem perdeu a 1ª. parte poderá lê-la no arquivo deste blog, em 23 de agosto.

Maraci Sant'Ana