15 de dezembro de 2009

Um amigo, de natal

Publicado em 5/12/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Adoro esta época do ano! E ela também é a preferida dos comerciantes e comerciários. É tempo de aumento nas vendas e comissões. É tempo de presentes. Claro que sempre rolam aqueles básicos, do tipo bola, boneca, CD, camiseta. Mas também há sofisticação, coisas de deixar qualquer um babando. Recentemente, li sobre uma novidade que deve trazer muita grana para os lojistas, principalmente do Japão, Estados Unidos e Europa - o Yume Neko Venus, um gato robô que tem sensores de toque espalhados pelo corpo, ronrona, pisca, fica bravo, move as patas, a cabeça e a cauda, reage a luz e a comandos de voz. Legal, não? Também achei, por um lado.


É um bichano que não andará aprontando pela casa, não subirá nos móveis, não tentará escalar sua árvore de Natal, não dará despesas com ração, areia e veterinário. Mas também nunca esperará por você na porta de casa; jamais se enroscará em suas pernas ou se aconchegará no seu colo; nem desamarrará seu cabelo só para fugir correndo, carregando a fita como se ela fosse resultado de uma grande caçada. Um robô não lhe fará companhia quando tudo o que você mais desejar for ficar largado no sofá vendo TV; nem olhará fundo nos seus olhos antes de dar aquele miado que diz tudo. Em outras palavras, é um gato de mentirinha, muito diferente dos eternos bebês que tenho em casa – Frajola, Menininha, Docinho, Sininho, Amorzinho e Elvira, a quem dedico este texto.

Dizem os pesquisadores que a relação entre homens e animais domésticos teve início 50 mil anos atrás. Cães vigiavam aldeias e ajudavam na caça e no pastoreio. Gatos exterminavam ratos e outras pragas. Mas, aos poucos, as pessoas começaram a vê-los de uma forma diferente. Eles não eram apenas para servir, mas para acompanhar. Surgiu um afeto que foi se intensificando de um jeito que, hoje, mais do que amigos, eles são considerados filhos. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, 30% dos criadores consideram seus animais parte da família. E o filósofo australiano Peter Singer defende a igualdade plena de direitos entre homens e animais. Para ele, sustentar que os humanos são superiores aos demais seres é um absurdo tão grande quanto o racismo.

Desde que comecei a escrever para jornal, em 2003, tive duas grandes oportunidades de falar sobre o tema, uma em novembro de 2006, com o texto Nossos irmãos, nossa responsabilidade, um apelo em favor das criaturinhas que estão no corredor da morte do Centro de Controle de Zoonoses do Distrito Federal; e outra em julho de 2007, com Puff, que dediquei a minha amiga Dalva Helena, que havia perdido seu cachorrinho. Mas, por mais que eu escreva, trabalhe ou adote, sempre fica o sentimento de não estar fazendo o quanto poderia. Por mais que façamos por esses irmãos, nunca é o bastante.

Segundo pesquisas, o Brasil tem cerca de 32 milhões de cães e 16 milhões de gatos - a segunda maior população do planeta, que movimenta um mercado, que não para de crescer, de 9 bilhões de reais por ano em produtos e serviços. A cada dia, mais pessoas adotam um bichinho e, de acordo com a Radar Pet, eles já estão presentes em 44% dos lares das classes A, B e C. E não fazem a alegria apenas das crianças, mas de pessoas que moram sozinhas e de idosos que se ressentem da falta de afeto. Só que, infelizmente, ainda são poucos os que têm o privilégio de fazer parte de uma família, de poder dar e receber amor.

Muitos vivem pelas ruas, entregues à própria sorte e, se chegam a um centro de controle de zoonoses, são sacrificados em poucos dias, de forma desumana, estejam doentes ou saudáveis, como se não tivessem nenhum valor, como se fossem descartáveis, como se não fossem criaturas de Deus. Em lugar de prevenir doenças, esses órgãos se dedicam à matança, até de filhotinhos que nem foram desmamados ainda. Pensar nisso parte meu coração. E o que me dá forças, no meio de tanto horror, é saber que existe gente de verdade que se dedica à causa desses anjinhos, pessoas que, isoladamente ou à frente de entidades de salvamento, não se calam diante da maldade dos seres ditos humanos.

Não sei o que seria desses bichinhos se não fossem os protetores, que os recolhem pelas ruas, acolhem em suas casas, lançam mão dos próprios recursos, tratam e procuram lares amorosos para eles. Não sei o que seria desses bichinhos se não fossem os veterinários parceiros, que atendem gratuitamente ou dão um bom desconto nos tratamentos e castrações. A maioria das criaturinhas são encontradas em péssimo estado, doentes, desnutridas, desidratadas, assustadas. Muitas foram vítimas de violência, maltratadas exatamente por aqueles que as deveriam proteger; outras foram abandonadas por estarem velhas ou doentes; outras largadas na rua apenas porque os donos precisaram fechar a casa para viajar em férias. E não são raros os casos de animais recolhidos com terríveis mutilações, por terem sido usados em rituais de magia, por gente louca que nem deveria estar solta por aí.

Os centros de zoonoses estão lotados de criaturinhas precisando de uma família e muitas entidades de proteção aos animais também trabalham no regime de lar temporário. Tudo o que você precisa fazer é deixar de lado a vaidade que nos faz procurar um pet de raça e abrir seu coração para receber um irmãozinho de quatro patas, do tipo tomba lata, mesmo que ele já seja adulto ou esteja velhinho, mesmo que não seja perfeitinho. Não cabe discriminação ou exigências. Já imaginou se a Espiritualidade Maior resolvesse também só socorrer os que fossemos de raça pura? Eu estaria na maior roubada. E você? Por acaso, seu sangue é azul? Além disso, como eu disse em um daqueles textos, pode ser que a aparência dele não esteja das melhores, mas há dias em que nós também estamos de assustar, não é mesmo? Nada que o amor não recupere.

Quer dar um lindo presente de Natal a quem você ama? Então, salve uma vida, adote um desses animaizinhos. Não há nada melhor do que ganhar alegria, lealdade, coragem, devoção, simplicidade. Nada disso está à venda nos shoppings e, certamente, dessa forma, você não estará presenteando apenas aquele que deseja tanto agradar, mas o mais famoso de todos os aniversariantes do próximo dia 25, aquele que nunca nos esquece, mas de quem muitos nem se lembram, perdidos em compras e reuniões que, não obstante a data, lamentavelmente, não passam de encontros sociais. Valeu irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana


O CCZ-DF fica no Setor de Áreas Isoladas Norte (Sain), lote 4. O telefone é 3341-2084. Faça uma visita! Ou, se preferir, entre em contato comigo, por telefone ou por e-mail. Conheço um bocado de entidades protetoras e de pessoas que estão com as casas lotadas de amigos esperando por você. Meu e-mail: maracisantana@yahoo.com.br; meu telefone: (61) 9967.0990.


E para aqueles que quiserem conhecer os textos aqui citados, aí vão os links:
- Nossos irmãos, nossa responsabilidade;
- Puff

5 de dezembro de 2009

Lei de destruição

Publicado em 19/9/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



“O estouro da crise mundial completa um ano nesta terça-feira (dia 15) com a economia global dando os primeiros passos no sentido da recuperação e o Brasil mostrando um fôlego impressionante. Apesar de a percepção entre os brasileiros ainda ser a de que os estragos do fim da bolha imobiliária americana não foram superados por completo, o que é verdade, no exterior, a sensação é de que o país deixou todos os problemas para trás e deve ser visto como modelo. ‘Aos olhos dos investidores estrangeiros, o Brasil saiu mais forte da crise do que entrou’, resume o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.” Foi assim que Vicente começou o texto Olhar Estrangeiro, postado neste blog na última segunda-feira.

É muito bom ler esse tipo de notícia, que diz que o pior já passou. A última crise econômica mundial nos trouxe dificuldades e momentos de grande apreensão. Algumas vezes, pareceu que nossas conquistas estavam indo ralo abaixo. Depois de tantas lutas, quando pensávamos que era só correr para o abraço, ela se apresentou, em toda plenitude, pronta a derrubar todos, os grande e os pequenos; os desenvolvidos, os em desenvolvimento e os que ainda nem sabem para que lado fica o progresso; até os mais ricos. E fomos invadidos pelo sentimento de que alegria de pobre dura pouco, de que não adianta muito esforço, já que a vida sempre muda as perguntas quando a gente acredita ter todas as respostas.

Crises têm dessas coisas. Mas, se ampliarmos nossa visão, enxergaremos que já passamos por poucas e boas, sobrevivendo a tudo, saindo, lá do outro lado, intelectual e moralmente fortalecidos, mesmo que esfolados. É assim que a vida funciona. E só demora a com ela ganhar quem opta por não enfrentá-la, quem decide dela se esconder, fazendo-se de desentendido ou morto. Desses, inclusive, o mundo certamente cobra maior taxa de superação. Então, o melhor é respirar fundo e encarar o que vier, apoiado na fé de que não há mal que sempre dure. Era mais ou menos sobre isso que, na quarta-feira, eu conversava, por telefone, com Amluz, leitora desta coluna que ainda não conheço pessoalmente, mas a quem dedico este texto.

Falávamos sobre a Lei de Destruição, que alguns Instrutores Espirituais preferem chamar de Lei de Transformação, uma das que formam o conjunto das sábias, eternas e imutáveis normas que regem o Universo. Ela é exatamente aquela que turbina nosso processo evolutivo, forçando-nos a passar pelas mudanças que constituem a estrada do aprimoramento. Sei que é dureza perder o que lutamos tanto para conquistar. Mas é preciso morrer para renascer. Querem ver um exemplo? Uma crise conjugal não costuma ser fácil. Ao contrário, é do tipo que mais dói. E ninguém sai ileso de uma separação, nem mesmo quem desejou e propôs o rompimento. Afinal, as pessoas não se juntam para se separarem, mas para permanecerem unidas.

Entretanto, de repente, o que era lindo pode ficar esquisito e até se tornar horroroso, sinalizando que precisa ser reavaliado. E todos sabemos que, dessa análise, pode restar concluído que o melhor é colocar um ponto final no que um dia foi uma história de amor, a realização de um dos nossos mais caros sonhos. Só que, como somos, desde pequenos, treinados para ganhar, manter, acumular a qualquer custo, entramos em pânico e nos agarramos, com unhas e dentes, ao nosso parceiro, mesmo que aquele convívio não faça mais sentido ou tenha se tornado péssimo.

Acreditando que nada mais de bom nos espera, sentimos o coração destroçado. A partir daí, podemos agir de forma irracional, fazendo e dizendo coisas que jamais imaginamos fazer ou dizer, das quais terminamos nos arrependendo profundamente. Ou podemos buscar o isolamento, a distância, mesmo daqueles que nos amam, esquecidos de que estamos todos no mesmo barco, que somos todos um. Nessas horas, ficamos irreconhecíveis. Nem de longe parecemos aquele bebezinho frágil, mas corajoso, que, um dia, encarou a perigosa e estressante aventura de nascer, mobilizando e encantando tanta gente grande com sua chegada.

Um rompimento não é o fim dos tempos, mesmo que venha a bordo de uma tremenda crise. Ele não quer dizer que o que foi vivido a dois foi em vão, que tudo deu errado, que nada valeu a pena. Ele não é sinônimo de fracasso. Significa apenas que a conjuntura é outra, que o que funcionou por um tempo não funciona mais da mesma forma. Não devemos dar a uma separação mais peso do que ela realmente tem. Ela não deve superar, em importância, os anos felizes que a antecederam. Deve ser vista exatamente como é – o encerramento de mais um capítulo de nossa vida e a oportunidade de recomeço.

A crise econômica que sacudiu o mundo recentemente não foi a primeira nem será a última por nós enfrentada. E devemos dar graças a Deus por isso. Outras virão e nos encontrarão mais fortes do que essa nos encontrou. Com o fim de cada uma delas, diremos adeus a mais uma série de acontecimentos dos quais restarão cicatrizes que nos ajudarão a contar nossa história. Porque é para isso que servem as cicatrizes. Só que, nesse ponto, já estaremos totalmente em outra, vivendo um novo ciclo, plantando o que obrigatoriamente colheremos nos seguintes. Valeu, Amluz! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

21 de novembro de 2009

Nosso pré-sal


Publicado em 13/9/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


"Queridas brasileiras e queridos brasileiros" - foi assim que o presidente Lula começou o pronunciamento de 6 de setembro último, para celebrar o que ele chamou de uma nova independência do Brasil. Após uma brevíssima introdução, ele entrou de sola no assunto pré-sal. Falou das gigantescas jazidas de petróleo e gás descobertas nas profundezas do nosso mar, dos projetos de lei enviados ao Congresso Nacional que, segundo ele, vão garantir que a maior parte dessa riqueza fique nas mãos dos brasileiros; impedir que os governantes a gastem de forma irresponsável; e assegurar que ela seja investida em educação, ciência e tecnologia, cultura, defesa do meio-ambiente e combate à pobreza.

E lá estava eu, na frente da TV, ouvindo tudo aquilo e pensando no retorno financeiro dos 800 quilômetros de petróleo entre Espírito Santo e Santa Catarina, na proposta de um fundo que, conforme dito por Lula, ajudará o país a pagar a imensa dívida social que temos e evitará a entrada desordenada de dinheiro externo, garantindo-nos uma economia saudável. Foi quando me veio à mente um outro discurso, o de um paciente que me contou estar apaixonado por uma mulher que todos dizem não valer nada, que não corresponde aos seus sentimentos, que o faz sofrer com sua indiferença, mas que ele sabe ser, bem lá no fundo, uma pessoa maravilhosa.

É verdade. As pessoas também escondem tesouros em suas entranhas, debaixo de uma camada de características que podem afastar os outros. Mas sempre há alguém disposto a investir nelas, pronto a atravessar várias sobreposições, a fazer o que fez a Petrobras, que explorou até encontrar algo extraordinário que causou admiração no resto do mundo e deixou os brasileiros orgulhosos de nossa capacidade de enxergar além, de nossa persistência e disposição para o trabalho firme. Só que, entre a Petrobras e esses desbravadores de almas, há enormes diferenças.

A camada pré-sal não foi encontrada por acaso, de graça ou facilmente. Quando iniciou o projeto, a Petrobras já era uma instituição sólida, com mais de 50 anos de existência, presente em quase 30 países, uma das maiores do mundo, responsável por levar o Brasil à autosuficiência em petróleo, que, nem por um momento, deixou de lado o que a sustenta, o que a mantém de pé. Além disso, nela foram feitos investimentos que lhe deram mais condições de aumentar a produção, adquirir plataformas e sondas, modernizar e ampliar refinarias, contratar e treinar pessoal, conquistar o que conquistou.

A exploração cujo resultado está na boca do mundo não foi um tiro no escuro, não foi o primeiro passo dado pela Petrobras. Ela é parte de um planejamento estratégico, diferentemente do que acontece nesses relacionamentos amorosos em que um se aprofunda no outro tentando descobrir algo que pode estar muito além de 7.000 metros abaixo. Uma aventura louca assim costuma terminar em tristeza, sentimento de fracasso, remorso, esgotamento físico, mental e emocional, e, não raramente, de reservas financeiras. Não estou negando que haja bondade em todos. Eu acredito no ser humano, sem exceção, inclusive naqueles dos quais devemos manter distância, evitando qualquer relacionamento que ultrapasse uma piedosa oração.

No limite das nossas forças, devemos ajudar todos os que estiverem dispostos a entrar em contato com seus tesouros. Porém, não nos cabe fazer o trabalho por quem ainda não compreendeu que precisa se movimentar nesse sentido. O petróleo está lá, inerte, abaixo da camada de sal, aguardando quem queira e possa extraí-lo. Mas, quando se trata de pessoas, só elas são capazes de trazer à tona o seu petróleo. E, se elas não estiverem dispostas a tentar, o melhor a fazer é deixar que o tempo, senhor de grande poder, do qual ninguém escapa, encarregue-se de colocar tudo nos seus devidos lugares.

É natural que pessoas cuja riqueza interior ainda está inacessível nos tragam preocupação, mas elas não merecem mais cuidado do que aquelas que, movidas pela necessidade de preencher um enorme vazio interior, que dói profundamente, pelo desespero de encontrar alguém que as ame, lançam-se em uma perigosa viagem que pode até lhes custar a vida. Porque não é o amor que movimenta esses exploradores, mas a dor. Ninguém que não se ame é realmente capaz de amar outra pessoa. Ninguém dá o que não tem.

Antes de empenharmos nossa vida na busca de tesouros alheios, devemos procurar conhecer os nossos. E não estou me referindo apenas às nossas forças, mas também à riqueza das nossas fraquezas, das nossas dores, dos traumas não superados, do que ainda não restou entendido. Não devemos nos lançar, unicamente por nossa conta e risco, em projetos de salvamento, se ainda não fomos salvos. Em alguns casos, o melhor a fazer é manter distância e confiar que a Providência Divina se encarregará de ajudar aquela criatura a trazer à tona sua essência.

Há quem diga que, quando o Brasil conseguir produzir em escala comercial o que há no pré-sal, pode ser que tudo aquilo nem tenha a relevância que tem agora. Todos sabemos que há muitas frentes de pesquisa em busca de fontes renováveis de energia limpa. Obviamente não pode passar na cabeça de qualquer governante que, diante desse cenário alternativo, devemos desprezar o potencial do pré-sal. No entanto, não dá para apostar todas as fichas nisso e esquecer o biodiesel, a energia eólica e a que vem do lixo. A fila das fontes de energia também precisa andar, tal qual acontece nos relacionamentos. Devemos sempre procurar a melhor relação custo x benefício.

Lula falou que o Brasil não tem medo de crescer e que não vai ficar preso a dogmas, a modelos fechados, que a independência não é um quadro na parede, um grito congelado na história, mas uma construção do dia a dia, a reinvenção permanente de uma nação, a caminhada segura e soberana para o futuro. Mensagem bonita e forte que fala de uma postura que exige preparo. É preciso muito mais do que paixão para encontrar tesouros. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

7 de novembro de 2009

Dangerous


Publicado em 5/9/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Cena 1: um homem chega do trabalho; o filho pequeno corre em sua direção; o homem diz que está exausto, serve-se de uma dose de whisky e se atira, com um suspiro, no sofá; cena 2: uma adolescente sai com a mãe para fazer compras; a mãe experimenta vários jeans; sentindo-se infeliz e se dizendo enorme de gorda, a mãe corre para casa, toma um diurético e um laxante, e começa uma dieta absurda que inclui um coquetel de anfetaminas; cena 3: churrasco em família; com o netinho de um ano no colo, o vovô toma uma cervejinha; achando-se responsável por apresentar à criança “as coisas boas da vida”, ele lhe dá um pouco da bebida; o nenê faz cara de quem não gostou; mas não lhe faltarão oportunidades para se acostumar, já que o próprio pai está louco para que ele se torne um “homem de verdade”; cena 4: um homem chega tarde em casa; ele e a esposa batem boca na frente das crianças; em prantos, ela corre para o quarto, toma alguns comprimidos e dorme como uma pedra. Calma, leitores, não estou virando roteirista. Não são cenas de filme, mas da vida real. Vou explicar melhor.

Em 1991, Michael Jackson lançou o álbum Dangerous, considerado o segundo melhor desempenho de vendas da carreira do cantor, o mais vendido, por um artista masculino, na década. Segundo a Wikipédia, foi a primeira coleção de músicas inéditas lançada pelo astro nos anos 90 e o primeio produto distribuído como parte do contrato recorde de 890 milhões de dólares firmado entre ele e a Sony. A turnê de mesmo nome consagrou Michael como ícone; os clips ficaram entre os mais caros e inovadores da época; Black or White provavelmente perdura como o mais visto e lembrado. É inegável que o Rei do Pop tinha o dom de transformar tudo em ouro, em cifras milionárias.

O carro-chefe do álbum era exatamente a música Dangerous. Ela fala de uma garota perigosa pelo jeito como mexe nos cabelos, por seu rosto e suas curvas, pelo toque e boca suaves; uma deusa em movimento, a inspirar paixão e luxúria; uma mulher persuasiva em quem não se pode confiar, que faz os outros se sentirem na corda bamba, que leva seu dinheiro, joga fora seu tempo, prende em uma armadilha de pecado, faz viver em vão, desperta um desejo irracional; alguém cujo espírito e palavras podem cegar, que faz com que sintamos necessidade de rezar, implorar a ajuda de Deus.

O que o Rei do Pop cantou em Dangerous também serviria para descrever qualquer droga, inclusive as que o viciaram e tiraram de cena prematuramente. A morte do astro chocou o mundo. É inacreditável que alguém como ele tenha se deixado assassinar daquele jeito, por substâncias que o destruíram lenta, mas precisamente. É inacreditável que drogas lícitas, prescritas e administradas por um médico, o tenham arrastado para um fim tão triste. Costumamos pensar em situações parecidas envolvendo drogas ilícitas, usadas loucamente. Mas não foi esse o caso. O que Michael ingeriu naquela noite fazia parte de sua vida, de sua rotina.

Será que isso só acontece com celebridades, gente famosa e cheia de manias? Infelizmente não, como mostram as cenas descritas no primeiro parágrafo deste texto. As perigosas estão por toda parte. Quem não tem em casa uma garrafa de whisky ou umas latinhas de cerveja? Quem nunca acendeu um cigarrinho para acalmar ou clarear o raciocínio? Quem nunca deu, como diz a mãe de uma amiga minha, uma mordidinha em um Lexotan? Quem nunca recorreu a um daqueles médicos horrorosos que receitam bombas para diminuir o apetite? O uso dessas substâncias é tão corriqueiro que elas são vistas como inocentes, como bengalas de que lançamos mão e que podemos dispensar, sem dificuldade, a qualquer momento. Mas elas nada têm de singelas.

Quando pensamos em drogas, vêm à nossa mente a maconha, a cocaína, o crack. Tendemos a esquecer o álcool e o tabaco, assim como os ansiolíticos, os estimulantes, os indutores do sono, os analgésicos, que podem ser encontrados em todas as casas, que não demandam traficantes e esquinas suspeitas, que passam quase despercebidos e terminam sendo usados de qualquer jeito, abertamente, até na frente das crianças. E o resultado é que essas criaturinhas, que, de nós, só deveriam receber os melhores exemplos, crescem acreditando que não é possível uma confraternização sem álcool; que fumar faz um homem mais másculo ou uma mulher mais sexy; que não há nada errado em se tomar um sonífero à noite e um estimulante pela manhã; que, para as dores, há os analgésicos, inclusive as da alma.

O uso de substâncias psicoativas ocorre praticamente desde que o mundo é mundo. E as pessoas as utilizam por razões culturais ou religiosas, por recreação ou como meio de socialização. Muitos apenas as experimentam, mas logo as abandonam; há os que as usam por diversão, em encontros sociais; outros as consomem regularmente, até pra relaxar, mas acreditam que as mantêm sob controle; e há os que já estão claramente dependentes, embora não se vejam dessa forma. Em pouco tempo, uma vida pode se transformar. Começam os fracassos no cumprimento de obrigações; as exposições perigosas; os problemas sociais, interpessoais e legais. Ficam evidentes os danos psicológicos e os físicos. A morte é apenas o último de vários tristes capítulos.

Foi o que aconteceu a Michael. Dessa forma, chegou ao fim uma desastrosa parceria. O médico que aplicou a overdose de medicamentos que matou o Rei do Pop responderá por homicídio e pode ser preso a qualquer momento. E o astro foi, finalmente, enterrado no cemitério Forrest Lawn, na quinta-feira, 70 dias após sua morte, vestido como para um espetáculo, o último por ele protagonizado. O infeliz cardiologista logo será esquecido. Mas, durante muitas décadas, ainda falaremos em Michael Jackson, em seu extraordinário talento, em seu toque de Midas.

Este texto encerra a série sobre o Rei do Pop iniciada nesta coluna, em 27 de junho, com See you later, Michael. Foram discutidos os excessos cometidos por pais que querem se realizar por intermédio dos filhos; a violência doméstica contra crianças; o exercício da Medicina como um comércio; dismorfofobia; abuso sexual; barriga de aluguel e dependência de drogas lícitas. Espero que vocês tenham gostado do que aqui foi debatido, assim como faço votos de que as circunstâncias dessa morte continuem servindo como alerta para todos nós. Que Michael Jackson encontre a paz! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

3 de outubro de 2009

You are my sunshine III

Publicado em 29/8/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


“Tendo Jesus entrado na casa, a multidão novamente se aglomerara. A essa notícia, seus parentes vieram para detê-lo, pois diziam: ‘Ele perdeu o juízo’. Dizem-lhe: ‘Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora. Eles o procuram’. Ele lhes reponde: ‘Quem são minha mãe e meus irmãos?’. E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à sua volta, diz: ‘Eis minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã, minha mãe’”. Essa passagem do Evangelho costuma causar estranheza. Teria o Cristo sido capaz de destratar seus parentes, inclusive Maria? A Doutrina Espírita traz uma reflexão a respeito, a de que o Mestre nos ensinava a importância das afinidades na constituição de uma família. Não devemos ser indiferentes aos laços de sangue, mas entender que eles não são os mais importantes.

Este é o terceiro e último capítulo da minissérie sobre barriga de aluguel. Logicamente o assunto não se esgotou. Mas creio que as questões levantadas ajudaram pessoas a se posicionarem ou, pelo menos, mostraram que muito ainda precisamos pensar a respeito. O texto anterior trouxe a pergunta “O que é ser mãe?”. Foram postados alguns comentários, mas destaco aqui o do leitor José Stélio: “Devemos refletir que somos todos mães, pais, filhos e filhas um pouco uns dos outros. Esses papéis se confundem. Muitas vezes é minha filha que, com sua sabedoria infantil, me consola e educa como se ela fosse o pai; outras vezes, um abraço de um amigo ou amiga me faz recordar do carinho de minha mãe já desencarnada. A questão maior é que devemos amar a todos sem distinção, nos libertando das amarras da consanguinidade, e enxergar toda a humanidade como irmãos”.

Quando minha irmã nasceu, eu tinha só sete anos, mas me sentia meio mãe dela, responsável por sua segurança e bem-estar. Ao entrar na adolescência, eu a deixei um pouco de lado e busquei a irmandade em garotas e garotos da minha idade. Isso se manteve durante a adolescência dela, mesmo porque eu já era adulta e havia adotado outros irmãos. Depois que ela amadureceu, veio a reaproximação, resultado de interesses e preocupações em comum. Além dos laços de sangue, novos laços se estabeleceram entre nós. É possível que, quando eu estiver velhinha, ela venha também a se sentir meio minha mãe, responsável por minha segurança e bem-estar.

No começo do ano, meu filho passou no vestibular da UnB. Corri a telefonar para algumas pessoas ligadas à minha história de maternidade: o pai do meu filho; um ex-marido que meu filho considera um segundo pai; os meus pais, que me ajudaram a criá-lo, quebrando incontáveis galhos; minha irmã, que é madrinha dele, quem escolhi para me substituir quando eu neste mundo não mais estiver; minha tia, que fez o parto, ajudando a criaturinha a vir ao mundo; o pediatra que o acompanhou desde o quarto dia da nova vida; a babá que cuidou dele até os três anos e também o chama de filho; e Tina, que trabalha em nossa casa desde que ele tinha sete anos e muitas vezes lhe pôs o uniforme e levou ao colégio. Posso dizer que meu baby contou vários pais e mães. Se ele tivesse nascido de uma mãe de aluguel, eu certamente teria telefonado para ela, pra contar a grande novidade.

Nesta semana, a revista Nature, em sua edição on-line, publicou estudo de pesquisadores americanos que desenvolveram, usando macacos rhesus, uma técnica para prevenir distúrbios hereditários passados de mãe para filho por meio do DNA mitocondrial. Foram utilizadas duas fêmeas; cada uma cedeu um óvulo; esses óvulos foram manipulados e se transformaram em um só, livre de problemas, que foi fertilizado com sucesso. Os macaquinhos nascidos têm, cada um, duas mães biológicas. E, em breve, humanos também poderão ser beneficiados. Muito louco, não? E a gente aqui, ainda patinando, tentando definir mãe e pai.

Vamos pegar outro exemplo. A mídia tem explorado a história do comediante Carlinhos, muito conhecido pelo personagem Mendigo. Participante de um reality show, ele teve sua vida dissecada. Levaram para a telinha o pai e a mãe do artista, com quem ele não se encontrava havia cerca de 24 anos. Vítima de violência doméstica, Carlinhos fugiu de casa aos quatro anos. Esteve em um educandário, em cinco unidades da Febem e nas ruas. Passou fome e frio, mas, ainda assim, preferiu tudo isso a voltar para casa. Diz ter perdoado os pais, mas já deixou claro que sua família é formada pelos amigos verdadeiros que fez.

Essas situações nos fazem refletir, assim como o comentário de José Stélio. Já imaginou o quanto ele perderia, o quanto sua vida se empobreceria se ele não se permitisse essa abertura, se não fosse capaz de aceitar o consolo da filha, por achar que esse papel não lhe cabe, ou se rejeitasse o carinho de um amigo por lhe faltarem os laços de sangue? Fechar questões não costuma trazer bons resultados. Talvez por isso tendemos ao fracasso sempre que tentamos definir o que é ser mãe ou o que é ser pai. Talvez isso nem possa ser definido, por extrapolar consanguinidade, aspectos financeiros, o tempo e o espaço. Talvez por isso seja tão difícil, em uma disputa judicial que envolva barriga de aluguel, arbitrar quem deverá ficar com a criança. Talvez a chave esteja na capacidade de ampliar o horizonte, de ver além.

Em geral, acontece assim: um homem e uma mulher se unem e geram um novo ser, que deverá ser criado pelos dois, debaixo do mesmo teto; uma relação de parceria, em que eles se organizarão sob vários aspectos, inclusive financeiro, para esse fim. Se, por exemplo, eles decidirem se separar, será necessário rever o acordo, para se estabelecer a quem caberá a guarda do filho e como se darão as visitas e o sustento da criança; se eles não conseguirem se entender, deverão recorrer à Justiça, que definirá as novas regras.

Mas pode acontecer assim: um homem e duas mulheres se unem e geram um novo ser, que deverá ser criado pelo homem e uma das mulheres; uma relação de parceria a três, em que eles se organizarão sob vários aspectos, inclusive financeiro, para esse fim, o que pode incluir, sem o menor problema, pagamento àquela que carregará a criança no ventre. Se, por exemplo, a hospedeira se recusar a entregar o bebê, será necessário rever o acordo, para se estabelecer a quem caberá a guarda do filho e como se darão as visitas e o sustento da criança; se eles não conseguirem se entender, deverão recorrer à Justiça, que definirá as novas regras, inclusive se é cabível a devolução de todo ou de parte do dinheiro, em caso de barriga de aluguel.

Não acho que uma mulher que carregou uma criança no ventre possa ser descartada por ter alugado o útero, da mesma forma que não acho que uma mulher que desejou uma criança e se movimentou para que ela nascesse possa ser colocada à parte, mesmo que não tenha cedido o óvulo para a geração. Vejo aí duas irmãs se revezando no papel de mãe de um terceiro irmão. Assim, vejo com bons olhos a guarda compartilhada, por exemplo, e acredito que o nome das duas deva constar do registro de nascimento, para que nunca haja dúvida ou mistério sobre a origem da criança. As pessoas precisam aprender que toda parceria tem ônus e bônus. É preciso pensar bem antes de se estabelecer uma, qualquer que seja ela. Não é apenas uma questão de pagou, levou.

A ideia lhe parece absurda? Talvez ela seja tão disparatada quanto teria sido, no século XIX, por exemplo, a de uma família em que o casal optasse por não ter filhos; ou a de mães ou pais divorciados criando sozinhos os filhos; ou a de famílias que incluíssem crianças de relacionamentos anteriores. Entretanto, não é isso o que vemos hoje? E a maioria de nós não encara com naturalidade esses novos formatos? Estamos caminhando para o dia em que todos nos veremos como irmãos, em que viveremos como um só.

Lembram do primeiro texto da minissérie? Eu contei sobre um vídeo caseiro em que os dois filhos mais velhos do Michael Jackson, cantavam para ele uma adaptação de You are my sunshine, substituindo sunshine por dad. Papai em lugar de luz do sol! Já imaginou se fizéssemos o mesmo com brothers and sisters? A tradução ficaria mais ou menos assim: “Você é meu irmão. Você me faz feliz quando o céu está cinza. Você nunca saberá o quanto eu o amo”. Não sei dizer se o astro é o pai biológico daqueles que ele chamava de filhos. Mas, sem dúvida nenhuma, ele é um irmão. Para mim, isso basta. Valeu, José Stélio! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

19 de setembro de 2009

You are my sunshine II

Publicado em 15/8/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Na semana passada, iniciamos uma discussão a respeito de barriga de aluguel. Como tem acontecido na série sobre Michael Jackson, um assunto que parecia restrito à vida das celebridades mostrou-se parte do nosso cotidiano. Foram levantadas situações e os leitores, convidados a ser coautores. Assim, Selma nos conclamou a levar adiante o debate; Emy trouxe questionamentos sobre a relação entre o feto e a mulher que o carregou no ventre; Ana Carolina, sobre a melhor forma de se educar uma criança, independentemente de como ela tenha sido gerada; Gloria, sobre serem consideradas questões financeiras, legais, contratuais, culturais e sociais, e a necessidade de se garantir o equilíbrio do novo ser; e José Stélio registrou dois comentários, um sobre os desafios da adoção e outro em que sugeriu que fosse discutido o que é ser mãe. E acho que podemos começar nossa conversa de hoje exatamente por aí.

O que é ser mãe? Em uma situação de barriga de aluguel, podemos ter uma mulher que recebeu dinheiro para carregar no ventre e parir uma criança gerada a partir do óvulo de outra. Ou podemos ter uma mulher que foi paga para gerar e parir uma criança que será entregue a outra. No primeiro caso, quem é a mãe? E no segundo? Para muitas pessoas, o vínculo genético é decisivo - a mãe é a que entrou com o óvulo. Não deixa de ser um prisma interessante, mas será que podemos resumir o ser mãe dessa forma? Como ficariam, então, as mulheres que geram, parem e matam seus filhos, ou os condenam à orfandade em uma vida sem amor? Poderiam essas serem chamadas de mãe? E como ficariam as adotivas, as que recebem com amor crianças que foram geradas por outras? Essas não seriam mãe? O que elas seriam, então?

Para outras pessoas, decisiva é a vontade - a mãe é aquela que desejou a criança. Outro ponto de vista a considerar. Mas, como fica a mulher que forneceu a carga genética e a barriga para que alguém viesse ao mundo, mesmo que para ser criado por outra? Será que a participação dela foi assim irrelevante? Já imaginou como seria se a mulher que sonhou com a criança não tivesse encontrado essa outra mulher, em condições de realizar esse sonho, inclusive correndo riscos, até de morte? Como aquele novo ser viria ao mundo? Parece que um nascimento envolve muito mais do que a vontade de ser mãe, não é mesmo?

Também há os que pensam que uma mulher perde qualquer direito à maternidade se recebeu dinheiro para dar à luz uma criança, mesmo que também tenha fornecido o óvulo para fecundação. Será que, dessa forma, podemos resumir o que é ser mãe? Será que tudo se reduz a uma questão financeira? Será que qualquer mulher aceitaria dar à luz uma criança para ser criada por outra? Ou será que algumas não fariam isso nem por todo dinheiro do mundo? Será que uma mulher que aceita esse encargo não é alguém que precisa muito de dinheiro? Isso faz dela uma pessoa menor? Será que todas as que pagam para outra parir seus filhos o fazem por uma impossibilidade de elas mesmas carregarem suas crianças no ventre? Ou algumas apenas não querem passar pelos incômodos de uma gestação? Parece que um nascimento também envolve muito mais do que dinheiro.

Agora, vamos colocar mais lenha nessa fogueira. Há casos de mulheres que pariram, mas se recusaram a amamentar a criança, com medo de estabelecer um vínculo afetivo. Algumas tinham fornecido o óvulo e também alugado o ventre; outras tinham sido apenas hospedeiras. Nesses casos, podemos nos arriscar a dizer que, em qualquer das duas situações, o que pesou para essas mulheres não foram nem os laços genéticos nem o carregar por nove meses, apenas. Talvez, para elas, a relação só se estabeleça no segurar a criança ao colo, no aconchegá-la, no amamentá-la, um momento de rara intimidade. Minha mãe e minha irmã amamentaram os próprios filhos e filhos de outras pessoas. Será que elas também podem ser consideradas mães dessas crianças? O que significa ser mãe de leite? Ou o peso está na combinação dar o útero e dar o peito?

Por outro lado, há quem diga que mãe é a que cria, que dá de mamar, que acalenta, que acompanha nas cólicas, na doença, no nascimento dos dentinhos, nos primeiros passos, nos trabalhos escolares. Nesse caso, como ficam as babás? Muitas mulheres geraram e pariram seus filhos, mas eles são criados por profissionais que ganham para dar mamadeiras, papinhas e banhos; trocar fraldas; contar histórias e brincar; consolar na dor e nos pesadelos. Algumas chegam a ser babás também dos filhos dessas crianças. Será que essa profissional, só por estar sendo paga, é menos mãe do que a mulher que pariu a criança? Será que ela é menos mãe do que alguém que cedeu em aluguel a barriga? Nós não vemos dificuldade em pagar uma profissional para cuidar, com essa intimidade, de nossas crianças. Por que tanto problema em alguém receber dinheiro para hospedar, no ventre, o filho desejado por outra?

Lembram da história em que o Rei Salomão decide uma questão de maternidade? Duas mulheres tiveram filhos juntas; um dos filhos morreu e a mãe dele, inconformada, disputava o sobrevivente com a outra, dizendo-se a verdadeira. Foram até o palácio do Rei Salomão e contaram-lhe a história. Ele mandou chamar um dos guardas e lhe ordenou: "Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma". Falado isso, uma das mães começou a chorar e disse: "Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus", enquanto a outra disse: "Para mim, é justo". Salomão, reconhecendo a mãe na primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho e que levassem a falsa mãe para a prisão perpétua.

O rei poderia ter a certeza da ascendência daquela criança? Certeza mesmo, não. Vamos imaginar que um exame de DNA demonstrasse que a mãe biológica era a que achou justo que se cortasse o bebê. Dá para imaginar Salomão, conhecido por sua sabedoria, entregando a criança a ela? Acho que ele passaria por cima do resultado e daria o bebê à falsa. Nesse caso, o teste era absolutamente desnecessário. Ele partiu da ideia de que a verdadeira era aquela que se dispunha a abrir mão da criança, passando por cima do próprio sofrimento para que ela vivesse, mesmo com outra. E pra você? O que é ser mãe?

Nossa discussão está no começo. Quero muito saber o que você pensa sobre barriga de aluguel. Comente este texto. Divulgue-o. Convoque seus amigos a participar também. O que aqui for dito poderá embasar a decisão daquelas criaturas de Deus que nos representam no Legislativo. Lembre que há vários projetos de lei, para disciplinar a matéria, em tramitação. Então, participe! No sábado, estaremos juntos novamente.

Maraci Sant'Ana

6 de setembro de 2009

You are my sunshine

Publicado em 8/8/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Não param as notícias sobre Michael Jackson. Por esses dias, assisti a um vídeo caseiro em que os dois filhos mais velhos do cantor, na época com uns três, quatros anos, cantavam para ele uma adaptação de You are my sunshine, substituindo sunshine por dad. Papai em lugar de luz do sol! Uma singela declaração de amor em que Paris e Prince Michael agradecem pelo bolo e pelo sorvete que a pequena família, pai e três filhos, compartilhou naquela noite. Caberia em qualquer comemoração pelo Dia dos Pais. Cenas bonitas, comoventes, não só pela delicadeza das crianças, mas porque o pai está morto e, não obstante a fortuna por ele deixada, os filhos estão órfãos.

É natural que as pessoas tenham reservas quando se fala no relacionamento do astro com os filhos, não apenas pelas denúncias de pedofilia envolvendo outras crianças, de que ele foi alvo, mas porque nenhum dos três parece descendente dele. Além disso, dizem que as crianças foram criadas com a ideia de que não tinham mãe, só pai. É um rolo sem tamanho. O próprio Michael admitiu ter recorrido a uma barriga de aluguel para ter o caçula, Prince Michael II. Segundo o ídolo, ele e a mãe do garotinho não se conheceram. Ela teria cedido o óvulo e a barriga; ele, o espermatozóide. Achou estranho? Quando ele declarou que planejava adotar duas crianças, um menino e uma menina, de cada continente, muita gente ficou encantada com a iniciativa. Mas, quando falou em barriga de aluguel, a coisa mudou de figura.

Michael Jackson não foi a única celebridade a recorrer a barriga de aluguel. Sarah Jessica Parker, conhecida atriz do seriado Sex and the City, e seu marido, o ator Matthew Broderick, também fizeram o mesmo, depois de muita frustração para aumentar a prole, que contava apenas um garotinho de seis anos. Isso só para citar um exemplo. Não dá nem pra saber ao certo quantos famosos e não famosos lançaram mão desse artifício. Na maior parte dos Estados Unidos, como acontece em vários outros países, a barriga de aluguel não é admitida. Mas, na Califória e na Flórida, ela é legalizada, assim como na Índia. As pessoas estão divididas nessa questão.

A internet está cheia de anúncios de mulheres que se oferecem para esse fim. Muitas precisam de dinheiro para o básico, como estudar, comprar uma casa, criar com um mínimo de conforto os próprios filhos. Conforme publicado por UOL Notícias no último dia 12, ceder em aluguel uma barriga, no Brasil, não é tipificado como crime. Entretanto, segundo o médico Pablo Chacel, que é corregedor do Conselho Federal de Medicina, existe uma legislação que impede clínicas de fertilização de implantar embriões em barrigas de aluguel. Aceita-se, sim, a chamada mãe substituta, uma mulher que tenha laços próximos de parentesco com a que não pode ser mãe “pelas vias normais”, que topa emprestar o útero. Não há dinheiro envolvido.

Há casos de avós que carregaram netos no ventre, de tias que deram à luz sobrinhos, incríveis provas de amor. Mas a verdade é que a barriga de aluguel transformou-se em um negócio rentável. Segundo a mídia, alguns centros de medicina reprodutiva, por exemplo, apesar da legislação proibir, dispõem de cadastro de mulheres que querem alugar o útero. Os valores variam de 40 a 100 mil reais. É uma forma de se ganhar, de uma só vez, uma grana que se levaria muito tempo para juntar. Só que questões delicadíssimas estão envolvidas nessas transações. Situações diferentes podem ocorrer.

Vamos imaginar a primeira: um homem e uma mulher cedem óvulo e espermatozóide para que uma criança seja gerada; após a fecundação in vitro, o embrião é transferido e se desenvolve no útero de outra mulher; ele tem a herança genética dos pais biológicos; a gestante é apenas uma hospedeira; após o nascimento, o bebê é entregue aos pais biológicos; a ex-gestante recebe o pagamento pela hospedagem. Agora, vamos imaginar a segunda: um homem cede espermatozóide para que, por meio de inseminação artificial, uma criança seja gerada por uma mulher com quem ele pode nem ter vínculo; o embrião tem a herança genética do pai e dessa mulher; após o nascimento, o bebê é entregue ao pai, que o criará junto com outra mulher; a ex-gestante recebe o pagamento pelo óvulo e pela hospedagem.

Tanto na primeira quanto na segunda situação, tudo saiu conforme combinado. Quem desejou um bebê o recebeu, assim como quem queria dinheiro foi pago. Daí pra frente, os questionamentos se voltarão para como educar uma criança nascida desse jeito. No primeiro caso, ela poderá entender o quanto foi sonhada pelos pais biológicos, que não mediram esforços para trazê-la ao mundo, e que seu nascimento até ajudou financeiramente alguém. Mas, e se ela quiser conhecer a mulher que a carregou no ventre? E, no segundo caso, como se sentirá uma criança sabendo que tem a herança genética de uma mulher que não é aquela que ela chama de mãe? E se ela desejar conhecer a mãe biológica?

E se a mulher que parir, independentemente de ser ou não a mãe biológica, se recusar a entregar o bebê? Quem é a verdadeira mãe - a que forneceu o óvulo ou a que carregou no ventre? Aquela que desejou a criança e pagou por ela, mesmo sem vínculo genético, ou a que não a desejou, topou receber dinheiro para trazê-la ao mundo, cedeu o óvulo e depois voltou atrás? Como fica uma criança que já nasce em meio a um litígio dessa natureza? Duas mulheres brigam por ela – quem ela deverá chamar de mãe?

Há quem considere isso tudo muito normal, da mesma forma que há quem veja a prática como o fim dos tempos. Além disso, não ser considerado crime, por não estar previsto no Código Penal Brasileiro, não quer dizer que seja ético ou moral. No Congresso Nacional, há dezenas de projetos de lei em tramitação para disciplinar a matéria. A discussão é complexa, passando, inclusive, pela redefinição jurídica do que é ser mãe.

Nossa discussão está apenas começando. Quero muito saber o que você pensa sobre barriga de aluguel. Comente este texto. Divulgue-o. Convoque seus amigos a participar também. O que aqui for dito poderá embasar a decisão daquelas criaturas de Deus que nos representam no Legislativo. Então, participe! Feliz Dia dos Pais a todos e até sábado!

Maraci Sant'Ana

22 de agosto de 2009

Be a lion


Publicado em 18/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Desde 27 de junho, venho usando a história de Michael Jackson para falar do nosso dia a dia, das dificuldades que enfrentamos e das que testemunhamos. E, embora a realidade do ídolo pareça bem distante da nossa, aos pouco vamos percebendo que os problemas faziam dele uma pessoa comum. O texto They don’t care about us iniciou uma discussão sobre o envolvimento de profissionais de saúde na viciação e na morte do astro, o exercício da Medicina como um comércio, a falta de amor ao próximo. Dos vários comentários postados, destaco o de Edna, que escreveu: “Maraci, não precisamos ir muito longe para vermos quanto o dinheiro fala mais alto. Veja o caso do Marcelo Caron, que matou duas mulheres recentemente ao submetê-las a cirurgia plástica mesmo não sendo médico. Em que mundo vivemos?”.

O caso de Denísio Marcelo Caron merece um esclarecimento. Segundo divulgado pela imprensa, ele era médico, mas usava diploma falso de especialização em cirurgia plástica. Teve o registro profissional cassado e é acusado de ter provocado a morte de cinco mulheres, além da deformação física de outras 35. O que levaria um médico a arriscar a vida de pacientes em procedimentos para os quais não estava habilitado? E, no caso dos especialistas, o que os levaria a, por exemplo, realizar cirurgias que terminam transformando rostos em máscaras, como aconteceu com Michael Jackson? Será que tudo se resume a dinheiro?

O Correio Braziliense de 12 de julho trouxe a notícia de que adolescentes entre 13 e 18 anos, insatisfeitos com a aparência, respondem por 13% das cirurgias plásticas anuais realizadas no país. Pesquisas demonstram que, em 45% dos casos, as pessoas se queixam do nariz. As demais reclamações estão relacionadas a outras partes do rosto, às mamas, ao bumbum, à barriga e por aí afora. Especialistas atribuem a procura às novas técnicas, à redução dos preços, às transformações psicológicas e físicas típicas de uma fase de transição, e à influência da mídia, que nos bombardeia com imagens de pessoas fisicamente lindas, esculpidas nas academias e nos centros cirúrgicos.

É natural querer parecer mais jovem e bonito. Mas a coisa anda tão fora de controle que faz da indústria da beleza uma das que mais crescem, mesmo em um país como o nosso, ainda tão carente do básico. Há pessoas que já se modificaram tanto que não seriam reconhecidas nem pela própria mãe, que parecem saídas da ficção científica. De tão obcecadas, copiam, inventam, topam tudo e terminam se tornando presas fáceis de profissionais inescrupulosos, de gente que promete milagres. As que não morrem acabam mutiladas. O problema está no exagero, na preocupação patológica com a aparência.

A isso damos o nome de Dismorfofobia ou Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), doença que afeta cerca de 1% da população. Adultos e adolescentes que nunca estão satisfeitos com o próprio corpo malham sem parar ou se submetem a cirurgias sucessivas para resolver um problema às vezes mínimo. Passam fomem ou vomitam o que comem; fazem uso de anabolizantes, diuréticos, laxantes, anfetaminas; espremem-se em espartilhos; extraem costelas para afinar a cintura; vivem se olhando no espelho ou evitam a própria imagem; isolam-se socialmente e correm um enorme risco de morte, inclusive por suicídio.

Em geral, o distúrbio se manifesta na adolescência ou na primeira idade adulta, períodos em que a autoestima não está plenamente desenvolvida. Mas não é raro perto dos 40 anos, quando muitos entram em pânico por não aceitarem o envelhecimento, que é natural e acomete todos os que não morreram jovens. Há relatos de pessoas que se mataram para fugir às marcas do tempo, para serem lembradas como moças e belas. Tudo isso tem muito a ver com Michael Jackson, não? Muito a ver com muita gente.

Por que há pessoas que não se incomodam com essas coisas e há aquelas que sofrem terrivelmente com detalhes, eternamente descontentes, na perseguição de um ideal que nunca é alcançado? É óbvio que o problema não está no físico. Na música Be a lion, o Rei do Pop fala de ser um leão forte, dono de um rugido poderoso, que com nada se assusta, sem medo por dentro, sem necessidade de correr ou se esconder, o mais bravo de todos. E, embora o felino seja um animal fisicamente privilegiado, é às características psicológicas que a música se refere. Que atire a primeira pedra aquele que nunca desejou ser forte e belo, o rei da selva!

Então, se você conhece alguém que enveredou por esse caminho, oriente a procurar ajuda. Tragédias como a de Michael Jackson podem e devem ser usadas para despertar a atenção. O tratamento consiste em acompanhamento psiquiátrico, para a prescrição de remédios que são indispensáveis, e psicoterapia. A dismorfofobia é uma doença que não deve ser subestimada. Mas alguém corretamente orientado logo poderá voltar a ter uma vida normal, a ser um leão livre, deixando para trás essa prisão. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

10 de agosto de 2009

We are the children

Publicado em 25/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


USA for Africa foi o nome dado ao grupo de 44 artistas que, em 1985, protagonizaram uma campanha para ajudar a diminuir a fome naquele continente. A música We are the world, escrita por Michael Jackson e Lionel Richie, rendeu cerca de 55 milhões de dólares e, segundo a imprensa, não foi o único trabalho humanitário do Rei do Pop. Em maio de 1984, ele já havia participado do lançamento de uma série de ações contra as drogas, na Casa Branca. E, em julho, anunciado que doaria aos pobres os lucros da turnê Thriller. Parece que era grande o coração do ídolo. Mas não foi só pelo talento e compaixão que ele chegou às manchetes.

Queixas de pedofilia abalaram a carreira do popstar. A primeira, que envolveu Jordan Chandler, então com 13 anos, acabou retirada graças a acordo que incluiu o desembolso, pelo astro, de US$ 20 milhões. Além dessa, outras acusações levaram Michael aos tribunais, mas ele nunca foi condenado. Foi julgado e considerado inocente por unanimidade. Agora, depois da morte do ídolo, começou a circular, na internet, comunicado em que supostamente Jordan confessaria ter sido obrigado pelo pai a inventar o abuso. Só que não há confirmação dessa notícia. E não acredito que a verdade possa vir à tona desse jeito. Se foi tudo uma farsa, revelar significaria, no mínimo, o suicídio financeiro dos Chandlers.

Essas acusações correram os quatro cantos do planeta. Seriam verdadeiras? Não faltavam mulheres e homens adultos desejosos de dividir a cama com Michael Jackson. Por que o envolvimento com crianças? Foram muitas as perguntas e as tentativas de resposta. E, com a mesma veemência com que alguns falavam que aquilo era impossível, outros acusavam, inclusive dizendo ter sido ele, Michael, explorado sexualmente pelo próprio pai. Não dá pra saber nada com certeza. Mas, se houve abuso, não foi o primeiro e nem será o último caso, infelizmente. A violência sexual contra crianças existe desde que o mundo é mundo e se estende a todos os lugares, raças e classes sociais.

E ela se torna devastadora quando é incestuosa, ou seja, envolve um adulto importante na vida da criança, alguém de quem ela dependa, que tenha um papel fundamental na sua formação. As estatísticas nos mostram que, na grande maioria dos casos, os agressores são pais, padrastos, avós, irmãos, tios, primos, pessoas em quem a vítima confia, de quem espera amor, proteção. Molestada sexualmente, a criança vai se envenenando por ser obrigada a manter o segredo e por se sentir culpada, de alguma forma, pelo mal que lhe acontece. Ela cresce tentando esconder e esquecer a experiência. E termina levando para o túmulo esse terror.

O abuso sexual é uma profanação baseada na necessidade de poder, de dominação. E, quando envolve uma criança, também na ideia de que ela é um ser inferior. Há relatos inacreditáveis. Lembro bem de um em que uma avó desvirginou a neta de quatro anos; e de outro em que um bebê de três meses foi internado com doença venérea na garganta. A todo momento, crianças são desrespeitadas das mais diferentes formas, inclusive assim. E, mesmo sem violência física, de um jeito ou de outro, a vítima é coagida. Ela se submete por medo do agressor; por receio de magoar os sentimentos do seu algoz, se ele é muito próximo; e, às vezes, por não querer perder o que talvez seja a única manifestação “de carinho” que a ela é oferecida. Muitas são pegas de surpresa e não sabem ou conseguem reagir; muitas são enganadas pelo agressor, que lhe diz que todo mundo faz aquilo; muitas são treinadas para serem obedientes e não conseguem dizer não.

E o que as pessoas em geral não sabem é que esse tipo de violência contra a criança não se limita à relação sexual. Ela pode acontecer disfarçadamente, sob a forma de carícias nada inocentes ou mesmo sem contato físico. O agressor pode, por exemplo, exibir material pornográfico; andar nu para despertar a atenção da criança; ou se masturbar na frente dela. Ele também pode espiar a criança trocando de roupa ou no banho; ou lhe fazer observações sedutoras, sugestivas, às vezes apenas com o olhar.

E o que leva alguém a se comportar de forma tão odiosa? Muitos agressores são doentes, estavam alcoolizados ou drogados no momento da agressão; muitos sofreram abuso sexual na infância e cresceram com uma ideia totalmente distorcida da vida. Há pais, por exemplo, que se sentem donos das filhas e acreditam ter direito a serem o primeiro homem em suas vidas; alguns ainda tentam responsabilizar as vítimas, alegando que foram provocados; outros empurram a culpa para a esposa ou o marido dizendo que só se voltaram para a criança porque não tinham um parceiro sexual competente ou disponível; e, não raramente, a mãe é uma cúmplice, por ignorar os sinais de que algo está errado; por não ser capaz de proteger a criança. Isso quando ela não participa ou promove o abuso. De qualquer forma, o agressor precisa ser punido. E, se for o caso, tratado.

Além disso, há casos em que os pais se comportam de forma imprópria na frente dos filhos, argumentando que sexo faz parte da vida; ou se esquecem de tomar os devidos cuidados e são flagrados em momento de muita intimidade. Mesmo que não tenham a intenção, terminam envolvendo a criança em um assunto para o qual ela não tem preparo. Pais que se amam e trocam carinhos é uma coisa. Sacanagem na frente dos pequenos é outra. A criança não entende bem o sexo. Dependendo da idade que ela tenha, o ato pode ser visto como ameaçador ou sujo. Nem mesmo recém-nascidos devem dividir o quarto com os pais. Sexo é maravilhoso, mas é para adultos.

É triste, mas não precisamos ir a Los Angeles para falar em pedofilia. Recentemente, dois homens, um de 42 e outro de 38 anos, solteiros e de classe média, foram presos acusados de abusar sexualmente de um menino de 13 anos. Segundo o DFTV 2ª. Edição do último dia 17, um deles mora na Asa Sul e trabalha como analista de sistemas nos Correios; o outro reside no Guará e é empregado terceirizado da área de infomática do Ministério da Saúde. Os dois teriam abusado, ainda, de quatro crianças que costumavam levar para passear. E, ao que tudo indica, são parte de uma quadrilha internacional. Mas, o pior de tudo é que o que rolava na casa deles era do conhecimento dos vizinhos. Só que demorou para que alguém denunciasse. Ainda há gente que acha que não deve se envolver nesses assuntos, que eles não lhes pertencem.

Crianças são vendidas, compradas, alugadas em um comércio medonho que cresce bem debaixo dos nossos narizes. Não podemos fechar os olhos ao que está acontecendo. Todos somos responsáveis por todas as crianças e precisamos estar sempre alertas. Como diz a música escrita pelo próprio Michael Jackson, nós somos o mundo, nós somos as crianças, nós somos aqueles que criamos um dia mais brilhante, que vamos criar um dia melhor. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

27 de julho de 2009

They don't care about us

Publicado em 11/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


As duas últimas edições desta coluna trouxeram um assunto que rendeu e continua rendendo no mundo todo. No texto See you later, Michael, publicado em 27 de junho, falei sobre a morte de Michael Jackson e aproveitei situações da vida do ídolo para abordar os problemas que costumam surgir quando pais tentam realizar seus sonhos por intermédio dos filhos ou quando crianças têm a infância roubada justamente por quem as deveria proteger. E, em Thriller, do último sábado, tratei da violência doméstica, a partir de experiências relatadas pelo próprio Rei do Pop. Conforme disse, o maior astro do showbusiness, de todos os tempos, vale uma série de artigos.

A vida e a morte de Michael estão pontilhadas de mistério, de fatos não explicados. Muita gente quer entender o que leva alguém, que possui o que a maioria dos habitantes deste planeta nem sequer imagina que uma pessoa possa ter, a se destruir. Vivemos em um mundo cheio de problemas, de miséria, de dramas. Milhões passam fome, não têm acesso a água potável, não sabem o que é saneamento básico, não têm onde morar e veem segurança e educação como algo inatingível. Mas, contra tudo e todos, estão por aí, lutando para se manterem vivos, para melhorar. E, na contramão disso, um ídolo tão admirado, desejado, invejado, imitado, que parecia ter tudo, matava-se lentamente.

Suicídio? A definição trazida pelo Novo Dicionário Aurélio é bem clara – desgraça ou ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento. Será que Michael Jackson tinha a intenção de se matar? Ou será que lhe faltou a capacidade de julgar, de forma clara e sensata, o que lhe estava acontecendo, o rumo perigoso que sua vida estava tomando? Estaria ele consciente de que, drogando-se daquela forma, corria um risco tão alto? Ou teria se fiado na presença do cardiologista contratado para acompanhá-lo dia e noite?

Todos temos um certo vazio interior. Isso ainda faz parte de nós, criaturas que acessamos pouco o conhecimento que detemos a respeito das leis que regem o Universo. Mas, em alguns, esse espaço não preenchido é sentido como um enorme buraco na alma, que dói de forma insuportável. Naturalmente procuramos preenchê-lo e é lícito buscar alívio. Mas corremos o risco de, no desespero, lançar mão de qualquer coisa. É por isso que vemos pessoas agarradas a outras pessoas, a coisas, a situações estapafúrdias, viciados de todo tipo - em drogas lícitas e ilícitas, em relacionamentos, em jogo, em trabalho, em sexo, em exercícios físicos e por aí afora.

As investigações apontam para um grupo de médicos suspeitos de cumplicidade no vício do cantor em remédios, inclusive sedativos pesados, alguns utilizados apenas por anestesistas em hospitais. Receitas eram emitidas em nome do astro, de empregados dele, ou mesmo falsos. Onde estava a cabeça dos profissionais de saúde que o cercavam? Eles conheciam os riscos. Será que não estavam mais preocupados com os honorários nada modestos? A música They Don't Care About Us, do próprio Michael, poderia muito bem servir para falar do relacionamento do astro com aqueles a quem ele pagava para dele cuidar. Por que Michael Jackson não foi internado para desintoxicação e tratamento? Será que não poderíamos falar em homicídio?

Quem não gostaria de ter um Michael Jackson como cliente? Até eu, que sou mais boba, iria adorar. Dá para imaginar o prestígio que me traria um popstar daquele nível entrando em meu consultório. Dá para imaginar a fama, o tamanho da lista de espera por consulta e a grana decorrente de tudo isso. Dá para imaginar a cara do pessoal da portaria, dos vizinhos de sala. Só não dá para imaginar que ele fosse receber um tratamento diferenciado. Ele seria atendido da mesma forma que os demais pacientes, como um ser humano que precisa de ajuda. Porque é assim que devem se comportar todos os que estão na função de curador.

Dinheiro não é bom, é ótimo! É dificil resistir aos seus apelos. Mas nada neste mundo deveria ser exercido apenas como um comércio, muito menos profissões como a de médico, psicólogo, enfermeiro e tantas outras que nos colocam na posição de cuidador de um irmão fragilizado. Essas são, antes de tudo, um sacerdócio. Exigem consciência pessoal, prazer pela oportunidade de servir, de amparar, de tratar, de curar, de salvar gente que, muitas vezes, só precisa de um pouco de atenção, de calor humano. Essas requerem vocação, ou seja, chamamento, predestinação e, acima de tudo, amor ao próximo. E parece que foi exatamente isso o que faltou. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

13 de julho de 2009

Thriller

Publicado em 4/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro




Michael Jackson vale uma série de textos. Sua vida e sua morte estão recheadas de acontecimentos que dariam muitos capítulos. Tudo o que envolve o maior dos astros do pop é grandioso. Por isso, a imprensa internacional está mobilizada. Além disso, como disse na semana passada, ele movimentou, movimenta e, por muito tempo, continuará movimentando somas incríveis. E o mundo não resiste ao apelo financeiro. Milhões estão sendo investidos na busca de furos de reportagem. Qualquer informação vira notícia, especialmente o que diz respeito a grana, à fortuna deixada, aos herdeiros, ao testamento do ídolo. Ele foi, é e continuará sendo, ainda por muito tempo, uma máquina de fazer dinheiro.

Não creio que Joseph Jackson tenha sido capaz de vislumbrar uma coisa assim, nem sequer em seu maior desvario. Quando decidiu lançar os filhos no showbusiness, certamente almejava fama e fortuna, mas nada comparado ao que aconteceu. O caçula dos Jacksons era puro talento. Fico imaginando o que Michael teria realizado se houvesse tido uma infância e uma adolescência sem violência, amorosa. Lembro de uma longa entrevista, reprisada pela Rede Record, em que ele disse que seu pai acompanhava os ensaios segurando um cinto, que usava para bater nos meninos. Lembro do relato de surras com fio de ferro, de ser atirado contra a parede e de vomitar só por estar na presença do pai. Lembro dele contando que sua mãe gritava: “Joe, você vai acabar matando ele!”. Um verdadeiro thriller.

Sabemos que, para se transformarem em adultos emocionalmente saudáveis, as crianças precisam de um teto, boa alimentação, proteção contra os perigos do mundo, coisas que exigem dinheiro. Mas muitos esquecem ou nem mesmo sabem que elas também necessitam de uma família de verdade, de se sentirem felizes, respeitadas, acarinhadas física e psicologicamente, amadas. Alguém que viveu o que Michael Jackson viveu é alguém que não teve o mais importante – o amor dos pais. Nenhum dos dois estava em condições de amá-lo, nem o pai medonho, que se comportava de maneira abusiva, nem a mãe permissiva, que não conseguia proteger os próprios filhos.

Assim, não foi surpreendente a decisão do Rei do Pop, de deixar o pai de fora de seu testamento. Ele não havia superado a violência sofrida, embora tenha dito, na mesma entrevista, que o pai melhorara muito e que, no fundo, era um homem bom. Parece que Michael, assim como provavelmente acontecia ou acontece com sua mãe, acreditava, ou tentava crer, que o comportamento inaceitável de Joe Jackson tinha uma causa justa, o bem dos filhos, um futuro melhor para eles, rico de coisas que o dinheiro pode comprar, embora pobre daquilo que realmente tem valor.

As crianças tendem a se identificar com um dos pais. A frase parece um lugar-comum? Entretanto não deixa de ser verdade. E é claro que as coisas não funcionam assim, de maneira tão simples. Mas é mais ou menos o que acontece. Então, em uma família como a de Michael, em que um dos pais violenta os filhos e o outro não consegue defendê-los, as opções dos pequenos são: tornarem-se como o pai, forte, poderoso, detentor do controle, dono da razão, embora assustador e digno de ódio; ou se tornarem como a mãe, frágil, controlada, vítima, assustada e digna de pena. A escolha lhe parece difícil? Para uns, não. Para outros, sim, um outro thriller.

Neste ponto, vocês poderiam me perguntar – só essas duas opções? Não há escapatória? Por isso eu disse que as coisas não funcionam assim, de maneira tão simples. Certamente há outras saídas. Mesmo porque os pais geram o corpo dos filhos, não o espírito, ou seja, não geram a essência. As crianças não devem ser vistas como uma folha de papel em branco. Elas têm uma história coletiva e uma individual. E muitas vêm a este mundo não para aprender, mas para ensinar. Só que os pais têm uma função fundamental. Na infância, as crianças estão mais acessíveis a conselhos e, principalmente, exemplos. É dever dos pais incentivar as boas inclinações e reprimir as más, sem violência, com amor, ajudando os filhos a progredir, não apenas financeiramente, como este mundo materialista e imediatista sugere, mas moralmente.

Dificilmente uma criança que é vítima dos pais vai conseguir olhar para eles e entender que são criaturas ainda incapazes de amar. Dificilmente não se culpará pelo que lhe está acontecendo de mal. Dificilmente compreenderá que precisa se defender justamente daqueles que têm a missão de protegê-la. Dificilmente buscará outros modelos sem se sentir uma traidora. Dificilmente não se tornará um adulto que não se aceita e não se sente merecedor de amor.

Acredito que o ser humano está melhorando, embora ainda tenhamos muito a aprender, um longo caminho pela frente. Mas o que vemos acontecer a nossas crianças é doloroso. O mundo está cheio de Michaels Jacksons, mas, para a esmagadora maioria, feliz ou infelizmente, buscar refúgio na Terra do Nunca não é uma opção. Que possamos aproveitar a tragédia pessoal desse irmão para refletir. Valeu, Michael!

Maraci Sant'Ana

29 de junho de 2009

See you later, Michael

Publicado em 27/6/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


A notícia da morte de Michael Jackson, na tarde da última quinta-feira, surpreendeu o mundo. Todos queriam saber se ela era verdadeira, o que havia acontecido. A movimentação na internet foi tanta que travou o Google e o Twitter. E, com a triste confirmação, as manifestações não pararam mais. Pessoas comuns e famosas comentam e choram a perda do ídolo. O Rei do Pop parte nos deixando boquiabertos, como sempre. Fica para trás uma vivência marcada pelo sucesso e pelos escândalos, que o levaram da riqueza à ruína financeira.

Fala-se em parada cardíaca provocada pelo excesso de trabalho e pelo abuso de medicamentos. Não sabemos ao certo a causa da morte. Mas sabemos a importância que Michael teve para a indústria do show business. Sabemos que foi um dos maiores fenômenos musicais de todos os tempos, um prodígio, um artista completo, que compunha, cantava e dançava como poucos, um talento inquestionável que deixa saudade, especialmente em quem, como eu, cresceu acompanhando sua carreira, desde os tempos do Jackson Five.

Ousado, polêmico, irreverente, esquisito, genial, ele ganhou e perdeu verdadeiras fortunas ao longo de meio século de vida. Movimentou e continua movimentando somas incríveis. Off the wall bateu quatro vezes o topo da Billboard; Thriller, que custou US$ 750 mil, ultrapassou a marca de 109 milhões de cópias vendidas; We are the world, que ele compôs em parceria com Lionel Richie, arrecadou milhões para crianças carentes da África. Os números na vida de Michael Jackson são surpreendentes. Seus shows batiam recordes de público. Ele teve cinco álbuns entre os mais vendidos e ganhou 25 Grammys. Os shows da turnê que encerraria sua carreira deveriam ser assistidos por cerca de 1 milhão de pessoas e lhe renderiam mais de US$ 200 milhões.

Michael era descrito como bom, educado, gentil. Não fumava, não bebia, não usava drogas ilícitas e não comia carne. Mesmo assim, a vida dele foi definida, por um de seus ex-assessores, como uma jornada autodestrutiva. Seu estilo extravagante; as sucessivas cirurgias plásticas que, em lugar de lhe trazerem o rosto dos sonhos, transformaram sua aparência em um pesadelo; os casamentos inexplicáveis, primeiro com a filha de Elvis Presley, depois com uma enfermeira desconhecida que lhe deu dois filhos; a contratação de uma mãe de aluguel para o nascimento do terceiro filho; e os acordos em processos judiciais por acusação de pedofilia abalaram ainda mais sua estrutura emocional e a financeira, levando-o ao isolamento social e o obrigando a vender o rancho Neverland, assim como parte dos direitos autorais sobre as músicas dos Beatles. Segundo publicado por jornais de todo o mundo, ele deixa dívidas que totalizam cerca de US$ 400 milhões.

Mas quem foi de fato Michael Jackson? Um homem negro que desejava parecer uma mulher branca? Um garoto que, tal qual Peter Pan, vivia na Terra do Nunca e se recusava a crescer? Algoz ou vítima? Criminoso ou doente? Alguém capaz de, deliberada e conscientemente, trair a inocência de uma criança? Ou uma das muitas pessoas que não conseguiram superar nem as próprias dificuldades nem as decorrentes de uma infância de violência e abuso, que tentava desesperadamente preencher um vazio que mais e mais aumentava?

Talvez jamais saibamos a verdade. Mas a biografia de Michael aponta para uma família grande e pobre em que o pai trabalhava como operário e tentava uma carreira musical que nunca foi pra frente. Obcecado, Joe Jackson passou a investir nos filhos, que se mostravam talentosos. Abusivo e violento, buscando fortuna e sucesso, roubou-lhes a infância, submetendo-os a ensaios exaustivos, controlando, exigindo e castigando-os severamente quando as coisas não saíam da forma como ele queria – um verdadeiro calvário. Só Deus sabe o que acontecia entre aquelas quatro paredes.

É importantíssimo que os pais incentivem os filhos, que os ensinem a serem persistentes e disciplinados. Além do mais, dinheiro costuma cair muito bem, especialmente para um casal que vive na maior dureza, com nove crianças, como era o caso dos Jacksons. Mas fico pensando em como teria sido a vida de Michael se o pai tivesse visto nele, acima de tudo, um filho, que deveria ser acolhido com amor. Ou se a mãe tivesse tido a coragem de defendê-lo, de protegê-lo, mesmo do pai. Será que aquele garoto não teria se tornado um adulto emocionalmente maduro e equilibrado, capaz de se aceitar como era, em condições de encarar e resolver os problemas do mundo real, que não precisasse se esconder atrás de máscaras cirúrgicas? Será que ele não estaria vivo e com saúde suficiente para criar os próprios filhos?

Noutro dia, li que ninguém deveria ter filhos por necessidade, para aliviar a solidão, dar sentido à vida tentando reproduzir a si mesmo em uma cópia, ou buscar a imortalidade lançando um germe seu no futuro. Sábias ponderações. Porque os filhos não vêm ao mundo para atender as nossas expectativas. Aliás, devemos sempre esperar deles sonhos próprios e mais elevados que os nossos. Acho que o ideal é que nós comecemos ensinando a eles e que, o quanto antes, eles já estejam nos ensinando. Esse pode ser um bom indicativo de que cumprimos nossa missão. Como dito por Gribran, em O Profeta, nossos filhos não são nossos filhos, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Valeu, Michael!

Maraci Sant'Ana

15 de junho de 2009

Valeu, Tina!!!!

Publicado em 2/5/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Ontem, 1° de maio, celebramos o Dia do Trabalho. Temos todo tipo de data comemorativa em nosso país. Algumas são mundiais e bem conhecidas. Outras, nem tanto. Há a da confraternização universal, o Natal, a da chegada do ano novo, o dia das mães, o dos pais e o das crianças, a Páscoa e o São João, por exemplo. Mas há também o dia do supermercado, o da saudade, o do telefone, o da juventude, o do disco, o dos solteiros, o do anunciante e por aí afora. Uns bem loucos, não?

Hoje, 2 de maio, é dia do ex-combatente e do taquígrafo. Pouca gente sabe disso. Já o dos psicólogos, comemoramos com os corretores de imóveis em 27 de agosto; os economistas celebram em 13 de agosto; e os jornalistas, com os corretores, os médicos legistas e a saúde em 7 de abril. Mas há uma figura que termina sendo esquecida, embora também tenha seu dia – o trabalhador doméstico. Vinte e sete de abril não deveria passar em branco. Não há um só dono de casa que não saiba o valor de se ter um bom profissional para apoiá-lo no dia a dia do lar, doce lar.

Eu bem o sei. No próximo 10 de junho, eu e Tina completaremos 12 anos de uma grande parceria. Parece que foi ontem que ela chegou, indicada pelo porteiro do prédio em que eu morava, o seu Antônio. De lá pra cá, vivemos muitas coisas. Ela me ajudou a criar meu filho, assim como eu, de uma maneira diferente, a ajudo a criar Vitor Hugo e André Luiz. Passamos por momentos felizes e também de sufoco. Rimos, choramos, brigamos e nos acertamos, duas mulheres crescendo juntas, uma batalhando ao lado da outra. Muita gente cruzou meu caminho nesse período, mas poucas pessoas são ou foram tão significativas. Não posso nem imaginar o quanto teria sido difícil sem ela, sua comida caprichada, sua disposição e disponibilidade, seu apoio, sua alegria, seu carinho.

Só que, lamentavelmente, esse tipo de relação não é tão comum. E o lado trabalhista ainda é bastante problemático. Conforme publicado no site do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo – STDMSP, dos 6,8 milhões de trabalhadores domésticos, apenas 27,1% possuem vínculo formal de trabalho. Dos 2,3 milhões que trabalham como horistas, nem 10% contribuem para a previdência social. Mas há uma luta por jornada de trabalho estabelecida, hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS obrigatório. E, segundo especialistas e representantes de empregadores e trabalhadores domésticos do estado de São Paulo, o custo dos encargos deverá dobrar, caso isso venha a se concretizar.

É claro que vai pesar pra muita gente, mas todo trabalhador acha o máximo ter seus direitos garantidos, mesmo porque eles são o resultado de discussões ferrenhas e até de mortes. E, se podemos tê-los, por que não aqueles que estão ao nosso lado, fazendo o que não podemos, não queremos ou não sabemos, tornando possível que nos dediquemos a outras atividades? Sei que muitos trabalhadores, embora já tenham garantidos esses direitos em lei, não os usufruem de fato, pelo menos não na totalidade. Quantos, por exemplo, não ultrapassam a jornada sem hora extra? Já fiz isso tantas vezes que perdi a conta. Mas há os que conseguem. É nesses que devemos nos espelhar. E o que desejamos de bom para nós devemos querer pra todo mundo.

O começo nunca é fácil. Pode até haver desemprego. Mas, com o tempo, as coisas sempre chegam onde têm de chegar. Tudo se acomoda. Foi assim com trabalhadores de outras categorias. Por que não com os domésticos? Por que sustentar uma situação que é flagrantemente injusta?

Assim, a você que ainda reluta nessa matéria, peço que procure se colocar no lugar desse trabalhador, de seu parceiro. Acredito firmemente que pior do que os erros que cometemos por ignorância são os acertos que deixamos de perpretar quando podíamos, mas para o qual fechamos egoisticamente os nossos olhos. Valeu, Tina! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

1 de junho de 2009

A Parte mais Sensível

Publicado em 25/4/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Crise mundial – queda na atividade econômica e, consequentemente, na arrecadação de tributos. Cenário nada bom em qualquer período e especialmente ruim em época de campanha eleitoral, como a que já estamos vivendo. Veio daí a necessidade de se adotarem medidas para, pelo menos, minimizar o estrago. Surgiu a idéia de se reduzirem impostos sobre alguns produtos, como automóveis e eletrodomésticos da chamada “linha branca”, para dar mais impulso à economia; e a de aumentar a tributação sobre cigarro e bebida alcoólica, para garantir os cofres.

Segundo o site G1, a prática de onerar esses produtos quando a coisa aperta não é nenhuma novidade. Já no ano passado, membros do governo defenderam o aumento da cobrança de tributos sobre bebidas e cigarro, como forma de compensar a perda de arrecadação sofrida pela extinção da CPMF. Além dos significativos valores arrecadados, esse tipo de medida soa como em prol da saúde pública. O governo mata dois coelhos com uma “caixa d’água” só. Um primor de idéia.

De acordo com estudos do Banco Mundial, o aumento nos preços de produtos derivados do tabaco é uma das políticas de controle com melhor custo/efetividade, principalmente entre a população jovem e a de baixa renda, que são mais influenciadas pelos preços em suas decisões de consumo. E é público e notório que o tabaco é a droga que provoca mais mortes no mundo, sendo responsável por 90% dos casos de câncer de pulmão. Hoje, no Brasil, o número de óbitos causados pelo tabagismo é de 200 mil por ano. E nem estamos nos referindo à morte de pessoas que não fumavam, mas conviviam com fumantes.

E quanto à bebida alcoólica? Posso começar falando sobre algo que tem sido discutido no país inteiro desde o ano passado – A Lei 11.705/2008. O site do Correio de ontem trouxe a notícia de que, após 10 meses da chamada Lei Seca, o Detran registrou 73 mortes e 71 acidentes fatais a menos nas vias do DF. Além disso, foram autuados 3.000 motoristas por dirigirem alcoolizados. Desses, 1.228 apresentaram índice de álcool no sangue acima de 0,3mg/l. A gente treme só em pensar nas mortes que não puderam ser evitadas em todo o Brasil.

Para mim, esse resultado é mais do que suficiente para banirmos a bebida alcoólica do país. E, quando falo banir, falo de eliminar para todo o sempre. Pareço exagerada? Mas não é só no trânsito que a bebida mata. Um percentual enorme, que calculo 70%, das tragédias que vivenciamos todos os dias, não aconteceria se o álcool não fizesse parte de nossa história. Quando lemos aquelas notícias pavorosas de homens que assassinaram suas esposas, namoradas ou ex-companheiras; de filhos que mataram os pais; de pais que abusaram sexualmente das filhas; de mães que atiraram filhos recém-nascidos pela janela; de irmãos que brigaram até a morte; de assaltos violentos; de estupros, ficamos horrorizados, mas muitas dessas barbaridades teriam sido evitadas se os envolvidos nesses dramas, nessas situações-limite estivessem sóbrios, limpos.

É claro que sempre haverá quem queira me corrigir dizendo que o problema não está no consumo, mas no abuso. Então, eu me permito esclarecer, e falo como profissional da área de saúde, que muita gente não deveria beber nem sequer um copo de cerveja; que o mundo está cheio de alcoólatras em potencial que nem imaginam que não precisarão de vários porres para se transformarem em doentes de fato – basta um primeiro copo que desperte o gosto pela bebida. Isso sem falar que o álcool é, reconhecidamente, a droga que abre as portas da vida do indivíduo para outras ainda mais devastadoras.

Há alguns meses, numa entrevista para a TV, a repórter perguntou se eu era a favor de restringir a propaganda de bebida para após as 22 horas. E eu respondi que acho que esse tipo de mensagem deveria ser terminantemente proibida. Nós vivemos em um mundo que não precisa de nenhum estímulo a mais para beber. O que se ingere e o que se gasta com bebida é uma loucura. Seria uma maravilha se tivéssemos a certeza de ser economicamente viável a transferência dos impostos que incidem sobre comida e remédio, ao todo ou quase, para o cigarro e a bebida. Será possível? Melhoraria a saúde e a vida do povo, diminuiria o consumo de drogas, as tragédias, as mortes.

Diferentemente do que muitos imaginam e apregoam, fumo e bebida alcoólica não são supérfluos. São danosos, nocivos, devastadores, porque destroem, arruínam pessoas, famílias, civilizações. Por isso estou feliz com as medidas adotadas e com as notícias do que está por vir nesse sentido. E estaria muito mais se o aumento da tributação tivesse sido motivado não pela crise econômica, mas pelo desejo de se tentar evitar as tragédias a que assistimos diariamente, pela conscientização dos que governam, pela necessidade de se salvar vidas. Só que, ao que tudo indica, os governos são como as pessoas que ainda têm o bolso como a parte mais sensível do corpo. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

18 de maio de 2009

Amor, Imbatível Amor

Série "O dinheiro e os relacionamentos" - Parte 13


Publicado em 18/4/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Quem acompanha esta coluna deve lembrar da terceira parte da série O dinheiro e os relacionamentos, publicada em vinte de setembro do ano passado, que recebeu o título Sobre pais, filhos e heranças. Esse texto foi objeto de muitos comentários, inclusive o de Lúcia, que postou o seguinte:“É Maraci, não está fácil a vida. Dia desses ouvi uma história horrível, de um casal de gays em que um dos rapazes morreu e, antes mesmo de ser enterrado, sua família invadiu a casa que ele morava e expulsou o parceiro sem que ele pudesse sequer tirar suas roupas. Mas quando o rapaz era vivo, a família o tinha abandonado há mais de 10 anos. Pais e irmãos sequer sabiam que ele tinha uma doença grave. E quem cuidou dele foi o parceiro que ficou sem nada, quase na miséria”.

Eu me sinto gratificada com a participação dos leitores. Acompanhar os comentários que fazem é uma grande curtição, mesmo que tragam histórias tristes como essa, porque eles retratam a nossa realidade, a verdadeira situação do mundo em que vivemos. Sobre o caso relatado por Lúcia, creio que muito poderia ser dito. No primeiro momento, a idéia que ele em mim despertou é a de que ali houve uma combinação perigosa de preconceito e cobiça.

Para muitas almas, acontecimentos como o relatado por Lúcia não fazem o menor sentido porque, a todo momento, lemos e ouvimos relatos sobre relacionamentos que deveriam ser de amor, mas se mostraram de horror; de crianças atiradas pela janela de suas casas; de garotos matando pais e avós; de maridos matando mulheres; de mulheres matando maridos; de pais e irmãos abandonando seus doentes. É tanta loucura que, se não formos fortes, terminaremos por perder a fé no ser humano, em nós mesmos. Às vezes, parece que vivemos mergulhados numa espécie de pântano. E, o que é pior, pouco fazemos para dele sair.

Além disso, estamos cansados de ver casais que vivem uma relação que nem de longe eu chamaria casamento. Homens e mulheres que mal se falam e mal se conhecem; que se uniram movidos por uma paixão sem embasamento ou que não foi cultivada e chegou ao fim; que se mantêm juntos por convenção, comodismo ou interesse; que, em verdade, nada constroem de bom, nem para eles mesmos nem para os que os cercam.

Diante desse quadro, é, no mínimo um abuso essa gente, desfraldando a bandeira do preconceito, criticar ou interferir em um relacionamento apenas por ele fugir ao padrão, por ser entre pessoas do mesmo sexo. Fico pensando em quantos casais heterossexuais conseguem se manter unidos, não por obrigações, mas por amor, numa situação difícil como a que envolveu esses rapazes.

No livro Amor, Imbatível Amor, psicografado por Divaldo Pereira Franco, o Espírito Joanna de Ângelis diz que o amor é substância criadora e mantenedora do Universo, constituído por essência divina. É um tesouro que, quanto mais se divide, mais se multiplica, e se enriquece à medida que se reparte. Mais se agiganta, na razão que mais se doa. Fixa-se com mais poder, quanto mais se irradia. Nunca perece, porque não se entibia nem se enfraquece, desde que sua força reside no ato mesmo de doar-se, de tornar-se vida.

Lamentavelmente, muitos ainda veem a união entre duas pessoas apenas como um ato social ou religioso e se esquecem de que ela envolve, ou pelo menos deveria envolver, muito mais do que geração de filhos e formação de patrimônio; que o que mantém viva a união é a amizade, o diálogo, o interesse pelo outro, a alegria de amar e ser amado; que somente o companheirismo abre as portas para a realização do par. Não importa se o casal é hetero ou homossexual. Encontrar um relacionamento de amor verdadeiro não é fácil. E quando um se apresenta, ele deve ser comemorado e servir de exemplo.


É nosso dever lutar contra o preconceito, a arbitrariedade, o abuso, para que histórias como essa trazida por Lúcia não mais se repitam. Não basta apenas criticar. O Livro dos Espíritos traz a seguinte pergunta: “ Por que, neste mundo, a influência dos maus geralmente sobrepuja a dos bons?”. E, em resposta, lá está: “ Por fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, haverão de preponderar”. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana