31 de dezembro de 2004

Triângulo das Bermudas


em debate - Maraci Sant’Ana

Especial para o Correio - Publicado em 6/6/2004.


Num desses domingos em que só queremos ficar deitados vendo bobagem na TV, assisti ao filme Triângulo das Bermudas, a aventura de um casal de médicos de Nova Iorque e seus filhos, uma garota de 13 anos e um garoto de 10, que após um naufrágio, foram parar numa ilha fora do mapa, isolada do resto do mundo.

O Triângulo das Bermudas é uma região que muitos acreditam ter sido palco do desaparecimento misterioso de aviões e barcos, capturados por alienígenas ou lançados em outra dimensão. Testemunhas relataram defeitos nos instrumentos de navegação, como bússolas descontroladas; tempestades com redemoinhos que podem engolir um barco inteiro; alterações do tempo e do espaço; linha divisória entre o mar e o céu oculta por nevoeiro; sensação de não haver nada sob a nave; terríveis pesadelos; pânico.

Se o Triângulo das Bermudas tem mesmo esse poder, há controvérsias. Mas uma coisa é certa: na vida, atravessamos nossos Triângulos das Bermudas particulares. Uns enfrentam mais ou menos dessas travessias. Mas elas são inevitáveis.

Quantas vezes nos deparamos com problemas tão inusitados que nos dão a sensação de termos sumido do mapa levados por alienígenas ou de estarmos perdidos em outra dimensão? Sentimo-nos desorientados, como se nossa bússola interior estivesse descontrolada ou paralisada por uma força maior. Percebemo-nos incapazes de distinguir a linha do horizonte, impedidos, por um denso nevoeiro mental, de enxergar adiante. Entramos em pânico com a nítida impressão de não haver nada sob nossos pés, de estarmos sem apoio, arrebatados por tempestades emocionais, sugados por redemoinhos de desespero, terríveis pesadelos que nos ameaçam engolir.

No filme, o casal tentava desesperadamente ir para casa, o que só os conduzia de volta à ilha, desolados reféns do destino. A adolescente rebelde hostilizava todos, inconformada por estar num lugar para ela sem atrativos, com pessoas que nada tinham a oferecer. O menino era o único que não se preocupava, o que era atribuído à pouca noção de perigo típica da infância. Mas, segundo o prefeito da ilha, cada um tinha a opção de viver ou morrer. O truque para continuar vivo era “encontrar alguma coisa que dê vontade de levantar pela manhã”.

Diante das frustradas tentativas de escapar, o casal de médicos retornou às suas atividades profissionais, assumindo o hospital comunitário. A filha rendeu-se ao carinho de um grupo de golfinhos que a ajudaram a se sentir humana. E o filho mais jovem, que desde o começo havia dedicado tempo e energia à exploração da ilha, evitando o sofrimento do desespero inútil, graças às novas amizades encontrou um substituto natural da insulina de que precisava para viver. A vontade de voltar para Nova Iorque não desapareceu. Mas, depois de algum tempo, eles já se sentiam em casa também na ilha. A nova vida, embora não planejada, não era ruim, apenas diferente da anterior.

Muitas vezes somos colocados em situações das quais não conseguimos sair de pronto. Mas desespero e revolta não ajudam. Embora modesto, o filme traz importantes lições. A primeira é que devemos nos manter ativos, fazendo aquilo que sabemos fazer, que nos dá prazer. Encontrar alguma coisa que nos dê vontade de levantar pela manhã tira-nos da posição de refém dos acontecimentos, por pior que seja o problema enfrentado.

A segunda é que sempre há alguém disposto a ajudar quem precisa superar dificuldades - um amigo, um terapeuta, um grupo de apoio ou religioso. Devemos lançar mão de tudo e todos, sem medo ou vergonha de estar precisando de ajuda.

E a terceira é que, em vez de remarmos contra a maré, exaurindo nossas forças, devemos explorar, conhecer nosso problema. Muitas vezes precisamos de ajuda profissional mas, nessa empreitada, não raramente resolvemos também outras questões.

Nem sempre as coisas saem como planejamos. Mas isso não quer dizer que a vida será necessariamente ruim. Às vezes ela só tomou um rumo diferente.