25 de junho de 2007

Adeus, não. Até breve!


Publicado no Tribuna do Brasil de 22/6/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Como podemos ajudar alguém que perdeu um ente querido? No último domingo, passei pela triste experiência de participar das despedidas à mãe de um jovem amigo, vítima de um estúpido acidente de carro, durante uma pequena viagem. Waldete partiu deixando os filhos André e Roberto.

Numa situação assim, totalmente inesperada, a maioria das pessoas se assusta. Em primeiro lugar, porque a morte de alguém nos traz a lembrança de que não ficaremos aqui para sempre, de que, um dia, o corpo que usamos também perderá a vida. Em segundo lugar, porque nos colocamos no lugar daqueles que ficam, que sofrerão por saudade.

Na verdade, quase todo mundo se apavora com a idéia de que vamos morrer ou de que podemos perder alguém amado. Falta confiança nas leis que regem o Universo, no Criador. E esse pânico é que nos impede ou torna difícil a missão de apoiar um amigo na hora da dor. O que fazer para tentar ajudar quem sofre? Como agir? O que dizer? Como suavizar o padecimento?

Não conheci Waldete, mas logo fiquei sabendo que se tratava de uma mulher que acreditava na imortalidade da alma. E percebi que os garotos dela, embora ainda não tenham as mesmas certezas com relação à morte e à continuação da vida, tendem a acompanhar as crenças maternas, uma indicação de que algo especial ela plantou no coração dos filhos. Nessas situações, só a fé pode consolar. Só ela é capaz de dissipar as nuvens pesadas e escuras que se formam em momentos tão dolorosamente tristes, impedindo que vislumbremos o horizonte infinito que nos traz confiança.

Quando alguém parte, repetimos, aos que ficam, o de sempre - que é preciso ter força, ter fé. Prescrevemos o único remédio para esse tipo de dor, tentando contagiar o outro com nossas palavras, nosso olhar, nosso abraço. Mas o sucesso desse intento dependerá do quanto estejamos sendo sinceros. E mesmo que estejamos também sofrendo muito, quanto mais firmes forem nossas esperanças, mais conseguiremos falar diretamente à alma de quem sofre.

Então, meus queridos, deixo-lhes estas palavras, as da minha fé inequívoca de que a mãe de vocês não morreu, apenas voltou à sua condição original. Waldete não era aquele corpo que pereceu. Ela é muito mais, é um ser espiritual que, agora liberto, habita um outro mundo. Nós não somos um corpo que contém uma alma, mas um espírito que se utiliza da matéria, quando necessita transitar por este planeta. Ela não desapareceu da vida de vocês, porque mantém a individualidade, a inteligência, os mesmos sentimentos de carinho, de amor.

Os laços de afeto que os uniam antes da morte do corpo dela continuam existindo e tendem a se tornar cada vez melhores, mais estreitos. Não foi por um acaso do destino que ela os recebeu como filhos amados. Por isso, de uma forma ou de outra, esteja onde estiver, sempre velará por vocês, ajudando no que puder, intercedendo, amparando como até então, abraçando-os e beijando-os durante o sono.

Há uma passagem do livro "Chico Xavier, Mediunidade e Ação", escrito por Carlos Antônio Baccelli, que narra diálogo entre o famoso médium e uma mãe aflita, que havia perdido os dois filhos num desastre. Ao ver o desespero da pobre mulher, ele a consola dizendo: -"Filha, o nosso Emmanuel sempre me diz que a aceitação de nossos problemas, sejam eles quais forem, representa cinqüenta por cento da solução; os outros cinqüenta por cento vêm com o tempo ... Tenhamos paciência e fé, pois não estamos desamparados pela Bondade Divina."

18 de junho de 2007

Também materiais

Publicado no Tribuna do Brasil de 15/6/2007
Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Na semana passada, escrevi que não podemos mais negar as evidências de que não somos apenas matéria. Relatei o caso de alguém que vem lutando contra um transtorno psiquiátrico apenas com medicação, sem psicoterapia, sem religiosidade, esquecida de que somos, antes de tudo, seres espirituais. Hoje, quero falar a respeito do outro lado dessa mesma moeda, contando uma história diferente, embora sobre o mesmo tema.

Há alguns anos, recebi no consultório uma mulher que vivia um casamento doloroso, com um homem que bebia muito e também usava cocaína, transformando num inferno a própria vida, a da esposa e a das quatro filhas que tinham.

Após uns 16 anos de drama, essa mulher iniciou comigo um processo psicoterapêutico. Logo de cara, identificamos que a história vivida com o marido não era nenhuma novidade para ela, gerada em um lar desajustado que incluía, além de um pai beberrão e infiel, uma mãe permissiva. Assim, ficou também claro que a depressão dela não teve início no casamento, mas na infância roubada.

No entanto, quando expliquei que ela precisava de uma medicação que corrigisse a disfunção química cerebral de que sofria, ela reagiu dizendo que tentaria um tratamento alternativo, já que tomar remédio não era com ela. Além disso, ela possuía um grupo de amigas religiosas que também se manifestaram radicalmente contra, afirmando que esse tipo de medicamento faz mais mal do que bem, que ela precisava era de fé e que, se freqüentasse determinada igreja, logo estaria curada.

Só que, após uns meses, embora se mantivesse firme na terapia e na igreja, os problemas ainda não estavam resolvidos. Ela os enxergava de outra forma, sentindo-se psicologicamente e espiritualmente apoiada. Mas continuava sem forças para dar outro rumo à vida. A verdade é que o corpo não estava conseguindo acompanhar a alma, que ansiava por mudanças, que sentia delas necessidade. E foi aí que ela entregou os pontos, procurando um médico.

Um mês depois, durante a consulta semanal, surge ela animadamente contando que estivera com as amigas e que havia deixado bem claro que sua recuperação nada tinha a ver com Deus, que o milagre havia sido feito por mim, pelo psiquiatra e pelo remédio prescrito. O resultado foi que as outras ficaram escandalizadas, considerando blasfêmia tudo aquilo e odiando todos nós.

Daí iniciei com ela uma discussão a respeito da participação de Deus no bem-estar de que então desfrutava. Quantas pessoas não teriam se envolvido na pesquisa da substância que a estava ajudando a sair da depressão? Quanto tempo os cientistas não teriam se dedicado a esse trabalho? O quanto não teriam precisado ser inteligentes, estudiosos, persistentes? De quanto não teriam precisado abrir mão para seguir em frente?

Enquanto viajamos, descansamos, passeamos pelos shoppings, comemos churrasco à beira da piscina dançando forró, há pessoas trancadas em laboratórios trabalhando. Gente que pouco viaja, pouco descansa, não conhece as tendências da moda e não se bronzeia há muito. Gente incansável, movida pela paixão, por um ideal, que ajuda a salvar vidas. Não seria isso um prodígio? Não seriam essas criaturas uns dos muitos portentos de Deus que mal enxergamos?

As pessoas costumam fantasiar os milagres, esperando feitos espantosos do tipo um raio atirado diretamente do céu. Mas acho que, em verdade, minha paciente havia sido agraciada com um deles, sim. E que está na hora de ampliarmos nossa visão, deixarmos de lado esse olhar ainda infantil, para usufruir de todas essas maravilhas imateriais e materiais que o Criador coloca à nossa disposição. Até sexta-feira!

12 de junho de 2007

Também espirituais

Publicado no Tribuna do Brasil de 8/6/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Não dá mais para negar as evidências de que nós não somos apenas matéria, mas, antes de tudo, espírito. Por isso costumo recomendar aos meus pacientes que, além da psicoterapia e do eventual uso de medicação, façam relaxamento, ouçam boas músicas, assistam a bons filmes, leiam bons textos e, principalmente, exercitem a fé.

Vivemos num mundo ainda muito materialista, esquecidos de que não somos um corpo que abriga um espírito. Somos um espírito que usa um corpo, instrumento indispensável para que estejamos neste planeta. E somos parte de um todo perfeitamente integrado e harmônico. Nunca estamos sós. Estamos, todo o tempo, interagindo energeticamente com os outros humanos, com os animais, com os vegetais, com os minerais, com um mundo visível e com um mundo invisível, com o universo, com o próprio Criador.

Nesta semana, uma paciente me dizia o quanto está preocupada com a irmã, que já esteve internada por um transtorno psiquiátrico, que, de repente, por conta própria, suspendeu a medicação que vinha tomando há anos, com sucesso, e entrou numa espécie de surto. E foi conversando que descobri que a doente, além de não estar sendo acompanhada por um psicoterapeuta, não pratica nenhuma espécie de religião.

Costumo dizer que não estamos neste mundo a passeio, mas a trabalho. Isso também envolve prazer, mas mais dificuldades, que fazem parte do tipo de vida que ainda levamos. As pessoas estão sempre em crise. Quando não é por falta de dinheiro ou por um desentendimento familiar, é por um outro tormento qualquer. E até mesmo quem está com tudo em ordem pode, sem mais nem menos, sentir-se invadir por um enorme vazio existencial.

Como é possível acreditarmos que alguém que sofre de um problema que é primariamente da alma consiga superar essas dificuldades apenas com medicação, sem um apoio emocional, sem um socorro espiritual?

Viver não é brincadeira não. E é muito mais do que muitos imaginam. É ter consciência do que realmente somos, que vai muito além do que costumamos ver no espelho. Viver é procurar, pacientemente, incessantemente e profundamente o autoconhecimento. Viver é trabalhar para a própria melhoria e para a melhoria do outro, do planeta, do universo. Viver é expandir a consciência. Viver é buscar o divino que existe em cada um de nós, sem exceção.

Assim, se você está doente, procure um médico. Se está emocionalmente fragilizado, procure um psicoterapeuta. Mas tenha em mente que você é um ser espiritual. Se tem fé, exercite-a. Se não conseguir fazer isso sozinho, procure uma igreja, casa de oração, uma religião, seja ela qual for. O importante é que você se sinta espiritualmente acolhido. Todos os caminhos levam a Deus. Até sexta-feira !

7 de junho de 2007

Cartas de amor

Publicado no Tribuna do Brasil de 1/6/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Foi com grata surpresa que recebi convite para um projeto interessantíssimo, idéia da conhecida comunicadora e apresentadora de TV Mônica Nóbrega, denominado "Cartas e Expressões de Amor". O evento incluirá a leitura de cartas de amor, entrevistas sobre o tema e espetáculo de dança e capoeira. Hoje será a estréia. Mas ele continuará nas próximas sextas-feiras, 8 e 15, sempre às 19h30, na área central do Terraço Shopping.

Achei a idéia original e bela porque há coisas que nunca saem de moda. Entre elas, as cartas de amor. Passam-se os anos, os séculos, mas ninguém está imune de, um dia, escrever ou ser alvo de uma dessas mensagens que mexem conosco e podem mudar nossas vidas.

E, quando digo "cartas de amor", não falo apenas daquelas em que um alguém declara sentir o chamado amor romântico por outro alguém. Falo de mensagens verdadeiras, sinceras, honestas, amorosas, mesmo que precisem ser duras.

Aliás, em consultório, costumo incentivar os pacientes a escrevê-las. Às vezes para um marido ou esposa, às vezes um filho, às vezes um amigo. Porque há situações em que o diálogo ao vivo fica impossível, podendo virar um bate-boca, ocasião em que terminamos não dizendo o que precisaria ser dito ou dizendo coisas das quais nos arrependemos em seguida.

Quando algo vai mal, o que temos a fazer é conversar. Mas nem sempre o melhor momento para nós é um bom momento para o outro. Se tentarmos na hora errada, o papo já começará sem muitas chances de terminar bem.

Além disso, há pessoas que têm dificuldade para se expressar num tête-à-tête, assim como há quem não tenha paciência para esperar o outro falar. Os primeiros podem gaguejar ou ficar paralisados. Os segundos podem interromper e rebater o que nem foi concluído. Passa-se de uma frase mal terminada para outra e o que deveria aproximar pode afastar definitivamente.

Por isso eu defendo, nesses casos, o diálogo por carta. Quando escrevemos, somos donos do nosso tempo. Podemos colocar no papel tudo o que sentimos, sem o risco de sermos interrompidos, de deixarmos coisas pela metade ou mal ditas. Além disso, damos ao outro a respeitosa oportunidade de não ler nossa carta, ou de lê-la em prestações, ou de lê-la várias vezes, no tempo dele, sem atropelos, imposições.

Então, se você tem algo a dizer e não está sendo possível fazê-lo pessoalmente, experimente escrever. Procure começar realmente pelo começo, como por exemplo: "Quando nos conhecemos...". A partir daí, fale dos seus sentimentos. Seja verdadeiro, intenso. Deixe de lado a vergonha. Permita-se ser piegas, gargalhar ou chorar sobre o papel ou o teclado. Fale como se fosse sua última oportunidade de dizer o que lhe vai na alma.

Depois, descreva os bons momentos que tiveram juntos, em detalhes. Recorde as alegrias, as fantasias, os projetos. Não economize, nem demonstre arrependimento do que viveram, mesmo que, hoje, tenha a certeza de que tudo não passou de uma grande mentira.

Em seguida, e só nesse momento, diga o que está incomodando, o quanto fica triste ou enfurecido, o que não pode aceitar. E, então, peça ao outro que responda, de preferência, em carta. Ou, se for o caso, dê o relacionamento por encerrado, respeitosamente, amorosamente.

Escrever assim é sempre positivo. E, mesmo que o alvo de sua mensagem jamais chegue a lê-la, não importa porque o ato de escrever, em si, certamente provocará em você uma conscientização libertadora.

E, para quem curte filmes, recomendo um sobre o tema que considero lindíssimo, intitulado "Cartas de Amor", com Laura Linney e Steven Weber. Vale a pena assistir para se inspirar. Até sexta-feira !


Diferentes pilares

Publicado no Tribuna do Brasil de 25/5/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


É impressionante como nós, muitas vezes, envolvemo-nos em situações problemáticas de uma tal forma que perdemos a capacidade de enxergar nossa vida como um todo. Ou será que nos envolvemos nessas situações por termos perdido essa capacidade? Nesta semana, ouvi de uma paciente uma frase que ouço com freqüência no consultório: "Eu preciso arrancar esse homem da minha vida".

A autora dessa frase me procurou, há uns meses, infeliz com um relacionamento amoroso que já durava cinco anos, embora o parceiro nunca tivesse sido como o por ela sonhado - amoroso, companheiro, comprometido, fiel. E há muito ela vinha lutando, sem tréguas, para mudá-lo, transformá-lo para que ele finalmente entrasse de verdade na vida dela.

Com o tratamento, as coisas foram mudando e ela enxergou que aquele tipo de relacionamento era tudo o que ele tinha a oferecer, nem mais nem menos. Também entendeu que ninguém muda ninguém, que o máximo que podemos fazer é ajudar alguém que queira efetivamente mudar. E ele não tencionava modificar seu modo de ser ou viver.

Uma vez convencida de que nunca conseguiria fazer com que ele entrasse na vida dela, a paciente decidiu romper o romance. Entretanto, isso não estava nos planos dele, que não mostrou a menor disposição para abrir mão dela e de um relacionamento que, para ele, era bom. A partir daí, ela iniciou uma luta para se afastar totalmente.

Uma mulher, um homem, um relacionamento, dois momentos diferentes, duas lutas - a primeira, para trazê-lo para junto; a segunda, para mandá-lo para longe. Desejos antagônicos e um só objetivo - a felicidade.

O que ela não entendia é que, tanto numa luta, quanto na outra, estava focando, obsessivamente, aquele homem. Ela não entendia que a vida dela é muito mais do que precisar desesperadamente mantê-lo perto ou precisar desesperadamente mandá-lo para longe. Ela não entendia que, enquanto investia em uma dessas duas batalhas, estava deixando de lado outras tão importantes quanto e, assim, enfraquecendo-se mais e mais.

Lembro de já ter dito neste espaço que quem mora em Brasília está acostumado com os prédios construídos sobre pilotis. Dá pra imaginar um edifício estruturado sobre uma única pilastra? Mesmo que alguém conseguisse ou tivesse a coragem de fazer algo assim, não seria temeroso? Já pensou o que poderia acontecer à obra se, por exemplo, um caminhão batesse no pilar?

Assim é com a vida da gente, que deve estar assentada em diferentes colunas como a da família original, a dos amigos, a do relacionamento amoroso, a da profissão, a dos estudos, a da religião, a do lazer. Se a construirmos apenas sobre o relacionamento amoroso, como no caso, e essa relação um dia acabar ou ficar ruim, ficaremos como um prédio cuja única pilastra foi atingida por um caminhão. Mas, se ela tiver sido edificada sobre várias colunas, as demais nos sustentarão enquanto consertamos a que estiver com problemas.

Incapaz de afastar esse homem definitivamente, por ainda estar muito presa a ele, mas consciente de que se condenar por essa incapacidade de nada lhe servia, a tal moça tomou a sábia decisão de desviar dele os holofotes. Passou, então, a iluminar outras pilastras - voltou a trabalhar, ao artesanato que mantém como hobby, à igreja que gostava de freqüentar, aos antigos amigos. Voltou a viver.

Chegará um dia em que ela dele se desligará totalmente. Mas, até lá, mesmo que venha a escorregar no que diz respeito a isso, não mais sofrerá como antes. Agora, ela enxerga muito além do que ainda não tem ou conseguiu realizar. Agora, ela tem onde se apoiar. Até sexta-feira!


Laços transformados

Publicado no Tribuna do Brasil de 18/5/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Na última quarta-feira, alguém muito especial para mim completou mais um ano de vida. Comemoramos o aniversário de Marcelo. Quem me conhece termina conhecendo também essa figura que conseguiu a proeza de viver comigo em três diferentes épocas das nossas vidas. Aliás, a proeza não foi só dele, mas também minha. Há muito deixamos de ser marido e mulher. Mas continuamos grandes amigos.

Eu e Marcelo nos conhecemos em maio de 84, quando tínhamos 25 anos. Hoje, temos 48 e, há 12, abrimos mão da história de amor que vivíamos juntos para viver, também juntos, uma outra história de amor. Desfizemos os laços que nos uniam num romance e iniciamos uma amizade pura e sincera o bastante para não despertar o ciúme dos nossos atuais parceiros.

Acho que assim é que deveriam ser finalizados os relacionamentos que um dia foram de amor - de forma amorosa. Conosco aconteceu de chegar um momento de nossas vidas em que enxergamos que não nascemos para ser um casal. Assim, nos separamos. Mas não rompemos os laços que nos uniam. Nós nos enlaçamos de outra forma, bem diferente, embora nem de longe menos significativa. E também meu filho, que não é filho biológico dele, o ama e considera como a um pai.

Ao longo de 11 anos, durante os quais nos casamos e nos separamos três vezes, mantivemo-nos ligados um ao outro, ora fisicamente próximos, ora distantes, mas sempre unidos. Rimos juntos muitas vezes, choramos juntos muitas vezes, aprontamos todas e brigamos o máximo que conseguimos brigar. Mas nunca rompemos nosso vínculo. E até quando estávamos sem nos falar, encontrávamo-nos em sonho - coisas de almas companheiras.

Nos últimos 12 anos, dedicamo-nos a fortalecer mais os novos laços que nos unem. Mantemos contato um com o outro e continuamos a chorar e a rir juntos, até mesmo das rixas da época da juventude, dos barracos que derrubávamos, das confusões que aprontávamos.

Acho que só deveríamos nos envolver com pessoas de quem pudéssemos nos separar dessa forma, desmanchando os laços respeitosamente, cuidadosamente, amorosamente. Porque, se tivermos a delicadeza de manter intactas as fitas, eles poderão ser refeitos um dia, se assim a vida o sugerir. Ou, como aconteceu entre mim e Marcelo, poderão ser transformados.

Gostaria de saber escrever de forma bonita, poética mesmo, para homenagear o meu amigo, meu irmão. Mas, como não o sei, deixo aqui a beleza da prece irlandesa: "Que a estrada se abra à sua frente; que o vento sopre levemente às suas costas; que o sol brilhe morno e suave em sua face; que a chuva caia de mansinho em seus campos; e, até que nos encontremos de novo, que Deus o guarde na palma de Suas mãos."

Parabéns, querido! Muitos e muitos anos de vida! Um grande beijo meu e do Igor. Até sexta-feira!


Mãe é mãe

Publicado no Tribuna do Brasil de 11/5/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Na quarta-feira, gravei um programa de TV especialmente dedicado às mães. Nele, o entrevistador me perguntou a respeito da situação da mulher que também trabalha fora de casa, dividindo o tempo entre a profissão e os filhos. Como administrar o tumulto emocional que essa repartição costuma provocar?

Essa situação nunca é fácil para mulher nenhuma. Há aquelas que nem chegam a entrar em conflito porque não podem se dar ao luxo de parar de trabalhar. Mas, para outras, o negócio fica complicado, já que se dedicar só aos filhos é uma opção. O que fazer? O que priorizar?

Acompanhar as crianças até que elas se tornem, pelo menos, um pouco independentes, correndo o risco de se frustrar terrivelmente ou de não mais conseguir retornar ao mercado de trabalho, que fica cada vez mais difícil? Manter uma vida profissional, abrindo mão de momentos importantes da vida dos pequenos, que não mais se repetirão?

O fato é que toda mulher quer ser a melhor mãe do mundo. Sonha acertar sempre, transmitir aos filhos todo amor e toda sabedoria que ela tiver ou puder obter. Mas não há uma receita. Ninguém pode garantir que se dedicar apenas às crianças trará um resultado melhor do que aquele que poderia ser obtido por uma mãe que também trabalha e estuda. Assim como ninguém pode garantir o contrário.

Sou de uma geração que lutou por mais independência para a mulher, que sempre defendeu a idéia de que precisamos trabalhar fora de casa, crescer profissionalmente, mesmo que à custa de alguns sacrifícios, inclusive no que diz respeito à maternidade. Mas confesso que cheguei a balançar com coisas simples.

Lembro de me pegar pensando que raras foram as vezes em que fui para a cozinha preparar uma comida especial para o meu filho único. Até hoje, recordo-me dos pratos que minha mãe, famosa na arte de cozinhar, tão carinhosamente fazia. Sentia como se, de certa forma, houvesse falhado na criação do Igor. Além de viver ocupada, com atividades nada maternais, eu, definitivamente, nunca tive a culinária como meu forte, nem mesmo remotamente.

Acontece que, noutro dia, cheguei a casa tarde, como sempre, e encontrei o apartamento com aquele cheirinho delicioso de biscoito doce assado. Na cozinha, encontrei meu filho já ao final de uma experiência gastronômica. Como se tratava de um ensaio, o resultado não foi bem o que ele esperava, principalmente porque as bolachinhas ficaram meio sapecadas. Só que elas estavam uma delícia e eu comi o quanto pude, dando a maior força para a continuidade dos experimentos.

É verdade. Realmente, eu não sou como minha mãe, uma grande cozinheira. Na minha casa, o chef tem 18 anos e se chama Igor. Mas, em compensação, minha mãe não nos dava essa liberdade para incursões na cozinha, que era um reduto exclusivo dela. E quando alguém tentava e não conseguia nada tão bom quanto o que ela costumava fazer, era logo desencorajado. Aí percebi que, à minha maneira, eu também sou uma boa mãe no que diz respeito às artes culinárias, assim como Dona Aracy, só que de uma forma diferente.

Cada ser é único. Cada mãe é única. Cada filho é único. Meu filho não guardará a lembrança de pratos deliciosos por mim preparados. Mas, certamente, lembrará de uma mãe entusiasta, que o encorajava a desenvolver um talento que parecia não ter lugar na nossa casa. Só parecia.

Neste universo infinito, há lugar para todas nós. Não precisamos e nem devemos viver agarradas a padrões. Como diriam os franceses, "Vive la différence!". Parabéns a todas as mães e até sexta-feira!


Fugindo de Brasília

Publicado no Tribuna do Brasil de 4/5/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Acho Brasília linda, diferente. Adoro esta cidade! E dizem que quem bebe da nossa água não vai embora e, se vai, morre de saudades. Mesmo assim, volta e meia, ouço alguém falando em nos deixar. Pessoas que, aqui, até têm família, casa e emprego, mas que, de repente, querem partir de qualquer jeito.

Gente vivendo uma incrível aflição para mudar, sonhando com algo novo na serra ou à beira-mar, querendo dar um tempo também do companheiro ou companheira, das amizades, dos familiares, da casa onde mora. Parece que a vida parou e que só voltará a fluir em outra cidade.

Imagino que isso também aconteça em outros lugares, essa necessidade premente de partir, virar a página, recomeçar em outro canto. Mas, em Brasília, acho que ocorre mais. E, graças a essa agonia, muita gente termina metendo os pés pelas mãos, indo embora e depois se arrependendo, terminando por voltar em condições bem menos favoráveis do que as desfrutadas antes da mudança, pra começar tudo de novo, cheia de arrependimento.

O que observo é que, na maioria dos casos, são pessoas que estão vivendo uma desilusão amorosa. Ou já sofreram tantas delas que acreditam que só mesmo sumindo, indo pra bem longe, poderão ter paz. Há quem acredite que, numa nova cidade, poderão seguir quase que anonimamente. Há quem, inclusive, mude com o firme propósito de nunca mais voltar a se relacionar com alguém, dedicando a nova vida ao trabalho, aos estudos, à criação dos filhos.

Essas pessoas me fazem lembrar daquele garotinho do filme O Sexto Sentido. Assustado, com medo dos fantasmas que o perseguiam, ele tentava deles se esconder a todo custo, até mesmo montando uma barraca de camping dentro do próprio quarto, com uma placa, na porta, do tipo "Mantenha distância", na vã tentativa de proibir a entrada daqueles seres apavorantes.

Mas quem assistia ao filme sabia que aquilo era inútil, divertindo-se com a forma ingênua como o menininho se comportava, as providências que ele tomava pra se proteger. Fantasmas não desaparecem assim, tão facilmente. Eles atravessam o tempo, o espaço, as portas e as paredes. Se são realmente nossos, não adianta querermos nos livrar deles na marra.

Assim, se você está vivendo essa situação, em crise, numa tremenda angústia, acreditando que só indo embora poderá ser feliz, acho melhor parar um pouco pra pensar sobre o assunto e até discuti-lo com alguém de confiança, um amigo ou terapeuta, antes de se aventurar, pra não se arrepender depois. Porque os fantasmas têm essa capacidade - a de nos seguir até mesmo se mudarmos de país.

Se você sofreu uma grande decepção no amor ou uma série delas, procure entender o que está acontecendo na sua vida. Procure compreender de que forma e com que intensidade você, mesmo sem perceber, contribuiu para essas crises. Nada acontece por acaso, nem sem o nosso consentimento, mesmo que dele não tenhamos consciência.

No filme, o garotinho tentou fugir o mais que pôde, sem sucesso. E ele só conseguiu ter paz quando criou coragem pra encarar os fantasmas e perguntar o que eles queriam com aquelas aparições. Talvez esteja na hora de você fazer o mesmo - encarar o que existe de mais assustador na sua vida, de forma corajosa, ou seja, com medo, mas com firmeza.

Nessa empreitada, coloque-se por inteiro e não tenha vergonha de pedir ajuda, se você se sentir fraquejar. E lembre-se de rezar, de orar muito, de pedir socorro ao Ser Superior de sua crença. Não há fantasma que resista a uma demonstração de fé verdadeira. Até sexta-feira !


Bipolando

Publicado no Tribuna do Brasil de 20/4/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Você conhece alguém que muda de humor como quem troca de roupa? Que, num momento, se mostra vibrante e cheio de energia para, de repente, parecer afundado num poço de depressão? Antes de rotular essa criatura de Deus de "difícil", saiba que você pode estar lidando com alguém que sofre de um distúrbio denominado Transtorno Bipolar de Humor - TBH.

Conhecida no passado como Psicose Maníaco-Depressiva, essa doença começa em geral na adolescência ou no início da fase adulta, embora possa também se manifestar na infância. O que caracteriza o TBH é a oscilação de humor, que alterna entre a depressão, ou hipomania, e a euforia, ou mania. E o que mais prejudica o tratamento é a demora em se buscar ajuda médica.

Quando deprimida, a pessoa mostra-se triste, apática, medrosa, pessimista, sem energia. Alterações do sono e do apetite são comuns. Podem surgir pensamentos de morte e acontecer tentativas de suicídio. Muitas vezes, nessa fase, ela é tida como preguiçosa, sendo criticada e discriminada, perdendo importantes oportunidades.

Quando eufórica, mostra-se excessivamente alegre e autoconfiante, como se detentora de super poderes. Agitada, apresenta dificuldades para dormir e costuma falar muito ou rápido demais. O comportamento social tende a se tornar desinibido, inclusive com aumento da libido. Além disso, pode se envolver em gastos financeiros desnecessários e até em situações que coloquem sua vida ou reputação em risco. Também são freqüentes períodos de irritação e explosões de raiva. Muitas vezes, nessa fase, a pessoa é vista como usuária de drogas.

Quando em depressão, pode procurar o médico ou se deixar levar à consulta por familiares. Mas, se em euforia, não se reconhecerá doente, recusando o tratamento. Há quem fique dias, semanas e até meses numa fase para, de repente, passar à outra, podendo haver um período em que a pessoa se porta de forma absolutamente normal. Parece que são três pessoas em uma - uma depressiva, uma saudável e uma eufórica.

O TBH pode se apresentar em diferentes graus. Quando leve, é chamado ciclotimia. Quando grave, pode incluir alucinações, levando a pessoa a se comportar como psicótica, o que ela não é. De qualquer forma, a vida dela sofre prejuízos, em função dos relacionamentos pessoais e sociais, que se tornam difíceis, e dos projetos, que podem ser bruscamente alterados ou inexplicavelmente abandonados.


O TBH ainda não tem cura. Mas, a partir do momento em que o tratamento certo é iniciado, a pessoa volta a levar uma vida normal, sem dar pistas de ser portadora do transtorno. E o primeiro passo para isso é a vitória sobre o preconceito que impede alguém de, mesmo muito doente, consultar um psiquiatra e fazer uso de remédios controlados. Nada deve se sobrepor à busca de ajuda profissional.

Se você se interessa por esse assunto, sugiro a leitura da extraordinária autobiografia Uma mente inquieta, escrita pela psiquiatra americana Kay Redfield Jamison, especialista em transtornos mentais e, ao mesmo tempo, portadora do TBH, que relata os anos de sofrimento intenso e os prejuízos sofridos por se recusar a aceitar a própria condição e se submeter ao tratamento.

Se preferir um bom filme, sugiro assistir a Mr. Jones, em que Richard Gere, charmosíssimo e imbatível, interpreta um homem inteligente e sensível que sofre de Transtorno Bipolar de Humor. Até sexta-feira !


TOC

Publicado no Tribuna do Brasil de 27/4/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Quem assistiu a Melhor é impossível sabe o quanto pode ficar complicada a vida dos que sofrem de Transtorno Obsessivo-Compulsivo - TOC. Nele, Jack Nicholson, num papel que nem consigo imaginar interpretado por outro ator, vive um escritor cheio de manias e de rituais que tem horror a qualquer contato com outras pessoas e com coisas fora do seu apartamento, que anda pelas ruas evitando pisar nas junções da calçada, e que procura manter tudo à sua volta absolutamente limpo e em ordem.

Há muita gente por aí que vive assim, como o personagem do filme, na condição de refém de comportamentos como lavar as mãos ou tomar banho várias vezes ao dia, somar os algarismos das placas dos automóveis que encontra pelo caminho, verificar repetidas vezes se o forno ou o ferro está desligado, checar se as latas de ervilhas estão corretamente empilhadas, se não há um bicho embaixo da cama, se todas as camisas estão guardadas de acordo com uma determinada ordem de cor.

Também há quem se perceba, de repente, invadido por pensamentos desagradáveis ou impróprios que causam angústia, do tipo obsceno dirigido a santos, à própria mãe, a crianças ou filhos. Assim como há quem seja assaltado por dúvidas que paralisam ou obrigam a repetições. Ou quem evite determinadas cores, datas ou lugares, e quem não consiga se desfazer de objetos que não mais têm utilidade, transformando suas casas em depósitos de cacarecos.

A esses pensamentos indesejáveis, chamamos obsessão. Eles são involuntários e reconhecidos, pelo próprio doente, como ilógicos. Mas parecem ter vontade própria. E, aos comportamentos que deles resultam, chamamos compulsão. Eles são irresistíveis e os únicos capazes de proporcionar alívio para o estresse desencadeado pela obsessão.

São os pensamentos obsessivos que sustentam os comportamentos compulsivos. O medo de ter a casa invadida durante a madrugada, por exemplo, pode sustentar a compulsão de se checar várias vezes, na hora de dormir, se as portas e janelas estão trancadas. O doente tranca tudo e se deita. Uma vez deitado, é assaltado pela dúvida e se levanta para checar. Novamente deitado, sente-se tomado por um medo angustiante de não ter tomado todas as precauções e se sente inevitavelmente compelido a se levantar e conferir tudo de novo.

No Transtorno Obsessivo-Compulsivo, essas situações costumam consumir tempo e interferir na rotina da pessoa, trazendo muitos prejuízos. Além disso, podem ocorrer comportamentos que coloquem em risco a vida do próprio paciente, como se pendurar em lugares altos ou tentar passar de um carro para outro em movimento. Do mesmo modo, atitudes que arrisquem a vida de alguém importante, como um filho. Há casos de quem se sinta desconfortável quando próximas a objetos como facas e tesouras, temendo perder o controle e matar uma pessoa querida.

Entretanto, são os problemas físicos decorrentes dos comportamentos desequilibrados que costumam levar essas pessoas à consulta médica, como, por exemplo, sangramento das gengivas decorrente do excesso de escovação e dermatites resultantes de banhos extremamente quentes. Também podem surgir sintomas como cansaço crônico e transtorno de sono e apetite. E não é raro o doente acreditar ter desenvolvido uma grave doença como câncer ou AIDS.

O TOC pode surgir de repente ou de maneira insidiosa. É uma doença grave que exige intervenção médica urgente e o acompanhamento de um psicoterapeuta. E, como tenho dito nesta coluna, o primeiro passo para uma vida normal é a vitória sobre o preconceito de consultar um psiquiatra e fazer uso de remédios controlados. Até sexta-feira !


Tempo nas DRs

Publicado no Tribuna do Brasil de 13/4/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Li uma matéria sobre um livro intitulado "Não discuta a relação - como melhorar seu relacionamento sem ter que falar sobre isso", dos terapeutas Patrícia Love e Steven Stosny. Segundo o artigo, a popularizada DR - Discussão de Relação parece não ser a melhor maneira de se resolver dificuldades conjugais.

É verdade que as DRs estão virando obsessão. Antigamente, marido e mulher não conversavam sobre o relacionamento. Com o tempo, isso se tornou possível, embora não freqüente. Aos poucos, maridos e mulheres, pais e filhos, começaram a dialogar. Só que o pessoal está abusando. Há casais que vivem "em estado de DR".

E isso incomoda principalmente os homens. Nem todos, é claro, apenas a esmagadora maioria. Quando a mulher diz "Precisamos conversar", o sujeito se transforma. Com ele acontece algo bem parecido com o que vemos nos filmes dos Power Rangers - na hora da batalha, eles recebem uma armadura que vem do espaço e os torna inatingíveis. O inimigo pode fazer o que quiser porque eles saberão resistir a qualquer ataque.

Isso sem falar nas situações em que marido, mulher e filhos discutem tudo - o relacionamento do casal, o dos filhos e o com os filhos. Há umas três semanas, conversando com uma paciente, mostrei-lhe que a casa dela estava virando um consultório. Ela, o marido e os filhos vinham discutindo tudo o que cada um em separado conversava nas suas respectivas sessões psicoterapêuticas. Eles estavam deixando de ser uma família para ser um "grupo de terapia".

Considero que, em determinadas ocasiões, o melhor que se faz é deixar rolar. Conheço um casal que, após 20 anos de um relacionamento maravilhoso, sem brigas importantes, terminou se desentendendo por uma bobagem. Ele, que já deveria estar nervoso por outros motivos, saiu de casa dizendo que dormiria num hotel e anunciando a separação. Naturalmente, no dia seguinte, ele voltou. Eles se abraçaram, beijaram-se e nem precisaram falar nada sobre o ocorrido.

Claro que alguns debates são inevitáveis e exigem certa formalidade. É preciso que se combine um horário para que se possa, com tempo e tranqüilidade, "pôr as cartas na mesa". Mas, na maior parte dos casos, não há necessidade disso tudo e chega a ser improdutivo proceder dessa forma.

Muitas vezes, valem mais pequenas coisas ditas nas horas de relaxamento a dois, em tom de crítica suave ou até mesmo de gozação. Um dia, a mulher pode dizer ao marido algo assim: "Você fica tão lindo sorrindo! Pena que viva de mau humor". Em outro dia, ela pode falar: "Que sorriso bonito! Pena que, na maior parte do tempo, você está um porre". Noutra ocasião, ela pode dizer: "Sabia que mau humor pode ser sinal de um desequilíbrio químico do cérebro e que há tratamento pra isso?". Essa estratégia costuma ser mais proveitosa do que a de tirar uma tarde pra discutir a rabugice dele.

É lógico que, se as coisas não mudam, deve-se provocar uma DR, lembrando que a forma como dizemos tem mais importância do que o que dizemos. Assim, em lugar de começar a conversa com um: "Não suporto mais tanta rabugice!", tente assim: "Nada me deixa mais feliz do que quando você está de bem com a vida. Mas, esses momentos têm sido raros. Acho que algo precisa ser feito a esse respeito, antes que o problema prejudique seriamente nossa relação. O que você tem a me dizer?".

E, se as DRs não mostrarem resultado, vale procurar ajuda profissional. Não adianta discutir a mesma coisa um monte de vezes. Como diz o velho ditado, "Doido é aquele que acredita que, fazendo sempre do mesmo jeito, pode conseguir um resultado diferente". Até sexta-feira!


De dentro para fora, de fora para dentro

Publicado no Tribuna do Brasil de 6/4/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Noutro dia, eu usava uma blusa bem vermelha com pequenas margaridas, muito viva, alegre. E, ao encontrar uma colega de trabalho, ela me disse o quanto eu havia ficado bem com aquelas cores. Disse que também ela gosta de usar vermelho, mas, pra isso, precisa estar com um alto astral.


A conversa foi bem rápida. Entretanto, eu não poderia deixar de sugerir que ela usasse vermelho não apenas quando estivesse muito bem, mas também quando estivesse se sentindo mal porque ela demonstrou já ter estabelecido uma associação entre essa cor e o alto astral. Imediatamente ela concordou comigo. E percebi que minha observação a fez pensar no assunto.


Sabemos que o nosso exterior, de uma forma ou de outra, reflete o que vai no nosso interior. Se estamos felizes, ficamos mais bonitos em todos os sentidos - sorrimos mais; temos mais paciência e compaixão; nossa pele tem uma aparência melhor, assim como nossos cabelos; nossa postura e movimentação corporal têm harmonia. Se não estamos bem, nossa fisionomia dá as dicas - surgem as rugas de preocupação; podemos desenvolver dermatites; ficamos irritadiços, desanimados; perdemos o brilho.


Daí termos tendência a acreditar que precisamos estar bem por dentro para ficarmos bem por fora. Temos a sensação de que o caminho inverso criaria uma situação artificial, que não se sustentaria por muito tempo. Enquanto não estivermos felizes, evitaremos roupas alegres, dar um bom corte no cabelo, ir a festas, estrear um terno novo, usar batom ou enormes argolas.


É claro que, às vezes, ficamos tão mal que perdemos as forças e a coragem, que nem sequer conseguimos sair da cama. Nesses casos, é preciso que procuremos ajuda profissional. Mas, muitas vezes, algumas providências simples podem nos melhorar.


Imagine que você é responsável por dirigir um filme. Há uma cena com alguém amargando uma tremenda decepção amorosa. Como seria o cenário? Possivelmente, um quarto abafado, pouco iluminado. Como seria o figurino do personagem? Pesado, escuro, sem adereços. Tudo teria a ver com o momento doloroso. E, certamente, isso ajudaria o ator a entrar no clima. Agora, imagine como seria dirigir a mesma cena num ambiente alegre, cheio de luz e movimento, em que o personagem estivesse usando roupas leves, coloridas, cercado de gente falante, entusiasmada. Estranho, não? E, certamente, desse jeito, seria difícil para o ator entrar no clima.


Imagine você muito, muito triste, no fim de uma tarde chuvosa de inverno, só em casa, ouvindo apenas o tic-tac do relógio ou Ronda, do Paulo Vanzolini - "De noite eu rondo a cidade a te procurar, sem encontrar. No meio de olhares espio em todos os bares - você não está. Volto pra casa abatida, desencantada da vida. O sonho alegria me dá - nele você está..."


Agora, imagine você muito, muito triste, numa manhã ensolarada de primavera, em um parque aquático, com os amigos, ouvindo Rindo à toa, do Falamansa - "... Há há há há há. Mas, eu tô rindo à toa. Não que a vida seja assim tão boa, mas um sorriso ajuda a melhorar. Ah ah e cantando assim parece que o tempo voa. Quanto mais triste mais bonito soa. Eu agradeço por poder cantar lalaia laia laia ie!!!"


Assim, se você estiver mal e não conseguir melhorar de dentro pra fora, tente de fora pra dentro. E insista. Se estiver triste, procure se portar, se vestir, agir como se estivesse ótimo. Nada de se entregar. Lembre-se de Serra do Luar, do paulista Walter Franco: "...Viver é afinar o instrumento de dentro pra fora, de fora pra dentro, a toda hora, a todo momento, de dentro pra fora, de fora pra dentro". Até sexta-feira!


Amor? Nem sempre

Publicado no Tribuna do Brasil de 30/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Na semana passada, eu conversava com uma paciente que, seguindo minha orientação, procurou um psiquiatra, recebendo dele um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo - o famoso TOC. Ao me relatar a consulta, ela se mostrou um pouco preocupada com esse resultado e com a medicação prescrita. Mas sua maior inquietação era quanto a contar ao último ex-marido sobre o tratamento, na esperança de que ele, sabendo que ela buscou ajuda, aceite voltar pra casa, embora o casamento tenha sido péssimo.

Lembro de, olhando pra ela, ter pensado "Quanto de amor existe nesse desejo de reconciliação? Quanto disso sobreviverá ao tratamento medicamentoso e à psicoterapia?". Porque, muitas vezes, o "amor" sentido não passa do resultado de leituras distorcidas feitas por um cérebro quimicamente desequilibrado. Já testemunhei paixões avassaladoras desaparecerem com o uso de antidepressivo. E há uma explicação para isso.

Peguemos como exemplo o TOC. Classificado como transtorno de ansiedade, pode se manifestar por meio de comportamentos como lavar as mãos com freqüência; verificar repetidas vezes se a porta está trancada; arrumar o armário buscando uma organização excessivamente rigorosa; não usar roupas de determinada cor; não tocar em determinados objetos. Esses comportamentos, apesar de absurdos, são inevitáveis porque sustentados por pensamentos obsessivos, que invadem a mente de forma repetitiva e persistente, que controlam a pessoa.

Assim, lavar as mãos a todo instante pode ser suportado pela idéia fixa de que o mundo é cheio de micróbios que precisam ser evitados. Da mesma forma, não usar roupas pretas pode se apoiar na superstição de que quem usa preto ficará viúvo. E esses pensamentos causam ansiedade, medo, aflição, um desconforto que só desaparece com o comportamento compulsivo de lavar as mãos, no caso do primeiro exemplo, ou com a evitação da roupa preta, no caso do segundo.

Nos relacionamentos "de amor", isso também pode ocorrer. As compulsões para telefonar, mandar cartas, perseguir o ser "amado", insistir numa relação que é ruim ou não mais possível podem ser sustentadas por pensamentos como: "Sem ele, não vou conseguir viver"; "Se ela me deixar, nunca mais vou me interessar por outra mulher". Várias vezes presenciei pessoas desesperadas com o fim de um relacionamento ou com a possibilidade de isso vir a acontecer, que relataram dor intensa no peito, sufocamento, sensação de morte iminente, tristeza sem fim.

O mesmo pode acontecer com quem sofre de depressão. O paciente se queixa de um "vazio interior", que ele tenta preencher de qualquer jeito. O relacionamento amoroso é comumente usado para isso. E, se ele acaba, fica a sensação de um buraco maior do que o que havia antes da relação ter início. A dor costuma ser a mais cruel já experimentada até então. Daí surge o desespero pela reconciliação, independentemente da qualidade da convivência que chegou ao fim.

Quem sofre de um transtorno como esses tem uma visão distorcida da vida e de si mesmo. Mas, com os remédios adequados e a psicoterapia, uma vez restabelecido o equilíbrio químico do cérebro e o bom senso, os pensamentos obsessivos somem, deixando de existir a sustentação para os comportamentos compulsivos ou as evitações. Resultado semelhante ocorre com a sensação de vazio e a tristeza desesperadora da depressão, que desaparecem.

Então, se restar um sentimento terno ou ardente que englobe desejar o bem do outro e ao mesmo tempo uma atração física, pode-se dizer que há amor. Mas, se, com o tratamento, aquele sentimento deixar de existir, ele não era amor. Porque amor nada tem a ver com dor. Até sexta-feira!


Você sabe o que é um sociopata?

Publicado no Tribuna do Brasil de 23/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Em todo lugar, encontramos pessoas impressionadas com as circunstâncias da morte da servidora do STJ Maria Aparecida da Silva, que teria cometido suicídio ao ingerir veneno em decorrência de um pacto de morte feito com o golpista, e então seu namorado, Kleber Gusmão Ferraz. Esse episódio é tão assustador quanto difícil de entender. Como pode uma mulher se deixar envolver desse modo? - é o que mais se pergunta.

Lamentavelmente não conheci Aparecida. Mas imagino que era alguém que, na sua boa-fé, acreditava nas pessoas em geral e desconhecia a dimensão das próprias dificuldades emocionais, que a fizeram um alvo fácil para Kleber. Ninguém efetivamente saudável se deixaria enganar a esse ponto. Mulheres emocionalmente maduras e preparadas nem são abordadas por esse tipo de "homem". Também não conheço Kleber. Mas o que ele fez é típico de quem pode ser classificado como sociopata.

A sociopatia é também conhecida como "transtorno da personalidade anti-social" ou "transtorno da personalidade dissocial". Ela pode ser leve, moderada ou grave. Mas, de uma forma ou de outra, os sociopatas são indivíduos egocêntricos, desprovidos de valores morais, que desprezam a sociedade, suas leis e obrigações, assim como as outras pessoas, inclusive os próprios filhos. Por isso, não se apiedam ou sentem remorsos, o que os impede de se modificarem, mesmo se punidos.

São pessoas com inteligência normal ou acima da média, que não apresentam nenhum sintoma de doença mental de fácil identificação e possuem grande habilidade para convencer, induzir por meio de mentira, insinuação, sedução, intimidação, ameaça ou violência. Cínicas, roubam, abusam, trapaceiam. Incapazes de amar ou de serem leais, suas emoções são superficiais e falsas. Covardes, uma vez que só atacam quem teria dificuldade para reagir, podem até colocar em risco a vida de outras pessoas, sem constrangimento.

Esses indivíduos costumam se auto-intitular "predadores sociais" e sentem orgulho disso. Não raro culpam suas vítimas, classificando-as de tolas, impotentes, merecedoras do destino que tiveram. Quando descobertos, podem simular um arrependimento que jamais sentirão.

Na vida social, o sociopata costuma ser charmoso. Seu talento teatral é tão convincente que poucas pessoas são capazes de imaginar seu lado perverso, que eles podem esconder durante toda a vida. E uma vítima de violência pode perceber a verdadeira índole do sociopata apenas alguns momentos antes de ser por ele morta.

Não foi à toa que Kleber escolheu Aparecida. Assim como não foi sem motivo que ele escolheu Sônia de Fátima Ferreira, outra de suas vítimas. Foi conversando com essas duas mulheres que ele percebeu que poderia enganá-las e tirar proveito disso. E funcionou, infelizmente. As duas foram sugadas materialmente, fisicamente, emocionalmente. E ambas estão mortas.

Sei que, para muita gente, essas mulheres tiveram um comportamento absurdamente permissivo, excessivamente ingênuo, idiota mesmo. Mas, acreditem, esses processos não são tão simples. Até mesmo profissionais como psiquiatras, psicólogos, juízes, policiais podem ser vítima de um ou de uma sociopata. Basta que estejam emocionalmente fragilizados. Um sociopata é um ser extremamente ardiloso e perigoso.

Assim, espero que o que aconteceu a Aparecida e Sônia sirva de lição a todos nós. Que não nos exponhamos tanto. Que nos protejamos do mal que nos ronda. Que estejamos sempre alertas, orando e vigiando.

Que essas duas mulheres possam descansar em paz. E que, nesse caso, também a justiça dos homens seja feita!


Crônica de uma morte anunciada

Publicado no Tribuna do Brasil de 16/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Quem não conhece "Crônica de uma morte anunciada", de Gabriel García Márquez, deveria lê-lo. Logo no início, o autor revela o final - a morte do protagonista. Só que essa morte é meio posta de lado pelo leitor, que se deixa envolver pelo poder cativante da trama. Conforme avançam os capítulos, a profecia se apresenta como inevitável. Mas quem lê se agarra à esperança de que o escritor mude o epílogo e impeça aquela morte absurda, embora pressagiada. Uma situação semelhante à vivida por muitas mulheres.

Neste mês, comemoramos o Dia Internacional da Mulher. Muitas são as conquistas. Mas, o mais importante, a mulher ainda não alcançou - a consciência de que nossa sorte está em nossas mãos. Se as coisas vão bem, temos crédito nisso. Se vão mal, também. Não podemos continuar atribuindo nossas dores apenas aos outros, na posição de vítimas inocentes ou reféns sem opção. Precisamos assumir a responsabilidade pelo bem e pelo mal que nos rodeia.

Muita gente, equivocadamente, entende que estou culpando as mulheres pelo que de ruim lhes acontece. Isso não é verdade. Mas precisamos assumir nossa responsabilidade nos processos, para buscar evitar o problema e não apenas tentar resolvê-lo quando instalado. Se entendermos que somos responsáveis pelo rumo que toma nossa vida, nela atuaremos de forma mais inteligente, produtiva.

Imagine uma mulher que se envolveu com um homem que tem um comportamento intimidativo. Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se ela se mantiver na relação, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se ele a agredir, ela será também responsável pela agressão porque teve a oportunidade de romper o relacionamento com alguém que dava sinais de ser perigoso, mas não o fez.

Agora, procure imaginar uma mulher que se envolveu com um viciado em jogo. Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se vier a se casar com ele, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se um dia ela precisar vender seu único bem para saldar as dívidas dele, será também responsável pelo prejuízo porque poderia ter evitado o casamento com alguém que dava sinais de ser irresponsável, mas não o fez.

E o que você me diz de uma mulher que se envolveu com um homem que flerta abertamente com outras, comportando-se de forma desrespeitosa? Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se mantiver o relacionamento, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se um dia ele a trair, ela será também responsável pela dor que sofrer porque poderia ter rompido um relacionamento que tudo indicava que terminaria em infidelidade, mas não o fez.

Essas mulheres, como os leitores de García Márquez, deixaram-se envolver pelo poder cativante do relacionamento, acreditando num epílogo diferente, embora o desfecho tenha sido predito. Se não quisermos ler nada que termine na morte do protagonista, devemos interromper "Crônica de uma morte anunciada" ainda no primeiro capítulo. Se não quisermos viver um amor que termine em dor, devemos interrompê-lo tão logo o triste final seja prenunciado.

Essa conscientização é difícil, mas é possível. Para isso, sempre que algo ruim me acontecer, deverei me perguntar: Qual foi minha participação nesse episódio? Identificando minha responsabilidade, estarei me mantendo no processo, não à margem. Poderei agir para mudar. E, de uma próxima vez, não incorrerei no mesmo erro. Estarei mais madura, melhor preparada, com as mãos mais firmes nas rédeas do meu destino.


Irmãs

Publicado no Tribuna do Brasil de 9/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Hoje me emocionei com uma mensagem que uma grande amiga, ou melhor, uma irmã, a Claudinha Sallaberry, me enviou. Ela narrava a história de uma jovem que conversava com a mãe sobre a vida, o casamento e a idade adulta quando a senhora lhe disse: "Nunca esqueça suas irmãs, não importa quão bem você esteja". Durante a conversa, a filha entendeu que as tais "irmãs" seriam todas as mulheres verdadeiramente amigas, inclusive filhas e demais parentes.

Naquele momento, a moça não compreendeu bem a mensagem da mãe. Mas, com o passar do tempo, ficou clara a sabedoria que havia no conselho. Porque a vida poderá oferecer a uma mulher diferentes caminhos, várias possibilidades. Ela poderá se unir a um homem e construir uma bela família; ter uma profissão e conquistar dinheiro e prestígio; conhecer o mundo inteiro e muita gente interessante, mas nunca poderá prescindir das "irmãs".

Durante séculos, acreditou-se que as mulheres eram incapazes de estabelecer verdadeiros laços de amizade, em razão de suposta fragilidade emocional, visão fantasiosa da vida, inferioridade intelectual e incapacidade de agir com lealdade. O exercício da amizade só seria possível entre homens, únicos seres considerados virtuosos e sábios. Claro que essas teorias eram todas defendidas por homens, formadores de opinião que gozavam de grande prestígio.

Claro também que o conceito das mulheres cresceu muito. Mas, ainda hoje, além de ver como praticamente impossível a amizade entre uma mulher e um homem, a sociedade continua a torcer o nariz para a amizade entre mulheres, consideradas eternas rivais, sempre disputando as atenções masculinas, como se nenhum outro interesse pudesse se sobrepor ao de conquistar um homem.

No entanto, a verdade esta aí para quem quiser ver. Não só somos capazes de estabelecer fortes e belos laços de amizade, como, juntas, construímos uma espécie de universo paralelo que foge ao entendimento dos homens e ainda pode servir como refúgio, em caso de necessidade. Foi esse talento que nos permitiu sobreviver, apesar dos pesares, desde que surgimos neste mundo.

E não somos apenas nós que dizemos isso. A ciência já sabe que, quando as mulheres se unem para se ajudar ou proteger, produzem uma maior quantidade de oxitocina, o chamado "hormônio da confiança", que estimula a generosidade e os laços, com um efeito calmante. Assim, mulheres que têm "irmãs" estão mais protegidas de doenças ligadas ao estresse, vivem mais e melhor.

São as "irmãs" que nos ajudam a lembrar que criaturas especiais somos. São elas que nos apóiam quando o resto do mundo parece não nos entender, nem mesmo nossos companheiros e filhos. São elas que preenchem os vazios emocionais de nossas relações com os homens. E é com elas que podemos estabelecer o que Aristóteles definiu como uma amizade perfeita - uma relação de proximidade, de convivência, de confiança, de igualdade, de reciprocidade, de semelhança e de concórdia, mesmo nas divergências.

Assim, esteja você onde estiver, com quem estiver ou como estiver, cultive os laços com suas "irmãs". Nunca as perca de vista. Quase tudo passa, mas a verdadeira amizade atravessa os anos, os séculos, as várias existências.

Parabéns a você, Claudinha, e a todas nós, pelo Dia Internacional da Mulher. Até sexta-feira !


Adeus às ilusões

Publicado no Tribuna do Brasil de 2/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Desde segunda-feira meu telefone não pára. São pessoas querendo marcar consulta, principalmente mulheres atraídas pela proposta do Para Sobreviver a um Grande Amor, grupo de terapia para as que viveram ou estão vivendo um relacionamento amoroso problemático.

Não lembro se foi assim nos outros anos. Mas fiquei intrigada, tentando entender o fenômeno da concentração de ligações sobre o assunto especificamente nesta semana. Tudo bem que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Além disso, parece que nada vai acontecer antes da reforma ministerial. Mas, de toda forma, tentar sobreviver a um grande amor não deveria estar atrelado a festas ou mudanças no governo.

Talvez isso tenha a ver com as férias ou com a volta desse período destinado ao descanso, ao lazer, quando nos distanciamos do trabalho e dos estudos para estarmos mais perto dos nossos amigos e familiares. Talvez isso tenha a ver com as férias não terem sido como o imaginado, o que costuma ocorrer quando vivemos um amor a que tentamos sobreviver.

Uma situação tão comum que dá até pra imaginar um script - depois de um ano inteiro de batalha e estresse fora e dentro de casa, é chegada a hora do tão merecido repouso! O casal resolve, então, sair por aí, pensando que, afinal, não há problema que não possa ser superado na Europa, ou em Salvador ou na fazenda daquele amigão. Seguem acreditando que, como na música do Roberto, dali pra frente, tudo vai ser diferente. Mas a vida nem sempre é como a gente quer que seja, insistindo em ser como tem de ser, ignorando nossos desejos, mostrando-se exatamente como não gostaríamos que se mostrasse. E o que vemos pode ser muitíssimo doloroso.

Aí, aquele casal verá se repetirem as dificuldades vividas no restante do ano. Brigarão pelos mesmos motivos ou por motivos novos, mas brigarão. Trocarão ofensas pelos mesmos motivos ou por motivos novos, mas se ofenderão. Chorarão pelos mesmos motivos ou por motivos novos, mas chorarão. Não há paisagem, sol, montanha que vá dar jeito. Tudo o que eles queriam deixar pra trás, esquecer durante as férias, os acompanhará, como uma legião de fantasmas. E surgirá aquela vontade de desistir de tudo e voltar pra casa.

Ou então eles viverão dias de calmaria, que deixarão o sentimento de "finalmente nos entendemos". Mas a volta à realidade pode se cruel. E os problemas podem recomeçar ainda no trajeto, ou ao se avistar a casa, ou com a primeira pergunta, que pode dar margem a um "tava demorando pra você começar". Um verdadeiro banho de água fria na esperança e eles se sentirão finalmente esmagados pela vida.

Está na hora de dar adeus às ilusões. Férias não resolvem graves problemas conjugais. Se os conflitos não forem intensos, houver amor e vontade de acertar os pontos, pode-se aproveitar a pausa, os momentos de relaxamento, para conversas francas e produtivas. Mas, se não for assim, a maior proximidade pode agravar a situação, transformando o período num inferno. Nem mesmo uma viagem ao paradisíaco Taiti é capaz de recuperar um relacionamento marcado pelo desrespeito, pelo desamor. E o resultado é esse - pessoas, em especial mulheres, magoadas, desiludidas com mais um fracasso, procurando desesperadamente por ajuda, fazendo exatamente aquilo que pensaram tantas vezes fazer durante o ano e não fizeram.

Mas, se esse é o seu caso, não desanime. Pare de se lamentar e procure, o quanto antes, a ajuda de que necessita. Sempre há, pelo menos, uma lição a se tirar da dificuldade. Essas últimas férias podem ter sido péssimas. Mas outras virão. Comece a prepará-las desde já. Até sexta-feira !


Sem receita

Publicado no Tribuna do Brasil de 23/2/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Todos querem descobrir a receita para a felicidade no amor. Lembro que, quando criança, pensava que bastaria que os dois se amassem e o homem fosse uns três anos mais velho que a mulher. Santa simplificação! Com os anos, passei a acreditar que o amor e os interesses em comum eram o suficiente. Mas a vida me mostrou que não há uma fórmula. Ao contrário, às vezes precisamos quebrar paradigmas para sermos felizes.

E essa teoria ganhou mais força em mim com o que me foi trazido pelo amigo Jorge Lúcio. Ele me contou a história de Zuleica, jovem que, aos 18 anos, casou-se com um namorado que ela amava e que a deixou viúva dois anos depois, logo após o nascimento do único filho do casal. Sozinha, contando apenas com a mãe, uma mulher também só, nossa heroína passou a trabalhar para se sustentar e criar o filho. Foi quando conheceu um jornalista com quem iniciou um romance arrebatador. Só que o rapaz era do tipo nada disposto a algo sério, muito menos a encarar alguém como ela, já com tantas responsabilidades. E, embora perdidamente apaixonada, ela via que aquele relacionamento não tinha futuro.

Até que, um dia, Zuleica, que trabalhava numa empresa controlada por militares, sofreu um desmaio e foi socorrida por um general uns 40 anos mais velho que ela, que já a conhecia de vista, embora ela disso não soubesse. Ele, viúvo com duas filhas adultas, morava sozinho e não demorou a começar a cortejá-la, como ele mesmo diria. Claro que a paixão pelo jornalista ainda fervia dentro dela. Mas as atenções, as gentilezas, o carinho, a dedicação do general eram tão sinceras que ela rompeu a antiga aventura e deu uma chance ao novo romance. Casaram-se.

A partir daí, a vida dela mudou. A garota simples que lutava pelo pão de cada dia passou a uma vida confortável, conheceu outras cidades, outros países, e até morou no exterior. Cresceu intelectualmente, adquiriu traquejo social, amadureceu com as experiências vividas. Além disso, seu filho ganhou um pai e amigo verdadeiro. Foram 25 anos de felicidade. Nesse tempo, os laços de amor foram construídos, graças ao respeito que havia entre os dois e à enorme admiração que ela tinha por ele. E essa união só chegou ao fim com a morte dele, perto dos 90 anos.

Muito alegre e desembaraçada, Zuleica, hoje uma senhora na melhor idade, diz ter se casado com o general por ser uma mulher prática. Naquele momento, ele representava tudo do que ela mais necessitava - segurança financeira, apoio para ela e o filho, companheirismo, carinho, atenção. Só que a convivência com aquele homem tão íntegro, inteligente e generoso a fez amá-lo profundamente.

Essa história me faz pensar que muitas vezes nos prendemos a padrões e isso termina nos atrapalhando. Desejando um companheiro ou companheira, tendemos a procurar alguém de mesma classe social, mesma faixa etária, mesma religião, mesmo grau de instrução, mesma raça, interesses semelhantes. Assim, as chances podem até ser maiores, uma vez que os pontos de atrito tendem a diminuir. Mas não há garantias. Não há receita.

Se Zuleica tivesse se prendido às convenções, que na época eram muitas, não teria se envolvido com um homem de outra formação, outra classe social, outro grau de instrução e com idade para ser avô dela. E se ele tivesse se preocupado com a opinião alheia e as inevitáveis desconfianças, não teria sido tão feliz.

É preciso que saibamos olhar além para não deixar, por bobagens, a sorte passar. Aqui vale o antigo provérbio: "O cavalo encilhado, quando passa na porta, ou a gente pula nele ou não sabe quando, ou se, ele voltará a passar". Até sexta-feira !