7 de junho de 2007

Reescrevendo a própria vida

Publicado no Tribuna do Brasil de 9/2/2007

Caderno TB Programa, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Na última segunda-feira, durante um programa de rádio, eu falava sobre o quanto é comum vermos filha de alcoólatra casada com alcoólatra, quando a apresentadora me perguntou as razões disso, já que quem viveu os horrores do alcoolismo deveria querer manter distância do problema. Viver com um alcoólatra é pavoroso. Então, como essas repetições podem ser explicadas?

Imagine uma menininha que costuma ver o pai chegar alcoolizado a casa, quebrando coisas e agredindo a família. Ela sabe que algo está muito errado, mas dificilmente conseguirá enxergar que o problema está nele, um homem doente. E quanto mais nova ela for, mais tenderá a creditar as bebedeiras a fatores externos como as dificuldades financeiras atravessadas, os desentendimentos com a esposa, as notas baixas ou a bagunça dos filhos, a injusta perseguição dos chefes ou patrões. Assim, lá no seu coraçãozinho, a menininha acalentará a esperança de que, um dia, o mundo dê a ele uma folga, quando tudo será perfeito. Só que isso não acontece. E o tempo passa.

Nossa menininha cresce e se transforma numa mulher. É chegada a hora de encontrar um companheiro. Ainda presa àquele trauma não superado, ela inconscientemente buscará alguém com quem possa recriar o que viveu na infância para, finalmente, dar à sua história um lindo final. É aí que ela encontra o seu próprio alcoólatra. E buscará controlar tudo e todos para que nada saia errado, ele pare de beber e eles sejam felizes para sempre.

Ela tentará ser tudo para aquele companheiro - esposa, amante, irmã, amiga, mãe, enfermeira, psicóloga, professora, provedora. Fará o possível e o impossível para que ele se sinta amado, valorizado, querido, acolhido, compreendido. Suportará, com bravura, porres, esquisitices, agressões físicas, tortura psicológica, incapacidade de amar. E lutará, com todas as forças, contra qualquer um que ela acredite que possa prejudicá-lo ou que queira demovê-la da idéia de salvá-lo.

Assim eles seguirão - ela cada vez mais exausta e ele bebendo cada vez mais. E um dia ela enxergará que todos os seus esforços, todos os seus sacrifícios foram em vão. Pode ser que ela venha a conseguir fazer algo em seu próprio favor. Mas pode ser que, quando assim o desejar, não tenha mais forças para se safar da armadilha que criou. Aí, só Deus sabe como isso vai terminar.

Claro que nem toda filha de alcoólatra se casa com alcoólatra. Mas aquelas que não se recuperaram da triste infância, que não são poucas, tenderão a se relacionar romanticamente com homens problemáticos. Mesmo que ele não beba, poderá ser viciado em outras drogas, ou jogo, ou sexo. Ou então será incapaz de retribuir afeto ou de construir um relacionamento saudável, por ser abusivo, ou agressivo, ou irresponsável, ou compulsivamente infiel, ou emocionalmente distante. Isso sem falar naquelas mulheres que só se envolverão com homens casados e passarão a vida na expectativa de um dia poderem finalmente se unir a seus amados, o que poucas vezes acontece.

Assim, se você conseguiu se enxergar neste texto, não pense duas vezes antes de procurar ajuda. Não subestime o poder dos traumas de infância. Em nenhum lugar está escrito que você tem de salvar quem quer que seja. Mas, se tem esse objetivo, saiba que o máximo que conseguirá fazer é ajudar alguém a se salvar, se esse alguém quiser efetivamente ser salvo. E, para isso, precisará primeiramente estar bem. Ninguém dá o que não tem.

E lembre-se sempre das sábias palavras do querido Chico Xavier: "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim."


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