7 de junho de 2007

Ninguém gosta de apanhar!

Publicado no Tribuna do Brasil de 16/2/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Li no jornal uma matéria sobre violência doméstica que trazia informações a respeito dos casos de assassinato de mulheres no Distrito Federal, e também sobre a Casa Abrigo, que acolhe as que estão em risco, assim como suas crianças, oferecendo-lhes hospedagem, tratamento e consolo.

Mas uma declaração, em especial, chamou minha atenção - a atribuída a uma Promotora de Justiça que teria dito que "há dois tipos de mulheres: as que gostam de apanhar e as que têm dignidade e acabam morrendo". De acordo com a matéria, ela contou já ter visto vítimas com braços e orelhas decepadas pedirem em favor do agressor.

Sei que é muito difícil, até mesmo para quem trabalha com processos que envolvem esse tipo de crime, entender o que mantém uma mulher presa a um parceiro violento ou o que a leva a retirar a queixa na hora H. Mas, certamente, mesmo as que agem assim não gostam de apanhar! Ninguém gosta de apanhar - nem mulher, nem homem, nem criança, nem bicho!

Então, o que acontece? Muito já tem sido escrito a respeito do assunto. Mas algumas observações podem ser esclarecedoras. A grande maioria dessas mulheres vem de lares onde agressões eram freqüentes e toleradas. Tiveram mãe incapaz de se proteger do marido ou de defender os filhos do pai. Viram esses relacionamentos serem perpetuados, apesar de tudo. Foram treinadas para suportar a violência, crescendo com uma idéia distorcida do que é o casamento, acreditando não serem merecedoras de nada diferente do que recebem dos parceiros.

Outras foram criadas sem amor por falta de um ou dos dois pais. Abandonadas física ou emocionalmente, cresceram com um vazio interior que tentam preencher a qualquer preço. Vale tudo, até mesmo um parceiro que agride. Até porque, em geral, o agressor foi ou ainda pode ser a única fonte de sustento, atenção e até carinho, mesmo que não saudável, mesmo que em forma de migalhas.

E, como se já não bastasse, muitas estão doentes, com uma depressão que teve início na infância e que as derruba na idade adulta. Para quem não sabe, essa doença é progressiva e não desaparece sem o tratamento adequado. Ao contrário, só se agrava mais e mais, impedindo a mulher de enxergar com clareza o horror que está vivendo, prejudicando-lhe o raciocínio lógico e a tomada de decisão. Uma pessoa em depressão sente-se enfraquecida, incapaz, paralisada.

Isso sem falar nas que temem pela própria vida, pelos filhos e por outros familiares. As que são ameaçadas e sabem não poder contar com proteção policial. As que sabem que o agressor pode até ser preso, mas logo estará solto, livre para se vingar.

Não! Não há mulheres que gostam de apanhar! Há, sim, mulheres que precisam ser ajudadas, ainda mais e principalmente quando, por medo ou ilusão, mantêm-se reféns, incapazes de se defender. São essas que merecem mais apoio, mais dedicação. E, assim como elas, os filhos que elas têm.

Não! Não há mulheres que gostam de apanhar! Há leis ainda muito frouxas e um sistema que não protege ninguém efetivamente. Há uma sociedade hipócrita e ignorante que, de várias formas, ainda responsabiliza as vítimas, atenuando, com isso, a responsabilidade do agressor.

Não! Não há mulheres que gostam de apanhar! Há mulheres que merecem e precisam de apoio para que, contra tudo e todos, denunciem e ajudem a condenar seus algozes, não apenas por elas mesmas, mas também por seus filhos. Certamente essas crianças crescerão com uma idéia a respeito de relacionamento de amor bem diferente da que suas mães tinham. Assim estaremos ajudando a construir famílias melhores, países melhores, um mundo melhor.


Um comentário:

ateliê holístico disse...

Adorei esse artigo!
É essencial, que em uma cultura com resquícios patriarcais tão fortes como a nossa, alguém tenha coragem de combater a hipocrisia que reina sobre o senso comum e sobre nossas leis.

Não acredito em Nélson Rodrigues de forma alguma. Aliás, ele, deveria ter feito meditação para apaziguar sua frustração pessoal e seu pessimismo sexista em relação a sociedade.