13 de julho de 2009

Thriller

Publicado em 4/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro




Michael Jackson vale uma série de textos. Sua vida e sua morte estão recheadas de acontecimentos que dariam muitos capítulos. Tudo o que envolve o maior dos astros do pop é grandioso. Por isso, a imprensa internacional está mobilizada. Além disso, como disse na semana passada, ele movimentou, movimenta e, por muito tempo, continuará movimentando somas incríveis. E o mundo não resiste ao apelo financeiro. Milhões estão sendo investidos na busca de furos de reportagem. Qualquer informação vira notícia, especialmente o que diz respeito a grana, à fortuna deixada, aos herdeiros, ao testamento do ídolo. Ele foi, é e continuará sendo, ainda por muito tempo, uma máquina de fazer dinheiro.

Não creio que Joseph Jackson tenha sido capaz de vislumbrar uma coisa assim, nem sequer em seu maior desvario. Quando decidiu lançar os filhos no showbusiness, certamente almejava fama e fortuna, mas nada comparado ao que aconteceu. O caçula dos Jacksons era puro talento. Fico imaginando o que Michael teria realizado se houvesse tido uma infância e uma adolescência sem violência, amorosa. Lembro de uma longa entrevista, reprisada pela Rede Record, em que ele disse que seu pai acompanhava os ensaios segurando um cinto, que usava para bater nos meninos. Lembro do relato de surras com fio de ferro, de ser atirado contra a parede e de vomitar só por estar na presença do pai. Lembro dele contando que sua mãe gritava: “Joe, você vai acabar matando ele!”. Um verdadeiro thriller.

Sabemos que, para se transformarem em adultos emocionalmente saudáveis, as crianças precisam de um teto, boa alimentação, proteção contra os perigos do mundo, coisas que exigem dinheiro. Mas muitos esquecem ou nem mesmo sabem que elas também necessitam de uma família de verdade, de se sentirem felizes, respeitadas, acarinhadas física e psicologicamente, amadas. Alguém que viveu o que Michael Jackson viveu é alguém que não teve o mais importante – o amor dos pais. Nenhum dos dois estava em condições de amá-lo, nem o pai medonho, que se comportava de maneira abusiva, nem a mãe permissiva, que não conseguia proteger os próprios filhos.

Assim, não foi surpreendente a decisão do Rei do Pop, de deixar o pai de fora de seu testamento. Ele não havia superado a violência sofrida, embora tenha dito, na mesma entrevista, que o pai melhorara muito e que, no fundo, era um homem bom. Parece que Michael, assim como provavelmente acontecia ou acontece com sua mãe, acreditava, ou tentava crer, que o comportamento inaceitável de Joe Jackson tinha uma causa justa, o bem dos filhos, um futuro melhor para eles, rico de coisas que o dinheiro pode comprar, embora pobre daquilo que realmente tem valor.

As crianças tendem a se identificar com um dos pais. A frase parece um lugar-comum? Entretanto não deixa de ser verdade. E é claro que as coisas não funcionam assim, de maneira tão simples. Mas é mais ou menos o que acontece. Então, em uma família como a de Michael, em que um dos pais violenta os filhos e o outro não consegue defendê-los, as opções dos pequenos são: tornarem-se como o pai, forte, poderoso, detentor do controle, dono da razão, embora assustador e digno de ódio; ou se tornarem como a mãe, frágil, controlada, vítima, assustada e digna de pena. A escolha lhe parece difícil? Para uns, não. Para outros, sim, um outro thriller.

Neste ponto, vocês poderiam me perguntar – só essas duas opções? Não há escapatória? Por isso eu disse que as coisas não funcionam assim, de maneira tão simples. Certamente há outras saídas. Mesmo porque os pais geram o corpo dos filhos, não o espírito, ou seja, não geram a essência. As crianças não devem ser vistas como uma folha de papel em branco. Elas têm uma história coletiva e uma individual. E muitas vêm a este mundo não para aprender, mas para ensinar. Só que os pais têm uma função fundamental. Na infância, as crianças estão mais acessíveis a conselhos e, principalmente, exemplos. É dever dos pais incentivar as boas inclinações e reprimir as más, sem violência, com amor, ajudando os filhos a progredir, não apenas financeiramente, como este mundo materialista e imediatista sugere, mas moralmente.

Dificilmente uma criança que é vítima dos pais vai conseguir olhar para eles e entender que são criaturas ainda incapazes de amar. Dificilmente não se culpará pelo que lhe está acontecendo de mal. Dificilmente compreenderá que precisa se defender justamente daqueles que têm a missão de protegê-la. Dificilmente buscará outros modelos sem se sentir uma traidora. Dificilmente não se tornará um adulto que não se aceita e não se sente merecedor de amor.

Acredito que o ser humano está melhorando, embora ainda tenhamos muito a aprender, um longo caminho pela frente. Mas o que vemos acontecer a nossas crianças é doloroso. O mundo está cheio de Michaels Jacksons, mas, para a esmagadora maioria, feliz ou infelizmente, buscar refúgio na Terra do Nunca não é uma opção. Que possamos aproveitar a tragédia pessoal desse irmão para refletir. Valeu, Michael!

Maraci Sant'Ana

Um comentário:

Emy disse...

Parabéns pelos 2 anos de blog. Já são mais de 20.000 acessos, veja que chique! Sinto-me orgulhosa por fazer parte disso e estarei sempre aqui para dar uma, digo, duas mãos.
O texto? Como sempre a sintetização do que vemos, pensamos e sentimos...
Parabéns Psicoproseando!