27 de julho de 2009

They don't care about us

Publicado em 11/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


As duas últimas edições desta coluna trouxeram um assunto que rendeu e continua rendendo no mundo todo. No texto See you later, Michael, publicado em 27 de junho, falei sobre a morte de Michael Jackson e aproveitei situações da vida do ídolo para abordar os problemas que costumam surgir quando pais tentam realizar seus sonhos por intermédio dos filhos ou quando crianças têm a infância roubada justamente por quem as deveria proteger. E, em Thriller, do último sábado, tratei da violência doméstica, a partir de experiências relatadas pelo próprio Rei do Pop. Conforme disse, o maior astro do showbusiness, de todos os tempos, vale uma série de artigos.

A vida e a morte de Michael estão pontilhadas de mistério, de fatos não explicados. Muita gente quer entender o que leva alguém, que possui o que a maioria dos habitantes deste planeta nem sequer imagina que uma pessoa possa ter, a se destruir. Vivemos em um mundo cheio de problemas, de miséria, de dramas. Milhões passam fome, não têm acesso a água potável, não sabem o que é saneamento básico, não têm onde morar e veem segurança e educação como algo inatingível. Mas, contra tudo e todos, estão por aí, lutando para se manterem vivos, para melhorar. E, na contramão disso, um ídolo tão admirado, desejado, invejado, imitado, que parecia ter tudo, matava-se lentamente.

Suicídio? A definição trazida pelo Novo Dicionário Aurélio é bem clara – desgraça ou ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento. Será que Michael Jackson tinha a intenção de se matar? Ou será que lhe faltou a capacidade de julgar, de forma clara e sensata, o que lhe estava acontecendo, o rumo perigoso que sua vida estava tomando? Estaria ele consciente de que, drogando-se daquela forma, corria um risco tão alto? Ou teria se fiado na presença do cardiologista contratado para acompanhá-lo dia e noite?

Todos temos um certo vazio interior. Isso ainda faz parte de nós, criaturas que acessamos pouco o conhecimento que detemos a respeito das leis que regem o Universo. Mas, em alguns, esse espaço não preenchido é sentido como um enorme buraco na alma, que dói de forma insuportável. Naturalmente procuramos preenchê-lo e é lícito buscar alívio. Mas corremos o risco de, no desespero, lançar mão de qualquer coisa. É por isso que vemos pessoas agarradas a outras pessoas, a coisas, a situações estapafúrdias, viciados de todo tipo - em drogas lícitas e ilícitas, em relacionamentos, em jogo, em trabalho, em sexo, em exercícios físicos e por aí afora.

As investigações apontam para um grupo de médicos suspeitos de cumplicidade no vício do cantor em remédios, inclusive sedativos pesados, alguns utilizados apenas por anestesistas em hospitais. Receitas eram emitidas em nome do astro, de empregados dele, ou mesmo falsos. Onde estava a cabeça dos profissionais de saúde que o cercavam? Eles conheciam os riscos. Será que não estavam mais preocupados com os honorários nada modestos? A música They Don't Care About Us, do próprio Michael, poderia muito bem servir para falar do relacionamento do astro com aqueles a quem ele pagava para dele cuidar. Por que Michael Jackson não foi internado para desintoxicação e tratamento? Será que não poderíamos falar em homicídio?

Quem não gostaria de ter um Michael Jackson como cliente? Até eu, que sou mais boba, iria adorar. Dá para imaginar o prestígio que me traria um popstar daquele nível entrando em meu consultório. Dá para imaginar a fama, o tamanho da lista de espera por consulta e a grana decorrente de tudo isso. Dá para imaginar a cara do pessoal da portaria, dos vizinhos de sala. Só não dá para imaginar que ele fosse receber um tratamento diferenciado. Ele seria atendido da mesma forma que os demais pacientes, como um ser humano que precisa de ajuda. Porque é assim que devem se comportar todos os que estão na função de curador.

Dinheiro não é bom, é ótimo! É dificil resistir aos seus apelos. Mas nada neste mundo deveria ser exercido apenas como um comércio, muito menos profissões como a de médico, psicólogo, enfermeiro e tantas outras que nos colocam na posição de cuidador de um irmão fragilizado. Essas são, antes de tudo, um sacerdócio. Exigem consciência pessoal, prazer pela oportunidade de servir, de amparar, de tratar, de curar, de salvar gente que, muitas vezes, só precisa de um pouco de atenção, de calor humano. Essas requerem vocação, ou seja, chamamento, predestinação e, acima de tudo, amor ao próximo. E parece que foi exatamente isso o que faltou. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

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