10 de agosto de 2009

We are the children

Publicado em 25/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


USA for Africa foi o nome dado ao grupo de 44 artistas que, em 1985, protagonizaram uma campanha para ajudar a diminuir a fome naquele continente. A música We are the world, escrita por Michael Jackson e Lionel Richie, rendeu cerca de 55 milhões de dólares e, segundo a imprensa, não foi o único trabalho humanitário do Rei do Pop. Em maio de 1984, ele já havia participado do lançamento de uma série de ações contra as drogas, na Casa Branca. E, em julho, anunciado que doaria aos pobres os lucros da turnê Thriller. Parece que era grande o coração do ídolo. Mas não foi só pelo talento e compaixão que ele chegou às manchetes.

Queixas de pedofilia abalaram a carreira do popstar. A primeira, que envolveu Jordan Chandler, então com 13 anos, acabou retirada graças a acordo que incluiu o desembolso, pelo astro, de US$ 20 milhões. Além dessa, outras acusações levaram Michael aos tribunais, mas ele nunca foi condenado. Foi julgado e considerado inocente por unanimidade. Agora, depois da morte do ídolo, começou a circular, na internet, comunicado em que supostamente Jordan confessaria ter sido obrigado pelo pai a inventar o abuso. Só que não há confirmação dessa notícia. E não acredito que a verdade possa vir à tona desse jeito. Se foi tudo uma farsa, revelar significaria, no mínimo, o suicídio financeiro dos Chandlers.

Essas acusações correram os quatro cantos do planeta. Seriam verdadeiras? Não faltavam mulheres e homens adultos desejosos de dividir a cama com Michael Jackson. Por que o envolvimento com crianças? Foram muitas as perguntas e as tentativas de resposta. E, com a mesma veemência com que alguns falavam que aquilo era impossível, outros acusavam, inclusive dizendo ter sido ele, Michael, explorado sexualmente pelo próprio pai. Não dá pra saber nada com certeza. Mas, se houve abuso, não foi o primeiro e nem será o último caso, infelizmente. A violência sexual contra crianças existe desde que o mundo é mundo e se estende a todos os lugares, raças e classes sociais.

E ela se torna devastadora quando é incestuosa, ou seja, envolve um adulto importante na vida da criança, alguém de quem ela dependa, que tenha um papel fundamental na sua formação. As estatísticas nos mostram que, na grande maioria dos casos, os agressores são pais, padrastos, avós, irmãos, tios, primos, pessoas em quem a vítima confia, de quem espera amor, proteção. Molestada sexualmente, a criança vai se envenenando por ser obrigada a manter o segredo e por se sentir culpada, de alguma forma, pelo mal que lhe acontece. Ela cresce tentando esconder e esquecer a experiência. E termina levando para o túmulo esse terror.

O abuso sexual é uma profanação baseada na necessidade de poder, de dominação. E, quando envolve uma criança, também na ideia de que ela é um ser inferior. Há relatos inacreditáveis. Lembro bem de um em que uma avó desvirginou a neta de quatro anos; e de outro em que um bebê de três meses foi internado com doença venérea na garganta. A todo momento, crianças são desrespeitadas das mais diferentes formas, inclusive assim. E, mesmo sem violência física, de um jeito ou de outro, a vítima é coagida. Ela se submete por medo do agressor; por receio de magoar os sentimentos do seu algoz, se ele é muito próximo; e, às vezes, por não querer perder o que talvez seja a única manifestação “de carinho” que a ela é oferecida. Muitas são pegas de surpresa e não sabem ou conseguem reagir; muitas são enganadas pelo agressor, que lhe diz que todo mundo faz aquilo; muitas são treinadas para serem obedientes e não conseguem dizer não.

E o que as pessoas em geral não sabem é que esse tipo de violência contra a criança não se limita à relação sexual. Ela pode acontecer disfarçadamente, sob a forma de carícias nada inocentes ou mesmo sem contato físico. O agressor pode, por exemplo, exibir material pornográfico; andar nu para despertar a atenção da criança; ou se masturbar na frente dela. Ele também pode espiar a criança trocando de roupa ou no banho; ou lhe fazer observações sedutoras, sugestivas, às vezes apenas com o olhar.

E o que leva alguém a se comportar de forma tão odiosa? Muitos agressores são doentes, estavam alcoolizados ou drogados no momento da agressão; muitos sofreram abuso sexual na infância e cresceram com uma ideia totalmente distorcida da vida. Há pais, por exemplo, que se sentem donos das filhas e acreditam ter direito a serem o primeiro homem em suas vidas; alguns ainda tentam responsabilizar as vítimas, alegando que foram provocados; outros empurram a culpa para a esposa ou o marido dizendo que só se voltaram para a criança porque não tinham um parceiro sexual competente ou disponível; e, não raramente, a mãe é uma cúmplice, por ignorar os sinais de que algo está errado; por não ser capaz de proteger a criança. Isso quando ela não participa ou promove o abuso. De qualquer forma, o agressor precisa ser punido. E, se for o caso, tratado.

Além disso, há casos em que os pais se comportam de forma imprópria na frente dos filhos, argumentando que sexo faz parte da vida; ou se esquecem de tomar os devidos cuidados e são flagrados em momento de muita intimidade. Mesmo que não tenham a intenção, terminam envolvendo a criança em um assunto para o qual ela não tem preparo. Pais que se amam e trocam carinhos é uma coisa. Sacanagem na frente dos pequenos é outra. A criança não entende bem o sexo. Dependendo da idade que ela tenha, o ato pode ser visto como ameaçador ou sujo. Nem mesmo recém-nascidos devem dividir o quarto com os pais. Sexo é maravilhoso, mas é para adultos.

É triste, mas não precisamos ir a Los Angeles para falar em pedofilia. Recentemente, dois homens, um de 42 e outro de 38 anos, solteiros e de classe média, foram presos acusados de abusar sexualmente de um menino de 13 anos. Segundo o DFTV 2ª. Edição do último dia 17, um deles mora na Asa Sul e trabalha como analista de sistemas nos Correios; o outro reside no Guará e é empregado terceirizado da área de infomática do Ministério da Saúde. Os dois teriam abusado, ainda, de quatro crianças que costumavam levar para passear. E, ao que tudo indica, são parte de uma quadrilha internacional. Mas, o pior de tudo é que o que rolava na casa deles era do conhecimento dos vizinhos. Só que demorou para que alguém denunciasse. Ainda há gente que acha que não deve se envolver nesses assuntos, que eles não lhes pertencem.

Crianças são vendidas, compradas, alugadas em um comércio medonho que cresce bem debaixo dos nossos narizes. Não podemos fechar os olhos ao que está acontecendo. Todos somos responsáveis por todas as crianças e precisamos estar sempre alertas. Como diz a música escrita pelo próprio Michael Jackson, nós somos o mundo, nós somos as crianças, nós somos aqueles que criamos um dia mais brilhante, que vamos criar um dia melhor. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

Um comentário:

Leticia disse...

Ok. Muito obrigada pela leitura.... Segue alguns comentarios...

Por mais que existam casos desta forma, criancas sendo abusada sexualmente, alguns casos sao absurdos como :

"Lembro bem de um em que uma avó desvirginou a neta de quatro anos; "

"Ainda há gente que acha que não deve se envolver nesses assuntos, que eles não lhes pertencem." -
Silêncio de poucos são a amargura de muitos.

"Muitos sofreram abuso sexual na infância e cresceram com uma ideia totalmente distorcida da vida.!
Esta hipotese, creio que seja a mais destruidora da vida do ser humano. Por ter sido abusado, é que eles abusam, nao por "querer", mas pelo transtorno psicologico.
Leticia