22 de agosto de 2009

Be a lion


Publicado em 18/7/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Desde 27 de junho, venho usando a história de Michael Jackson para falar do nosso dia a dia, das dificuldades que enfrentamos e das que testemunhamos. E, embora a realidade do ídolo pareça bem distante da nossa, aos pouco vamos percebendo que os problemas faziam dele uma pessoa comum. O texto They don’t care about us iniciou uma discussão sobre o envolvimento de profissionais de saúde na viciação e na morte do astro, o exercício da Medicina como um comércio, a falta de amor ao próximo. Dos vários comentários postados, destaco o de Edna, que escreveu: “Maraci, não precisamos ir muito longe para vermos quanto o dinheiro fala mais alto. Veja o caso do Marcelo Caron, que matou duas mulheres recentemente ao submetê-las a cirurgia plástica mesmo não sendo médico. Em que mundo vivemos?”.

O caso de Denísio Marcelo Caron merece um esclarecimento. Segundo divulgado pela imprensa, ele era médico, mas usava diploma falso de especialização em cirurgia plástica. Teve o registro profissional cassado e é acusado de ter provocado a morte de cinco mulheres, além da deformação física de outras 35. O que levaria um médico a arriscar a vida de pacientes em procedimentos para os quais não estava habilitado? E, no caso dos especialistas, o que os levaria a, por exemplo, realizar cirurgias que terminam transformando rostos em máscaras, como aconteceu com Michael Jackson? Será que tudo se resume a dinheiro?

O Correio Braziliense de 12 de julho trouxe a notícia de que adolescentes entre 13 e 18 anos, insatisfeitos com a aparência, respondem por 13% das cirurgias plásticas anuais realizadas no país. Pesquisas demonstram que, em 45% dos casos, as pessoas se queixam do nariz. As demais reclamações estão relacionadas a outras partes do rosto, às mamas, ao bumbum, à barriga e por aí afora. Especialistas atribuem a procura às novas técnicas, à redução dos preços, às transformações psicológicas e físicas típicas de uma fase de transição, e à influência da mídia, que nos bombardeia com imagens de pessoas fisicamente lindas, esculpidas nas academias e nos centros cirúrgicos.

É natural querer parecer mais jovem e bonito. Mas a coisa anda tão fora de controle que faz da indústria da beleza uma das que mais crescem, mesmo em um país como o nosso, ainda tão carente do básico. Há pessoas que já se modificaram tanto que não seriam reconhecidas nem pela própria mãe, que parecem saídas da ficção científica. De tão obcecadas, copiam, inventam, topam tudo e terminam se tornando presas fáceis de profissionais inescrupulosos, de gente que promete milagres. As que não morrem acabam mutiladas. O problema está no exagero, na preocupação patológica com a aparência.

A isso damos o nome de Dismorfofobia ou Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), doença que afeta cerca de 1% da população. Adultos e adolescentes que nunca estão satisfeitos com o próprio corpo malham sem parar ou se submetem a cirurgias sucessivas para resolver um problema às vezes mínimo. Passam fomem ou vomitam o que comem; fazem uso de anabolizantes, diuréticos, laxantes, anfetaminas; espremem-se em espartilhos; extraem costelas para afinar a cintura; vivem se olhando no espelho ou evitam a própria imagem; isolam-se socialmente e correm um enorme risco de morte, inclusive por suicídio.

Em geral, o distúrbio se manifesta na adolescência ou na primeira idade adulta, períodos em que a autoestima não está plenamente desenvolvida. Mas não é raro perto dos 40 anos, quando muitos entram em pânico por não aceitarem o envelhecimento, que é natural e acomete todos os que não morreram jovens. Há relatos de pessoas que se mataram para fugir às marcas do tempo, para serem lembradas como moças e belas. Tudo isso tem muito a ver com Michael Jackson, não? Muito a ver com muita gente.

Por que há pessoas que não se incomodam com essas coisas e há aquelas que sofrem terrivelmente com detalhes, eternamente descontentes, na perseguição de um ideal que nunca é alcançado? É óbvio que o problema não está no físico. Na música Be a lion, o Rei do Pop fala de ser um leão forte, dono de um rugido poderoso, que com nada se assusta, sem medo por dentro, sem necessidade de correr ou se esconder, o mais bravo de todos. E, embora o felino seja um animal fisicamente privilegiado, é às características psicológicas que a música se refere. Que atire a primeira pedra aquele que nunca desejou ser forte e belo, o rei da selva!

Então, se você conhece alguém que enveredou por esse caminho, oriente a procurar ajuda. Tragédias como a de Michael Jackson podem e devem ser usadas para despertar a atenção. O tratamento consiste em acompanhamento psiquiátrico, para a prescrição de remédios que são indispensáveis, e psicoterapia. A dismorfofobia é uma doença que não deve ser subestimada. Mas alguém corretamente orientado logo poderá voltar a ter uma vida normal, a ser um leão livre, deixando para trás essa prisão. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

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