6 de setembro de 2009

You are my sunshine

Publicado em 8/8/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Não param as notícias sobre Michael Jackson. Por esses dias, assisti a um vídeo caseiro em que os dois filhos mais velhos do cantor, na época com uns três, quatros anos, cantavam para ele uma adaptação de You are my sunshine, substituindo sunshine por dad. Papai em lugar de luz do sol! Uma singela declaração de amor em que Paris e Prince Michael agradecem pelo bolo e pelo sorvete que a pequena família, pai e três filhos, compartilhou naquela noite. Caberia em qualquer comemoração pelo Dia dos Pais. Cenas bonitas, comoventes, não só pela delicadeza das crianças, mas porque o pai está morto e, não obstante a fortuna por ele deixada, os filhos estão órfãos.

É natural que as pessoas tenham reservas quando se fala no relacionamento do astro com os filhos, não apenas pelas denúncias de pedofilia envolvendo outras crianças, de que ele foi alvo, mas porque nenhum dos três parece descendente dele. Além disso, dizem que as crianças foram criadas com a ideia de que não tinham mãe, só pai. É um rolo sem tamanho. O próprio Michael admitiu ter recorrido a uma barriga de aluguel para ter o caçula, Prince Michael II. Segundo o ídolo, ele e a mãe do garotinho não se conheceram. Ela teria cedido o óvulo e a barriga; ele, o espermatozóide. Achou estranho? Quando ele declarou que planejava adotar duas crianças, um menino e uma menina, de cada continente, muita gente ficou encantada com a iniciativa. Mas, quando falou em barriga de aluguel, a coisa mudou de figura.

Michael Jackson não foi a única celebridade a recorrer a barriga de aluguel. Sarah Jessica Parker, conhecida atriz do seriado Sex and the City, e seu marido, o ator Matthew Broderick, também fizeram o mesmo, depois de muita frustração para aumentar a prole, que contava apenas um garotinho de seis anos. Isso só para citar um exemplo. Não dá nem pra saber ao certo quantos famosos e não famosos lançaram mão desse artifício. Na maior parte dos Estados Unidos, como acontece em vários outros países, a barriga de aluguel não é admitida. Mas, na Califória e na Flórida, ela é legalizada, assim como na Índia. As pessoas estão divididas nessa questão.

A internet está cheia de anúncios de mulheres que se oferecem para esse fim. Muitas precisam de dinheiro para o básico, como estudar, comprar uma casa, criar com um mínimo de conforto os próprios filhos. Conforme publicado por UOL Notícias no último dia 12, ceder em aluguel uma barriga, no Brasil, não é tipificado como crime. Entretanto, segundo o médico Pablo Chacel, que é corregedor do Conselho Federal de Medicina, existe uma legislação que impede clínicas de fertilização de implantar embriões em barrigas de aluguel. Aceita-se, sim, a chamada mãe substituta, uma mulher que tenha laços próximos de parentesco com a que não pode ser mãe “pelas vias normais”, que topa emprestar o útero. Não há dinheiro envolvido.

Há casos de avós que carregaram netos no ventre, de tias que deram à luz sobrinhos, incríveis provas de amor. Mas a verdade é que a barriga de aluguel transformou-se em um negócio rentável. Segundo a mídia, alguns centros de medicina reprodutiva, por exemplo, apesar da legislação proibir, dispõem de cadastro de mulheres que querem alugar o útero. Os valores variam de 40 a 100 mil reais. É uma forma de se ganhar, de uma só vez, uma grana que se levaria muito tempo para juntar. Só que questões delicadíssimas estão envolvidas nessas transações. Situações diferentes podem ocorrer.

Vamos imaginar a primeira: um homem e uma mulher cedem óvulo e espermatozóide para que uma criança seja gerada; após a fecundação in vitro, o embrião é transferido e se desenvolve no útero de outra mulher; ele tem a herança genética dos pais biológicos; a gestante é apenas uma hospedeira; após o nascimento, o bebê é entregue aos pais biológicos; a ex-gestante recebe o pagamento pela hospedagem. Agora, vamos imaginar a segunda: um homem cede espermatozóide para que, por meio de inseminação artificial, uma criança seja gerada por uma mulher com quem ele pode nem ter vínculo; o embrião tem a herança genética do pai e dessa mulher; após o nascimento, o bebê é entregue ao pai, que o criará junto com outra mulher; a ex-gestante recebe o pagamento pelo óvulo e pela hospedagem.

Tanto na primeira quanto na segunda situação, tudo saiu conforme combinado. Quem desejou um bebê o recebeu, assim como quem queria dinheiro foi pago. Daí pra frente, os questionamentos se voltarão para como educar uma criança nascida desse jeito. No primeiro caso, ela poderá entender o quanto foi sonhada pelos pais biológicos, que não mediram esforços para trazê-la ao mundo, e que seu nascimento até ajudou financeiramente alguém. Mas, e se ela quiser conhecer a mulher que a carregou no ventre? E, no segundo caso, como se sentirá uma criança sabendo que tem a herança genética de uma mulher que não é aquela que ela chama de mãe? E se ela desejar conhecer a mãe biológica?

E se a mulher que parir, independentemente de ser ou não a mãe biológica, se recusar a entregar o bebê? Quem é a verdadeira mãe - a que forneceu o óvulo ou a que carregou no ventre? Aquela que desejou a criança e pagou por ela, mesmo sem vínculo genético, ou a que não a desejou, topou receber dinheiro para trazê-la ao mundo, cedeu o óvulo e depois voltou atrás? Como fica uma criança que já nasce em meio a um litígio dessa natureza? Duas mulheres brigam por ela – quem ela deverá chamar de mãe?

Há quem considere isso tudo muito normal, da mesma forma que há quem veja a prática como o fim dos tempos. Além disso, não ser considerado crime, por não estar previsto no Código Penal Brasileiro, não quer dizer que seja ético ou moral. No Congresso Nacional, há dezenas de projetos de lei em tramitação para disciplinar a matéria. A discussão é complexa, passando, inclusive, pela redefinição jurídica do que é ser mãe.

Nossa discussão está apenas começando. Quero muito saber o que você pensa sobre barriga de aluguel. Comente este texto. Divulgue-o. Convoque seus amigos a participar também. O que aqui for dito poderá embasar a decisão daquelas criaturas de Deus que nos representam no Legislativo. Então, participe! Feliz Dia dos Pais a todos e até sábado!

Maraci Sant'Ana

Nenhum comentário: