31 de dezembro de 2006

Um amor sobrevivente

Publicado no Tribuna do Brasil de 15/7/2006

Caderno TBmulher, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Volta e meia recebo no consultório mulheres que viveram ou estão vivendo relacionamentos amorosos problemáticos. Elas vêm para consultas individuais ou para participar do "Para Sobreviver a um Grande Amor", grupo de terapia por mim criado em 1995 especialmente para atendê-las. E mesmo as já separadas dos parceiros relatam que, em algum momento, ouviram dos seus algozes a famosa frase "Eu te amo".

Não consigo imaginar nada que possa prender mais alguém do que um "Amo você". São palavras que representam tudo ou quase tudo o que queremos ouvir de quem amamos, que geram uma atmosfera de fascinação. Se são ditas com sinceridade e responsabilidade, encantam e os resultados são maravilhosos. Mas, se são ditas de forma irresponsável ou mentirosa, podem enfeitiçar e trazer conseqüências desastrosas.

Há quem passe anos preso a um parceiro que diz "Eu amo você", embora ele se comporte de um jeito nada amoroso. Há quem desculpe os abusos porque acredita que, "no fundo, no fundo" é amado. Insistem em viver história de horror que juram ser de amor, enfeitiçados pelas palavras, cegos para o que se passa em suas vidas, verdadeiros reféns.

Mas somos muito mais do que isso, do que criaturas que podem ser hipnotizadas por palavras vazias, sem sentido. Podemos e devemos questionar tudo o que nos dizem, até mesmo quando estamos apaixonados, extasiados pela magia que a paixão proporciona. Temos a obrigação de parar e refletir quando um relacionamento, por mais que tenha o rótulo de amoroso, descamba para o sofrimento.

Será que aquele que diz "Amo você" realmente se comporta como alguém que ama? Suas atitudes são respeitosas e construtivas, que combinam com palavras de amor? Ou parece que lidamos com alguém que diz amar, mas que age como quem odeia? Será que o amor combina com agressão física ou verbal, com descaracterização do outro, com exploração, com desrespeito, com mentira, com traição, com distanciamento, com egoísmo, com descaso?

Muitas vezes já ouvi, em consultório e fora dele, desculpas do tipo: "Ele me ama, só não sabe expressar", "Ele me ama, mas tem muitos traumas e problemas, por isso não é amoroso", "Ele até tenta ser amoroso, mas não consegue porque não recebeu amor na infância". Claro que muita gente tem problemas sérios que podem interferir nos relacionamentos, inclusive os amorosos. Muitas dessas pessoas precisariam de um bom psicólogo e, dependendo, até mesmo também de um bom psiquiatra. Mas a grande maioria, lamentavelmente, não se dispõe a isso, nem mesmo a uma simples conversa. Insistem no "Eu te amo" e dão o caso por encerrado, esperando que o outro acredite nisso e se dê por satisfeito.

Outro dia, conversando com uma jovem amiga, eu perguntei: "Vamos imaginar que você conseguisse ter a certeza de que ele a ama de verdade. O que realmente isso significaria? Os traumas dele seriam esquecidos ou superados, alterando assim suas atitudes? O relacionamento de vocês mudaria? A dor que você sente quando ele faz o que faz, desapareceria?" E, diante da cara de espanto dela, eu acrescentei: "Vamos imaginar que ele realmente ame você. Será que é esse tipo de amor, esse que ele tem a oferecer, que você quer para a sua vida? Um amor que rima com dor é o que você deseja?".

Podemos e devemos quebrar esse tipo de feitiço, avaliando se o que o outro nos dá é o que queremos receber. Se não for, precisamos deixar claro que não estamos felizes ou dispostos a viver com menos do que realmente desejamos. E se o outro não se dispuser a mudar sua oferta, devemos colocar um ponto final em algo que, na realidade, nada tem a ver com AMOR.


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