31 de dezembro de 2006

Fidel, amor e paredón

Publicado no Tribuna do Brasil de 26/8/2006

Caderno TBmulher, Coluna Psicoproseando...com Maraci


Talvez jamais saibamos o que acometeu Fidel Castro. Procurei notícias confiáveis, mas nada encontrei. Tem sido assim, quando se trata de líderes políticos doentes. De qualquer forma, torço para que ele logo se recupere.

Só que essa situação trouxe à minha lembrança uma notícia publicada pela Veja, há alguns meses:“Fidel fuzila a internet. Regime comunista reforça censura com decreto que inviabiliza acesso dos cubanos à web”... “Num comunicado, o governo alegou que a intenção é “evitar o uso fraudulento da internet”. Mas ninguém duvida que o objetivo é dificultar o livre fluxo de informações”.

Fidel sempre contou defensores ferrenhos. Mas imagino que, até neles, essa medida produziu desconforto. E penso que muitos de nós sentimos alívio por estarmos distantes da realidade dos nossos irmãos cubanos. Mas será que o Regime é algo assim tão remoto?

Não se pode falar em Cuba e Fidel sem falar em domínio, ingrediente também de relacionamentos amorosos abusivos. Mas a proibição do uso da internet pelos cubanos levou-me a pensar naquele tipo de controle que alguém pode exercer sobre a vida social do parceiro.

Há quem fiscalize os comportamentos e até os pensamentos do outro, como os integrantes do CDR - Comité de Defensa de la Revolución, de Cuba. Vigilantes, selecionam amigos e parentes com quem o companheiro pode manter contato. Somente os que “vivem segundo sua cartilha” são bem-vindos. Alegando "cuidados" com o parceiro, tornam os contatos sociais desagradáveis. Uma confraternização pode virar uma provação. E quem não adere ao Regime arrisca-se ao paredón.

Mas há os que se comportam de forma encantadora em público, carismáticos como Fidel. Só que, quando entre quatro paredes, fazem com que o outro se sinta inadequado no que se refere à própria família ou aos amigos escolhidos. E podem usar chantagens, ameaças e acessos de fúria para coagi-lo a renunciar a entes queridos.

No início do relacionamento, pode parecer que essas pessoas apenas não querem partilhar as atenções do "amado". Mas o resultado disso pode ser o isolamento total. Muita gente renuncia ao contato social esgotada por essas batalhas, distanciando-se de pessoas e atividades importantes. E também aí a comparação com o que foi imposto aos cubanos é inevitável.

Apesar disso, a vítima fica presa ao anzol do “amor”, da esperança de que o outro mude, do medo de ficar sozinha, de ser responsabilizada pelo fracasso do relacionamento, ou da reação do opressor. Tudo da mesma forma que muitos cubanos estão presos ao Regime pelos índices sociais que o país apresenta, pela questionável não existência de desemprego, favelas e violência urbana, pela idéia de que todos têm alimentação, saúde e educação, pela alta expectativa de vida, pelo baixíssimo índice de mortalidade infantil, pelo medo do que possa acontecer se não se aderir plenamente ao sistema.

Um povo alegre, sentimental, emocional, barulhento e, ao mesmo tempo, desesperançado e temeroso. Essa descrição dos cubanos lembra muitas pessoas que vivem relacionamentos abusivos, que podem ser brilhantes em determinados locais ou situações, da mesma forma que podem ser deprimidas em outros, irreconhecíveis figuras.

Dizem que há duas Cubas: a turística e a real. Assim como um relacionamento amoroso abusivo pode produzir duas vidas: uma pública e outra privada. Dizem que ninguém passa imune por Cuba. E, da mesma forma, ninguém passa imune por um relacionamento assim.

E aí, resta a pergunta. Você conhece alguém que, mesmo fora de Cuba, vive como se lá estivesse?

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