26 de agosto de 2008

Bandalheira e depressão

Publicado em 19/7/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Desde a estréia desta coluna, tenho procurado trazer humor para os textos. Acho que, nas primeiras edições, até consegui. Só que manter esse espírito está cada vez mais difícil porque as notícias da área têm estado de lascar. Depois do investment grade, não surgiu nada muito animador ou digno de grandes comemorações. E não dá pra ficar imune, por mais tentemos, a essa avalanche de desastres. Isso é facilmente verificável nas ruas e venho observando o fenômeno também no consultório.


Quase todas as pessoas que me procuram para psicoterapia têm depressão crônica. E isso tem uma explicação que pode ser considerada simplista, mas nem por isso deixa de ser verdadeira. Em primeiro lugar, porque o sofrimento dessas pessoas não é recente e a depressão é uma doença progressiva. Infelizmente, relutamos tanto a pedir ajuda que, quando o fazemos, a situação já está crítica. Em segundo lugar, porque a depressão está tão comum que algumas instituições já a consideram um problema de saúde pública.


É claro que esses pacientes querem resolver questões particulares - “O maior problema do mundo é sempre o nosso”. Mas, há algum tempo, eles também têm se queixado dos problemas sociais. Às dificuldades íntimas, somam-se as enfrentadas por milhões de brasileiros, como a fome, a morte de bebezinhos, a falta de segurança, o trabalho escravo, o analfabetismo, a corrupção desenfreada, a falta de emprego, a miséria, a prostituição infantil, a desalentadora impunidade.


Assim, sintomas como tristeza, pessimismo, desesperança, cansaço físico e mental, sentimento de culpa, crises de choro, falhas de memória, dificuldade para tomar decisões, falta de concentração, alterações do apetite, do sono ou do desejo sexual, irritabilidade ou impaciência, vontade de sumir ou de morrer, típicos da depressão, são agravados pelos problemas do mundo em geral e do nosso país em particular.


Há gente que não mais consegue ler jornal ou assisti-los na TV. Todos os dias, lá estão notícias sobre crimes bárbaros, crise financeira, desvio de verbas públicas, corrupção, abuso de poder, acidentes violentos de trânsito, seqüestros, descaso das autoridades, tráfico de gente, de armas, de drogas. E percebemos que muito poderia ser evitado se houvesse melhor distribuição de renda e se milhões de Reais que pagamos a título de impostos, que deveriam ser direcionados para melhorar a vida de todos os brasileiros, não fossem desviados para os jatinhos, as lanchas, o scotch e o caviar de alguns, que por aí desfilam, deixando-nos a ver navios, no mau sentido, é claro.


E mesmo quando surgem boas novas como a operação Satiagraha, logo pipocam notícias como a da soltura de criminosos conhecidos, a do pedido para que o juiz Fausto de Sanctis seja investigado, a do envolvimento, enfim, de autoridades do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e até da mídia, ou seja, dos nossos quatro poderes, numa montanha de bandalheira. Desse jeito, não há quem não se deprima.


Mas, o que mais me preocupa é que a depressão, além dos sintomas já mencionados, traz um que considero o pior de todos – o medo paralisante, que nos impede de fazer o que precisa ser feito para salvar a nossa pele, a dos que nos são caros e a daqueles que estão doentes demais para se proteger. Que as forças que regem o Universo nos livrem desse flagelo maior! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


Quem quiser saber mais sobre depressão, diagnóstico e tratamento, encontrará, neste blog, os textos O GÊNIO E A DOR e DEPRESSÃO E MEDO.


Maraci Sant'Ana



19 de agosto de 2008

Grau de Investimento

Publicado em 12/7/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



O bicho tá pegando desde a última terça-feira, quando a Polícia Federal prendeu, na boca da madruga, entre outros, Daniel Dantas, dono do Opportunity, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o empresário Naji Nahas, acusados de se unirem em quadrilha para desvio de verbas públicas, crimes financeiros, corrupção e lavagem de dinheiro. A operação recebeu o nome Satiagraha, tal qual o movimento de resistência sem violência à ocupação britânica da Índia proposto por Mahatma Gandhi.

De lá pra cá, as opiniões sobre o trabalho da PF se dividiram - há quem elogie a ação como um todo; há quem enalteça a investigação, mas considere as prisões desnecessárias ou censure a forma como elas foram feitas; há quem discuta a legalidade e a conveniência de alguns aspectos, como o uso de algemas e armamento pesado, além da presença da imprensa; e há, até, conforme noticiado neste blog, quem defenda Daniel Dantas.

Além disso, já li e ouvi que tudo isso só está acontecendo porque este ano é de eleições; porque a Polícia Federal faz, do seu trabalho, um espetáculo, numa espécie de jogada de marketing institucional que se mostra muito útil, especialmente em época de reajuste salarial; e, até, que, no Congresso, a maioria dos parlamentares de oposição considerou a ação um capítulo do “jogo do poder dentro do PT”.

Entretanto, é inegável o fato de que a maioria da população delira com essas operações. Muita gente se sente vingada, de alma lavada, com as notícias da prisão de peixes graúdos. E, além da expectativa de que a ação da polícia iniba outros golpistas, que se sentiriam desencorajados, há um sentimento de totalidade e preenchimento resultante, segundo pesquisadores, de um senso biológico de justiça.

Não dá pra não pensar que, enquanto alguns têm, em casa, um milhão de Reais só pra pagar propina a servidores públicos, faltam recursos, por exemplo, nos hospitais como a Santa Casa de Belém, onde mais de 60 bebês morreram no último mês; faltam recursos para a Polícia Militar treinar os soldados, para que eles, por total despreparo, não matem a tiros as criancinhas; faltam recursos para construir escolas de alvenaria, para que possamos tirar nossas crianças de construções de lata, infernais no verão e gélidas no inverno – faltam recursos para saúde, segurança e educação.

De nada nos adianta vermos bandidos dessa espécie atrás das grades por meros “15 minutos”. O que efetivamente vai resolver é vermos a grana voltando aos cofres públicos, dinheiro de corrupção revertido em favor da sociedade, o mercado financeiro funcionando sem distorções, pessoas investindo sem medo, os sistemas trabalhando sem falhas e uma legislação moderna, compatível com o mundo em que vivemos e com as espertezas dominantes.

O desejo de vingança nos é praticamente inevitável. Somos seres ainda muito ignorantes espiritualmente e nos deixamos assaltar até mesmo por sentimentos que, ao menos lá no fundo, consideramos moralmente pobres. Mas a revanche, como a mentira, tem pernas curtas. O que deve nos interessar, o que devemos exigir é justiça. Nós não somos Gandhi, mas temos cá nosso Satiagraha. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

11 de agosto de 2008

Devendo até a alma

Publicado em 21/6/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes, coluna A Psicologia e o Dinheiro

O Fantástico do último domingo exibiu a matéria Quem deve mais – o homem ou a mulher?, que contou com a participação de três casais. Da entrevista, as seguintes declarações merecem destaque: “Acho que não tem coisa mais prazerosa do que comprar”, disse a assistente de vendas Isabel; “Quando eu vou a uma loja, eu vou lá e compro quatro ou cinco camisas de uma vez. É vício”, declarou o empresário José; “Eu acho que cabeleireiro é terapia”, afirmou a jornalista Núbia.

Se o tema entra em pauta quando menos se espera, quanto mais em uma época como esta, em que a inflação sopra seu bafo em nossos cangotes! E a tal matéria deixa claros alguns aspectos que preocupam, ou deveriam preocupar, independentemente da crise que acena para nós no melhor estilo Schwarzenegger “I’ll be back”. É ótimo querer e poder comprar. Mas qualquer pessoa em seu perfeito juízo consegue perceber que há alguma coisa errada com essas três figuras.

Muita gente gasta desnecessariamente, comete pequenas “loucuras”. Essas pessoas são estimuladas pela estabilidade da economia, pelo crédito fácil. São atraídas por alguns produtos ou serviços, pelas freqüentes “liquidações”, pelo modismo, pelo apelo do marketing, pela idéia de que precisam conquistar ou manter certo status. O resultado desses impulsos pode ir do arrependimento imediato à destruição de relacionamentos e famílias inteiras, passando por armários repletos de mercadorias que nem sequer sairão da embalagem.

Na matéria, um desanimado Mário, marido da jornalista Núbia, diz: “Eu gasto R$ 15 para cortar o cabelo em dois meses. Ela me gasta R$ 100 a R$ 150 por semana. Não dá assim. Fica difícil. E, neste momento, quero me solidarizar com ele – seiscentos reais, por mês, só com o cabelo? Ver no cabeleireiro um terapeuta? Embora muitos achem engraçada essa situação, ela é, em verdade, bastante séria e um importante sinal de alerta porque a coisa pode ficar ainda mais complicada. Quer saber por quê?

Porque existem também os compulsivos, gente que precisa consumir para se sentir bem, pessoas que não têm limite e que destroem a própria vida e a de quem as cerca, contraindo dívidas às vezes impagáveis. Para essas pessoas, as compras são antecedidas de um desejo incontrolável; acompanhadas de um sentimento de alívio, poder e felicidade; e seguidas de culpa e remorso. Esse mal é chamado oneomania e exige intervenção medicamentosa e psicoterápica, assim como outras dependências como a de álcool e demais drogas, de jogo, de sexo, de comida.

É lamentável que um assunto tão grave seja costumeiramente tratado como piada. Quem é ou tem um devedor compulsivo na família sabe exatamente que isso não tem a menor graça. Então, se você quiser saber mais sobre o assunto, poderá visitar os sites www.devedoresanonimos-rj.org; www.adroga.casadia.org; e www.simplicidadevoluntaria.com.

E vale também conhecer o Transtorno Bipolar de Humor. Muitos desses consumidores sofrem de TBH. No endereço http://maracisantana.blogspot.com/2007/06/bipolando.html, você encontrará um texto intitulado Bipolando. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

4 de agosto de 2008

Intermediários, especuladores e responsáveis

Publicado em 28/6/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,

coluna A Psicologia e o Dinheiro



No último sábado, nesta coluna, conversamos sobre pontos comuns entre teorias a respeito de controle de mercado e a intervenção das famílias quando os filhos estão passando por uma crise conjugal. O papo surgiu a partir do programa Expressão Nacional, da TV Câmara, que, sob o comando do jornalista Antônio Vital, debateu um problema que está mexendo com o mundo inteiro - a alta do preço dos alimentos.


Como eu disse na semana passada, não dá pra tocar em carestia dos alimentos sem falar em aumento do preço dos insumos, em protecionismo e em controle de mercado. Mas, o que também não dá é pra fugir da idéia de uma melhor distribuição de ganhos entre produtores e intermediários.


Não duvido de que é preciso que sejam adotadas medidas para garantir melhores resultados ao produtor, visto como o lado mais fraco desse cabo de guerra que é o mercado. Mas, embora não tenha sido o caso do programa em questão, chega a ser engraçado assistir a debates em que as pessoas aproveitam o momento pra descer a ripa nos intermediários e nos especuladores, como se eles fossem uma praga pior do que mosca branca ou gafanhoto.


Só que esses personagens não surgiram do nada, não se estabeleceram por acaso. Eles são cria do próprio mercado, o que equivale a dizer que foram gerados por nós, os não-intermediários e não-especuladores, a partir das nossas necessidades ou nas entranhas das brechas por nós deixadas no processo.


E, como acontece em toda relação de abuso, mal percebemos, no começo, o rumo que ela está tomando. Dessa forma, a situação vai se agravando, mais e mais, até que se torna insuportável - nesse momento, é fácil colocar a culpa nos outros e assumir o papel de vítima da conjuntura, de gente astuta, de aproveitadores. Mas gosto da idéia de que temos participação sempre que alguém consegue nos atingir. Não culpa, mas, responsabilidade.


Pensar assim pode trazer um peso que relutaremos em assumir. Entretanto, quando corajosamente despimos as vestes de refém e adotamos uma postura pró-ativa no processo, concluímos que o que nos aflige só pode ser por nós resolvido. Para isso, precisamos ampliar nossa visão, enxergar a situação como um todo, analisar o conjunto. É daí que saltará a solução. Simples, embora ainda nada fácil.


No caso dos intermediários, talvez as cooperativas sejam a melhor solução para os produtores, que nelas se fortalecem. No que diz respeito aos especuladores, talvez sejam necessárias leis mais modernas e eficazes, que evitem os excessos. Só não vale ficar parado. É nas mãos de quem sofre as conseqüências que está o poder de mudar o rumo das coisas. E isso serve pra qualquer tipo de relacionamento, qualquer situação de crise. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


Maraci Sant'Ana