28 de julho de 2008

O mercado e os casais

Publicado em 21/6/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


O programa Expressão Nacional, da TV Câmara, debateu, na edição do último dia 10, a alta dos preços dos alimentos. Participaram da discussão José Tubino, representante da FAO no Brasil; Roberto Ellery, economista da UnB; e os deputados Pedro Eugênio, do PT de Pernambuco, que preside a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, e Luiz Paulo Vellozo Lucas, do PSDB do Espírito Santo.

O papo girou em torno do aumento do consumo de alimentos; dos insumos, que estão mais caros; da especulação; do protecionismo. Falou-se na ineficácia de se tentar controlar o mercado, em que sempre há os que perdem e os que ganham; na grita que só acontece quando os agricultores estão ganhando; e na dificuldade de se assegurar que os ganhos vão para o produtor, não para o intermediário ou o especulador.

São muitos os pontos de polêmica. Mas considero as questões relacionadas a controle bastante interessantes. Há quem acredite que o mercado precisa estar dominado; há quem entenda que ele possui uma mão invisível que o auto-regula; e há quem defenda a livre iniciativa, mas admite que caiba ao Estado, em alguns casos, definir regras. Divergências desse tipo também acontecem, nas famílias, no que diz respeito especialmente às uniões recentes ou de cônjuges jovens.

Muitos pais, zelosos e/ou enfastiados com a própria união, dedicam-se a controlar o casamento dos filhos, alegando que conhecem melhor a vida e que têm o dever de proteger o interesse de seus rebentos. Há os que procuram consultórios como o meu em busca de aconselhamento para os filhos. Algo parecido com o princípio da economia socialista/comunista. Movidos pelas melhores intenções, mas, não raramente, sem o menor conhecimento do que está realmente acontecendo, intervêm a ponto de decidir pelo casal, que pode insistir em arrastar uma relação sem chance ou chegar a uma separação não amadurecida e cheia de mágoas, inclusive contra os interventores.

No outro extremo, estão os pais não menos zelosos e/ou enfastiados com a própria união que, por temerem a reação dos filhos ou partidários da política “entre marido e mulher, ninguém mete a colher”, não se envolvem nesses assuntos. Enxergam seus descendentes casados como pertencentes a outras famílias. Deixam que eles se virem como puderem, mesmo que o pau esteja quebrando. Talvez pudéssemos chamá-los de liberais-radicais, seguidores de Adam Smith para assuntos matrimoniais.

Mas gosto de pensar que a virtude não está nos extremos, mas no meio do caminho. Dar a chance para que os jovens casais ou os que passam por uma crise encontrem o ponto de equilíbrio, permitir e até estimular a auto-regulação é sinal de sabedoria, assim como intervir em casos de abuso, de risco para qualquer das partes. Muitas das loucuras vivenciadas nos ambientes domésticos não aconteceriam, muita dor poderia ser evitada se, numa real necessidade, pais e sogros atuassem como amorosas “agências reguladoras”.

A quem estiver interessado na polêmica que envolve a produção de biocombustíveis e a crise mundial dos alimentos, recomendo entrevista concedida pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), presidente da Frente Parlamentar Pró-Biocombustíveis, ao programa Palavra Aberta, da TV Câmara. O endereço eletrônico é tvcapalavraaberta20080509-01-001.wm.100. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

21 de julho de 2008

Entre regras e medidas pontuais

Publicado em 14/6/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,

coluna A Psicologia e o Dinheiro


Na segunda-feira, este blog reproduziu artigo de Ugo Braga, repórter especial do Correio Braziliense, que dizia: “Todo jornalista, vivo ou morto, guarda no bolso um punhado de obsessões... há alguns anos me afeiçoei a uma discussão... O caso é que não consigo ficar quieto quando ouço alguém falar... a respeito do paradoxo entre regras e medidas pontuais para resolver problemas.... não se trata de um debate pouco e besta... ele rendeu um Prêmio Nobel aos economistas Finn Kydland e Edward Prescott... Mais que isso, aparece a toda hora na nossa cara, animado feito coceira”.

Ele se referia à discussão quanto ao benefício de se estabelecer regras que impeçam a autoridade não-monetária de tomar medidas pontuais que possam interferir na política monetária. E as frases “não consigo ficar quieto” e “aparece a toda hora na nossa cara, animado feito coceira” dão o tom de um processo obsessivo. Posso acrescentar, caro Ugo, que isso não é “privilégio” dos jornalistas. Nós, psicólogos, também temos nossas ziquiziras. Aliás, todos os mortais as temos. Quer ver?

Quem nunca ouviu falar de transtorno obsessivo-compulsivo, o famoso TOC? Pois o mundo está cheio de gente que vive como refém do horror a determinadas cores, datas ou lugares; de fantasias sexuais incestuosas ou sacrílegas; de ter de lavar as mãos várias vezes ao dia; de ter de somar algarismos de placa de automóveis; de ter de verificar repetidas vezes se o forno está desligado. Esses pensamentos indesejáveis são chamados obsessões. Eles são intrusos, involuntários e reconhecidos, pelo próprio doente, como ilógicos. Os comportamentos deles resultantes são chamados compulsões.

A doença pode surgir de repente ou de maneira insidiosa. O pensamento obsessivo provoca no indivíduo uma aflição que pode ser uma verdadeira tortura. E a angústia só é aplacada pelo comportamento compulsivo, que, por mais estranho que ele possa parecer ao doente e àqueles que o cercam, é o que traz alívio. Lembra o que aconteceu na economia na semana passada – tensão seguida de desafogo.

Há muito o nosso Banco Central vem agindo como independente. Assim, qualquer movimento por parte de autoridade não-monetária que possa indicar uma interferência na política monetária agita o mercado. Foi esse o resultado das conversas do presidente Lula com o presidente Meirelles, justamente no dia em que se definiria a nova taxa Selic - algo parecido com o que sente quem está vivendo tranqüilamente e é assaltado pela idéia de que alguma coisa ruim pode acontecer se os degraus da escada de casa não forem rigorosamente recontados. Um sufoco!

Na economia, as coisas se acalmaram quando os porta-vozes da Fazenda e do Palácio do Planalto reafirmaram que o Copom continua com toda autonomia e que não há interferência política nesses assuntos, que são tratados de forma técnica. Em outras palavras - os degraus foram conferidos e estão todos lá. Ufa!

Mas quem quiser viver sem TOC precisará de mais do que declarações tranqüilizadoras, como as dos porta-vozes - deverá buscar ajuda médica e psicológica. Pior do que o pânico do mercado é o de ver o chinelo virado, não poder arrumá-lo e ficar com medo de vir a perder a mãe por isso. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

15 de julho de 2008

Uma questão de reconquista

Publicado em 7/6/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Na terça-feira, assisti a uma palestra, na Comunhão Espírita de Brasília, sobre o perdão. E, como sempre acontece naquele tipo de evento, a platéia encaminhou ao expositor diversas perguntas. Entre elas, esta me chamou mais a atenção: “Fui traída durante quase 15 anos e, não suportando mais, deixei meu marido. Hoje, dizendo que não pode viver sem mim, ele quer reconciliação, jurando que, desta vez, vai ser fiel. Não o odeio, mas não o quero de volta. Só que tenho sido pressionada por nossos filhos, que me cobram o perdão ao pai. O que fazer?”.

Até acredito que, para o tal homem, a vida esteja difícil ou, pelo menos, não esteja tão fácil, e que, agora, ele se disponha a ser fiel. E também dá pra entender que os filhos queiram o pai de volta, já que isso não significa apenas conforto emocional, mas também mais bem-estar material. Mas, pelo visto, parece que nada disso é o suficiente para que ela dê ao ex-marido uma nova chance. Não é só uma questão de perdão. Parece que o encanto se foi e que uma reconquista se impõe.

Acho que algo parecido aconteceu no caso da CPMF. Imagino que esse tipo de sentimento possa ter tomado conta dos que foram a favor do fim da contribuição e dos que são contra a criação da chamada CSS – Contribuição Social para a Saúde, um novo tributo, que funcionaria nos moldes do que foi derrubado no final do ano passado, só que com uma alíquota bem menor, de 0,1%, e destinação dos recursos exclusivamente para o setor.

Não apenas no fim daquele casamento, mas também na criação da CSS, as opiniões estão divididas. De um lado, temos os que apóiam o governo, argumentando que, com os R$ 10 bilhões de arrecadação, poderão ser garantidos benefícios como universalização do programa Saúde da Família; duplicação da frota de ambulâncias do Samu; reajuste da remuneração dos hospitais no SUS. Tal qual os filhos que lutam pela volta do pai, os pró-CSS acreditam que, sem esses recursos, a situação do setor vai ficar ainda pior, embora isso seja até difícil de imaginar.

No outro extremo, estão os que argumentam que o governo não precisa criar novo imposto porque já dispõe de recursos, que o que falta é vontade política para priorizar a área; que a CSS fará um estrago no bolso do cidadão; que o que precisa ser feito é o corte de gastos, que têm sido exorbitantes. Em outras palavras, como todo ex-marido que se preze, o governo deverá aprender a viver sem ela, a se virar, a encarar a nova situação só com os meios de que dispõe.

Mas acho que o mais difícil tem sido superar que recursos arrecadados com a CPMF foram desviados de sua função, deixaram de ser aplicados na saúde. Assim como acontece com aquele casamento, parece que a aprovação da CSS não é só uma questão de perdão, de se dar uma nova oportunidade. Parece que, também aí, para a reconciliação, uma reconquista se impõe. É simples, embora não vá ser fácil. É aguardar pra ver. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana


7 de julho de 2008

Repatriamento


Publicado em 31/05/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Nesta semana, eu conversava com uma amiga que, com a mãe e os irmãos, está vivendo um dilema - o pai quer voltar pra casa, mesmo tendo abandonado a família, há quase 30 anos, na maior dureza. A diferença é que ele, agora, além de arrependido, está cheio da nota. A dúvida é: aceitá-lo de volta e usufruir o que ele conquistou? Ou não perdoá-lo, mantê-lo distante e seguir uma vida de sacrifícios?

Isso me fez lembrar o Projeto de Lei 5228/05, do deputado José Mentor, do PT de São Paulo, que prevê anistia fiscal para quem repatriar recursos não-declarados mantidos no exterior, algo hoje entre R$ 90 bilhões e R$ 150 bilhões. A proposta também elimina a punição dos crimes relacionados à evasão desse dinheiro, que deverá permanecer aplicado no Brasil pelo prazo mínimo de dois anos.

Muitas são as opiniões a respeito do PL. Os que são contra protestam argumentando, inclusive: que a anistia fere a ética e a isonomia, considerando que isso seria a oficialização da lavagem de dinheiro e reforçaria a sensação de que o crime compensa; que, com mais dinheiro circulando, o Banco Central seria obrigado a manter juros elevados pra conter a inflação; que a valorização do real prejudicaria as exportações.

Os a favor apresentam, entre outros argumentos: que nem todos esses valores foram obtidos ilegalmente, já que muita gente, no passado, aplicou em outros países, devido à instabilidade da nossa moeda; que, com o repatriamento, a economia poderá usufruir de benefícios que têm sido privilégio de bancos e países estrangeiros; e que, permanecendo esses recursos lá fora, o Estado acaba cobrando mais do contribuinte comum, para cobrir o rombo gerado por quem levou o dinheiro para o exterior.

Nos dois casos, há questões morais que não podem ser ignoradas. No repatriamento, por mais cuidado que se tenha, corre-se o risco de se internalizar dinheiro do crime, embora tenha sido previsto no PL que a anistia não poderá ser usada para legalizar dinheiro oriundo, por exemplo, de tráfico de pessoas, armas ou drogas; contrabando; pornografia infantil; terrorismo; e extorsão mediante seqüestro. E, no caso da minha amiga, não se pode esquecer que as dificuldades enfrentadas pela família não foram só relativas a grana. E nem todas as marcas podem ser apagadas pelo dinheiro.

Nos dois casos, também há questões financeiras que não podem ser ignoradas, porque eles envolvem muita grana. A gente até pode acreditar que dinheiro não traz felicidade. Mas, vamos combinar, ele quebra um galhão, especialmente daqueles que precisam lutar bravamente pra ganhar o pão nosso de cada dia, como a maioria dos brasileiros e a família da minha amiga, que até hoje trabalha sem descanso.

Assim como aquele pai, talvez esses recursos não devessem ter deixado a casa, para permanecer aqui, firmes, junto com os demais, para o bem e para o mal. Mas o fato é que eles se foram e isso não pode ser mudado. E se hoje eles querem voltar e podem, assim, beneficiar quem aqui ficou, gemendo e chorando neste vale de lágrimas, por que não recebê-los de braços abertos? Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant"Ana

1 de julho de 2008

Investment Grade

Publicado em 24/5/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nune
scoluna A Psicologia e o Dinheiro


Acho uma maravilha essas entidades que provêem os mercados financeiros de informações sobre crédito, investimento e avaliação de risco. Isso permite aos investidores tomar decisões com mais confiança. Fico pensando como seria legal se tivéssemos instrumento assim para lançar mão nos relacionamentos amorosos. Já imaginaram uma Standard & Poor’s do Amor ?

Não vai longe o tempo em que as pessoas procuravam se conhecer antes do casamento. O noivado, nesse propósito, era determinante, um período de mais intimidade também entre as famílias, momento em que tudo e todos eram avaliados pelos dois lados. Não faltavam palpites quanto ao futuro da união – uns ótimos, outros péssimos, muitos bons. De qualquer forma, informações.

Hoje, não existe nada disso. As criaturas mal se conhecem e já vão pra cama. No período que deveriam dedicar ao namoro, começam a viver juntas. Muitos só vêm a conhecer a família do parceiro quando viajam para apresentar o neto aos avós. E há casos em que a separação acontece sem que os pais do marido tenham tido a oportunidade de conhecer os pais da mulher. Muito diferente do mercado financeiro, em que, inteligentemente, cada vez mais, as pessoas procuram se proteger.

Já imaginaram se, ao se interessar por alguém, a gente, de posse do CPF e do RG do outro, tivesse acesso a dados como estado civil; situação econômico-financeira; estado de saúde física e mental; estado de espírito de filhos e ex-mulheres; possíveis envolvimentos com a justiça, escândalos do Orçamento, Comando Vermelho ou Máfia Russa; casos de infidelidade; falta de convicção quanto à orientação sexual; religião; fantasias; dotes em geral, inclusive aqueles, por que não?, tudo isento de parcialidade e resumido em três letrinhas e um sinal, como BBB- e AAA+?

Logicamente, assim como acontece nas finanças, nem sempre as agências estariam de acordo. No começo deste mês, por exemplo, a Moody's Investors Service, ao contrário da Standard & Poor’s, negou ao Brasil a promoção ao grau de investimento, tal qual acontece quando a mãe da gente não suporta justamente aquele mesmo rapaz que nosso pai A-DO-RA e já trata como genro querido. Que dureza!

Isso sem falar nos casos em que ninguém acredita que a relação possa dar certo, só aquela vovozinha sabida que chama a gente num canto e diz: “Não se prenda a bobagens. O sujeito vale a pena!”. Exatamente como no caso do executivo Warren Buffett, considerado o homem mais rico do mundo pela Forbes, que ganhou muito dinheiro com o Real antes mesmo de o Brasil ser considerado um destino seguro para aplicações. Eta cara esperto! Viu o que ninguém mais via, arriscou e se deu bem.

Com algo assim, garanto que muitos dos casamentos não se realizariam e, conseqüentemente, muitos dos divórcios também não. Para o meu consultório, acredito que até seria financeiramente ruim. Mas penso que sobraria mais tempo pra gente investir em outras coisas se parássemos de ficar entrando e saindo de operações sentimentais que sempre terminam em prejuízo. Valeu irmã! Até sábado!

Maraci Sant'Ana