23 de março de 2009

Ao meu filho

Série "O Dinheiro e os Relacionamentos" - Parte 11


Publicado em 21/2/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Dezesseis de fevereiro de 2009 jamais deixará minha lembrança. Nesse dia, saiu o resultado do primeiro vestibular do ano para a Universidade de Brasília (UnB) e lá estava, na lista, o nome de meu filho, Igor, aprovado para Matemática. Foi uma felicidade muito maior até do que imaginei que sentiria. Não sei dizer se fiquei tão feliz quanto o novo universitário, mas certamente comemorei muito mais. Enquanto ele se limitava a receber os cumprimentos dos amigos, eu corria a telefonar e enviar mensagem a metade do mundo. Só mesmo uma mãe que viveu essa alegria pode entender tanta agitação.

E também me surpreendi com a reação das pessoas. Os cumprimentos não eram só para ele, mas também pra mim. E todos faziam os mesmos comentários, ressaltando o prestígio da UnB, que se estende aos que lá estudam ou se formaram, e a alegria de se ter um filho numa das melhores instituições de ensino superior do Brasil que, como se isso já não bastasse, ainda é pública, uma enorme tranquilidade para os alunos e, principalmente, para os pais desses alunos.

Quando pensamos em um filho numa universidade, é natural que venham à nossa mente as oportunidades que um curso superior lhe trará sob o aspecto do mercado de trabalho e sucesso financeiro, do conforto de que ele e a família que vier a formar poderão usufruir, do prestígio social que mais portas lhe abrirá. Claro que tudo isso é importante, mas é pouco para qualquer ser humano, principalmente se ele foi agraciado com um privilégio tão grande num país de tantas desigualdades sociais como o nosso.

Porque a UnB é muito mais do que uma universidade de excelência cercada de prêmios e menções honrosas. É um dos símbolos da capital federal. E não apenas por sua preocupação em produzir, integrar e divulgar conhecimento, mas pelo compromisso de formar cidadãos éticos, socialmente responsáveis, atentos ao desenvolvimento sustentável, ao respeito à diversidade, à liberdade intelectual, à preservação e à valorização da vida.

Porque a UnB é muito mais do que uma instituição de quase meio século de uma existência efervescente, que começou com o sonho do antropólogo Darcy Ribeiro. Ela é resultado do esforço de gente do naipe do arquiteto Oscar Niemeyer; do artista plástico Athos Bulcão; dos educadores Anísio Teixeira e Cristovam Buarque; dos estudantes Honestino Guimarães, que faz parte da lista dos desaparecidos políticos, e Waldemar Alves, baleado na cabeça num confronto com a ditadura militar; dos pedreiros Expedito Xavier Gomes e Gedelmar Marques, que morreram soterrados em um acidente durante a construção.

Porque a UnB é uma sobrevivente que suportou com firmeza diversas invasões por policiais militares e pelo Exército; o pedido coletivo de demissão de 1965, em que 209 professores e instrutores protestaram contra a repressão; as armas, a destruição e as prisões; a luta dos próprios alunos contra a má qualidade do ensino e a falta de infraestrutura; os protestos que, recentemente, derrubaram um reitor acusado de improbidade administrativa. É uma verdadeira fênix, que representa a esperança e a continuidade da vida após a morte, a capacidade de renascer das próprias cinzas.

Foi por tudo isso que, ao cumprimentar meu filho naquela tarde tão feliz, eu lhe disse que procure, nessa nova fase de sua vida, não apenas sucesso profissional, dinheiro, prestígio, mas algo que está muito além disso tudo; que, na qualidade de aluno, ele não se restrinja a receber o conhecimento, mas a conquistá-lo; que não se limite ao que pode lhe trazer o uso do cérebro, mas também o do coração; que busque o crescimento intelectual, mas, acima dele, o moral; que aproveite a convivência com os colegas para fazer grandes amizades porque com muitos ele conviverá pelo resto da vida e alguns o acompanharão tal qual irmãos de sangue; e que aproveite ao máximo os ensinamentos dos professores porque alguns merecerão dele, para sempre, o tratamento de mestre.

E, ao olhar bem dentro daqueles grandes olhos castanhos, eu lhe pedi que se comprometa a sempre usar o talento que possui e o conhecimento que certamente adquirirá em favor de todos com quem se encontrar de uma forma ou de outra; que, deixando de lado o egoísmo que ainda nos empobrece, coloque-se à disposição do Universo para fazer o possível e o impossível em favor dos necessitados, dos desfavorecidos, dos que o cercam, da Humanidade.

Porque, mais do que de profissionais inteligentes e preparados, precisamos de gente de verdade, com os pés na terra e os olhos voltados para o céu; de comprometimento; de seres humanos que entendam que as oportunidades que são dadas a alguns são resultado do suor de muitos, de todos nós que pagamos impostos desejosos de que eles sejam empregados da melhor maneira, de pessoas que jamais pisarão o campus, de milhões de analfabetos funcionais, de brasileiros que morrerão sem ter aprendido a ler.

Assim, o que desejo, de coração, é que não apenas meu filho, mas todos os que habitam as universidades, tenham sempre em mente que os poderes de que realmente necessitamos, os que fazem a diferença, os que nos levam muito além dos nossos sonhos mais fantásticos, são os que estão mergulhados nas profundezas das nossas almas.

E, a essas criaturinhas de Deus, deixo as palavras de Chico Xavier que, no poema Amorosamente, disse que um pequeno grão de alegria e esperança dentro de cada um é capaz de mudar e transformar qualquer coisa, pois a vida é construída nos sonhos e concretizada no amor! Valeu, Chico! Valeu, Igor, filho amado!

Maraci Sant'Ana

16 de março de 2009

Só o que é bom

Publicado em 14/2/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Nesta semana, este blog trouxe notícia intitulada Caixa e a lei de Ricúpero: Mostra o que é bom, esconde o que é ruim. A nota fez menção a conselho que teria sido dado há 15 anos pelo então ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, de que devemos esconder o que é ruim e só mostrar o que é bom. Assim, a Caixa Econômica Federal, ao divulgar os resultados do ano passado, teria ignorado os números referentes ao último trimestre, período em que a crise mundial bateu forte no país, chegando a reduzir o lucro total de 2007 como forma de mostrar um crescimento maior em comparação com o ganho de 2008.

Parece coisa de começo de relacionamento, em que nos empenhamos em salientar nossas qualidades e disfarçar os defeitos, que só poderão ser descobertos aos poucos, com o tempo. Conheço um ginecologista, com quem já participei de palestras e entrevistas, que nos aconselha a nunca nos casarmos ou termos filho antes de completos 18 meses da relação. Segundo ele, é o tempo em que não apenas as máscaras iniciais caíram, mas também a paixão sossegou o suficiente para que possamos enxergar o outro como ele é ou, pelo menos, perto disso.

Em outras palavras, no auge do romance, além de naturalmente nos esforçarmos para esconder o que é ruim e só mostrar o que é bom, vender um sonho de felicidade, contamos com a ajuda do parceiro, que tende a ignorar qualquer coisa que vá contra a imagem do amor ideal. E o resultado disso pode ser péssimo porque, um dia, “a casa cai” e, de tanta paixão, poderá restar apenas susto, dor, tristeza, mágoa, revolta, ódio.

No grupo Para sobreviver a um grande amor, ouço sempre relatos de relacionamentos horríveis, muitos envolvendo abusos de toda ordem, que tiveram começos fantásticos, vertiginosos, que nada ficavam a dever aos encontros românticos que acontecem nas novelas que encantam tanta gente. São histórias lindas, cheias de emoção, de sonhos, de promessas, em que pessoas se esforçam para parecer o que não são e veem no parceiro apenas o que lhes interessa, o que combina com o momento mágico vivido.

Se temos o cuidado de procurar conhecer realmente o outro, deixando de lado a ilusão de que existe no mundo alguém que aqui está para corresponder às nossas expectativas; se temos a coragem de ler as entrelinhas, de prestar atenção aos detalhes, ao que acontece não apenas nos grandes momentos, mas também no dia-a-dia; se nos dispomos a ouvir nossa voz interior, aquela que grita “cuidado!” quando algo estranho acontece, damos prova de maturidade, de respeito a nós mesmos e ao outro, mesmo que esse outro não esteja pronto para se respeitar ou nos respeitar.

Todos temos características luminosas, mas também outras que ainda habitam o reino das sombras. E elas se manifestam alternadamente, em nós e nos outros também. Todos somos capazes de produzir mel, tal qual as abelhas, mas também de ferroar. Todos temos qualidades e defeitos. E só podemos dizer que amamos ou somos amados quando enxergamos o outro como ele é e somos por ele também vistos como somos. Ninguém pode dizer que ama alguém que, em verdade, nem conhece. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana


*Interessados em participar do grupo de terapia PARA SOBREVIVER A UM GRANDE AMOR poderão obter mais informações falando comigo pelo telefone (61) 9967.0990.

10 de março de 2009

Em Frangalhos


Série "O Dinheiro e os Relacionamentos" - Parte 10


Publicado em 7/2/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Foi impressionante o acidente ocorrido na última quarta-feira com um ônibus da Viação Planeta que vinha de Santa Maria e capotou embaixo do viaduto do balão do aeroporto. Ele envolveu cerca de 80 pessoas e, além de uma mulher morta, deixou 53 feridos. Mas tão impressionantes quanto são os números divulgados pelo Correio Braziliense, que traduzem a precariedade do transporte coletivo no Distrito Federal – 140.490 problemas graves apontados pela fiscalização, que comprometem a segurança dos passageiros e aumentam o risco de acidentes; falhas elétricas em 28,7% dos casos, estruturais em 14,4%, de suspensão em 8,11% e nos freios em 6,8%; 34% da frota com mais de sete anos de uso, sendo que alguns veículos com quase vinte.

São ônibus velhos, muitos caindo aos pedaços, em frangalhos, que poluem o meio ambiente e circulam colocando em risco condutores, cobradores, passageiros, outros motoristas e pedestres; que quebram pelo caminho; que estão constantemente atrasados e superlotados; que tremem tanto que deixam a impressão de que não chegarão inteiros ao final da viagem; em que o calor, a barulheira e a sujeira são insuportáveis.

Quando acontece um acidente, o que ouvimos das pessoas é que elas têm medo de andar de ônibus, que os riscos são grandes, que a velocidade está sempre acima do seguro ou do permitido e que as freadas bruscas são frequentes, assim como os avanços de sinal, os finos tirados de outros veículos. É muita imprudência, pouquíssima demonstração de respeito e responsabilidade, nada de atitude. E quando um condutor trafega dentro da lei, respeitando os limites de velocidade e os sinais de trânsito, os próprios passageiros reclamam, dizendo que têm horário a cumprir.

Tudo gira em torno de dinheiro. Empresários gananciosos querem ganhar cada vez mais; o serviço por eles prestado é, na melhor das hipóteses, o mínimo exigido por lei, em qualidade e quantidade; as condições de trabalho impostas a motoristas e cobradores são horríveis - os salários são baixíssimos, a jornada é estafante, a cobrança é desumana. Além disso, as autoridades governamentais parecem coniventes, já que fiscalização e providências efetivas, quando acontecem, são consequências de grandes desastres ou de denúncias feitas pela imprensa.

Só que, pior do que tudo isso é nossa incapacidade de nos proteger, de proteger nossas crianças e velhos. Entra ano, sai ano, entra governo, sai governo e as promessas não se cumprem. E continuamos a permitir que nos tratem dessa forma, como se não fossemos merecedores de nada melhor, de um transporte digno, enquanto aqueles que vivem dessa exploração desfilam seus carrões, indiferentes à sorte dos que mofam nas paradas de ônibus, dia e noite, no sol ou na chuva, à espera de um transporte lamentável, vergonhoso.

Mas, como sempre digo, também isso já foi pior. E, um dia, será ótimo, quando nós, que ainda não tomamos as rédeas de nosso destino, aprendermos que tudo o que fazemos de bom ou ruim tem consequências, desdobramentos; quando, livres dessa ignorância que nos embota, enxergarmos quem realmente somos, nem mais nem menos do que até aqui supomos; e finalmente entendermos que só nos atingem quando o permitimos, que o poder não está nas mãos dos que se julgam poderosos, mas daqueles que o concedem. Valeu irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Anna


Os interessados nos grupos de terapia Para sobreviver a um grande amor, para mulheres adultas e adolescentes que viveram ou estão vivendo um relacionamento amoroso problemático; TOC, para adultos e adolescentes que sofrem de Transtorno Obsessivo-Compulsivo; e PÂNICO, para adultos e adolescentes que sofrem de Síndrome do Pânico, poderão falar comigo no telefone (61)9967.0990.

2 de março de 2009

Vale a pena negociar?

Publicado em 31/1/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Por mais que digam que o Brasil não será derrubado pela crise, por mais que insistam em afirmar que estamos com a economia em ordem e que vamos continuar crescendo – em um ritmo menor, mas crescendo - não dá para relaxar quando a OIT anuncia que 50 milhões de pessoas, em todo o mundo, até o final deste ano, poderão perder seus empregos, que cerca de 200 milhões de trabalhadores, a maioria em países em desenvolvimento, poderão ser levados à pobreza extrema. Assim, a cada dia, vemos surgir propostas que têm o objetivo de evitar mais desemprego. E o JN de 22 de janeiro nos trouxe a seguinte questão: Vale a pena negociar direitos em troca de garantia de emprego?

A matéria cita o caso de uma empresa de Jacareí que propôs aos empregados redução do salário e da jornada; da ArcelorMittal, que acordou que cada empregado fique de três a cinco meses de licença, recebendo 55% do salário mais um auxílio do governo para programa de treinamento; da Vale, que propôs, a parte do seu pessoal, redução do salário com licença remunerada e manutenção dos benefícios até o fim de maio. E, em reportagem semelhante, o Jornal da Globo da última terça-feira citou o caso da Randon, que propôs que, até o fim de abril, os operários de sete das nove fábricas de Caxias do Sul deixem de trabalhar cinco dias por mês, com um corte de 10% nos salários; e do Pólo Nacional de Duas Rodas, que fechou com os empregados que eles ganharão o mesmo salário trabalhando de terça a sexta-feira, o que significaria economia em energia, transporte e alimentação.

Nessas horas, as opiniões invariavelmente se dividem. Segundo noticiado, a CUT é contra as propostas, alegando que alguns empresários estão se aproveitando do momento para reduzir custos com o sacrifício dos trabalhadores; a Força Sindical diz que esses acordos podem ser a saída para evitar demissões; e o ministro do Trabalho defende a liberdade de negociação entre trabalhadores e empregadores. Se pararmos para ouvir todo mundo, certamente encontraremos lógica em cada posicionamento, em cada argumentação. Se há riscos em se flexibilizarem direitos, também não podemos esquecer que é melhor uma parcela de alguma coisa a cem por cento de nada.

Em seu discurso de posse, Barack Obama deixou claro que a economia americana está enfraquecida não apenas por conta da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas de erros cometidos por todo o povo. Ao se posicionar dessa maneira, o 44º presidente dos EUA repartiu responsabilidades, já que se posicionar como vítima não ajuda ninguém nessas horas, não instiga à superação, não leva ao crescimento. E ao falar que os trabalhadores não perderam a capacidade de produzir ou de inventar, mas que a época de proteger patentes e interesses limitados, e de adiar decisões desagradáveis já passou, ele me traz a idéia de que os homens continuam tão talentosos quanto eram antes da crise, mas que a realidade mudou e que a ela todos precisamos nos adaptar, sem distinção, para que possamos sobreviver.

Na coluna de sábado passado, a leitora Taíse comenta que, em viagem recente, viu de perto um Brasil “de crianças descalças que nunca tiveram acesso a tratamento dentário, mas que recebem um visitante com cativante sorriso, de adultos com poucos recursos e instrução, mas que têm disposição para compartilhar alimento e abrigo com quem necessite” e completa perguntando: “Será esse o segredo? Olhar menos para o próprio umbigo ou para o olho do furacão e em vez disso olhar em volta? O que cada um de nós tem feito para melhorar o mundo ao nosso redor? Não ignoro a crise e seus desdobramentos, mas acredito que passaremos por ela se não deixarmos de enxergar o que há além dela”.

Parece que o discurso de Taíse se afina com o de Obama quando ele diz: “Por mais que um governo possa e deva fazer, é em última análise na fé e na determinação do povo americano que esta nação confia. É a bondade de acolher um estranho quando as represas arrebentam, o desprendimento de trabalhadores que preferem diminuir suas horas de trabalho a ver um amigo perder o emprego que nos assistem em nossas horas mais sombrias. É a coragem de um bombeiro para invadir uma escadaria cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai para criar uma criança que finalmente decidem nosso destino”.

As pessoas, estadistas e leitores, andam inspiradas e inspiradoras. Elas tornam fácil a escrita desta coluna. Elas nos mostram que altos e baixos fazem parte da vida, que às vezes é preciso mexer nos direitos de alguns em favor da maioria, que os momentos de crise são para analisar o que é realmente necessário, cortar supérfluos, rever projetos e estratégias, na certeza de que toda situação, por pior que se apresente, tem um lado bom. A crise de 1929, por exemplo, fez surgir uma nova ordem econômica mundial. E, como dizem os economistas, o dinheiro não vai sumir, apenas mudará de mãos, mais uma vez. Valeu, Obama, Valeu, Taíse, Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana