2 de março de 2009

Vale a pena negociar?

Publicado em 31/1/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Por mais que digam que o Brasil não será derrubado pela crise, por mais que insistam em afirmar que estamos com a economia em ordem e que vamos continuar crescendo – em um ritmo menor, mas crescendo - não dá para relaxar quando a OIT anuncia que 50 milhões de pessoas, em todo o mundo, até o final deste ano, poderão perder seus empregos, que cerca de 200 milhões de trabalhadores, a maioria em países em desenvolvimento, poderão ser levados à pobreza extrema. Assim, a cada dia, vemos surgir propostas que têm o objetivo de evitar mais desemprego. E o JN de 22 de janeiro nos trouxe a seguinte questão: Vale a pena negociar direitos em troca de garantia de emprego?

A matéria cita o caso de uma empresa de Jacareí que propôs aos empregados redução do salário e da jornada; da ArcelorMittal, que acordou que cada empregado fique de três a cinco meses de licença, recebendo 55% do salário mais um auxílio do governo para programa de treinamento; da Vale, que propôs, a parte do seu pessoal, redução do salário com licença remunerada e manutenção dos benefícios até o fim de maio. E, em reportagem semelhante, o Jornal da Globo da última terça-feira citou o caso da Randon, que propôs que, até o fim de abril, os operários de sete das nove fábricas de Caxias do Sul deixem de trabalhar cinco dias por mês, com um corte de 10% nos salários; e do Pólo Nacional de Duas Rodas, que fechou com os empregados que eles ganharão o mesmo salário trabalhando de terça a sexta-feira, o que significaria economia em energia, transporte e alimentação.

Nessas horas, as opiniões invariavelmente se dividem. Segundo noticiado, a CUT é contra as propostas, alegando que alguns empresários estão se aproveitando do momento para reduzir custos com o sacrifício dos trabalhadores; a Força Sindical diz que esses acordos podem ser a saída para evitar demissões; e o ministro do Trabalho defende a liberdade de negociação entre trabalhadores e empregadores. Se pararmos para ouvir todo mundo, certamente encontraremos lógica em cada posicionamento, em cada argumentação. Se há riscos em se flexibilizarem direitos, também não podemos esquecer que é melhor uma parcela de alguma coisa a cem por cento de nada.

Em seu discurso de posse, Barack Obama deixou claro que a economia americana está enfraquecida não apenas por conta da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas de erros cometidos por todo o povo. Ao se posicionar dessa maneira, o 44º presidente dos EUA repartiu responsabilidades, já que se posicionar como vítima não ajuda ninguém nessas horas, não instiga à superação, não leva ao crescimento. E ao falar que os trabalhadores não perderam a capacidade de produzir ou de inventar, mas que a época de proteger patentes e interesses limitados, e de adiar decisões desagradáveis já passou, ele me traz a idéia de que os homens continuam tão talentosos quanto eram antes da crise, mas que a realidade mudou e que a ela todos precisamos nos adaptar, sem distinção, para que possamos sobreviver.

Na coluna de sábado passado, a leitora Taíse comenta que, em viagem recente, viu de perto um Brasil “de crianças descalças que nunca tiveram acesso a tratamento dentário, mas que recebem um visitante com cativante sorriso, de adultos com poucos recursos e instrução, mas que têm disposição para compartilhar alimento e abrigo com quem necessite” e completa perguntando: “Será esse o segredo? Olhar menos para o próprio umbigo ou para o olho do furacão e em vez disso olhar em volta? O que cada um de nós tem feito para melhorar o mundo ao nosso redor? Não ignoro a crise e seus desdobramentos, mas acredito que passaremos por ela se não deixarmos de enxergar o que há além dela”.

Parece que o discurso de Taíse se afina com o de Obama quando ele diz: “Por mais que um governo possa e deva fazer, é em última análise na fé e na determinação do povo americano que esta nação confia. É a bondade de acolher um estranho quando as represas arrebentam, o desprendimento de trabalhadores que preferem diminuir suas horas de trabalho a ver um amigo perder o emprego que nos assistem em nossas horas mais sombrias. É a coragem de um bombeiro para invadir uma escadaria cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai para criar uma criança que finalmente decidem nosso destino”.

As pessoas, estadistas e leitores, andam inspiradas e inspiradoras. Elas tornam fácil a escrita desta coluna. Elas nos mostram que altos e baixos fazem parte da vida, que às vezes é preciso mexer nos direitos de alguns em favor da maioria, que os momentos de crise são para analisar o que é realmente necessário, cortar supérfluos, rever projetos e estratégias, na certeza de que toda situação, por pior que se apresente, tem um lado bom. A crise de 1929, por exemplo, fez surgir uma nova ordem econômica mundial. E, como dizem os economistas, o dinheiro não vai sumir, apenas mudará de mãos, mais uma vez. Valeu, Obama, Valeu, Taíse, Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

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