22 de dezembro de 2008

Circuit breaker

Publicado em 08/11/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Foi preciso o Vicente me convidar a fazer esta coluna para que eu me desse ao trabalho de procurar entender o significado de expressões como circuit breaker. Busquei informações na internet e lá encontrei que se trata de um mecanismo utilizado pelas Bolsas de Valores para interromper um pregão, ou seja, paralisar os negócios por um tempo determinado toda vez que o índice tem variação maior que um determinado nível percentual. É um mecanismo de proteção, de segurança para evitar oscilações bruscas e amenizar a situação do mercado.

Parecidas com isso são aquelas pausas imprescindíveis de que lançamos mão quando estamos discutindo com alguém e percebemos que a conversa não terá um final feliz se continuar naquele tom. É o momento em que a gente se retira pra esfriar a cabeça, respirar fundo, beber uns bons goles de água, olhar o horizonte, tomar um banho frio. Porque há conversas que, se não forem interrompidas, deixarão mágoas e remorsos, manchas que teremos dificuldade em apagar. Assim, é melhor darmos um tempo e recomeçarmos em outro momento, talvez no dia seguinte, se o problema não tiver se solucionado por si só. Muitas coisas são resolvidas durante uma boa noite de sono.

Até aí, está fácil, não? Difícil é quando as discussões são retomadas, mas não rendem. Vira e mexe, lá está o assunto em pauta. Basta que um sinalize para que o outro revire os olhos, desanimadoramente, ou solte um “Jesus, acendei a luz!”. Mesmo que a conversa inicie em tom ameno, termina virando um bate-boca dos infernos. E é esse tipo de embate que desilude, desgasta, faz a gente desejar nunca ter conhecido aquela criatura, pensar que o Universo conspira contra nós, cobrar uma explicação de Deus para a nossa desventura, invejar a vida e o relacionamento dos outros, adoecer, envelhecer antes da hora. São essas colisões que levam os casais a uma relação infeliz e à separação. A maioria dos problemas não escapa de uma boa conversa. Mas o que fazer quando eles parecem ter vindo pra ficar?

Infelizmente, nem sempre conseguimos resolver as questões com um papo franco e honesto, mesmo que estejamos dispostos a isso, porque tem gente que não sabe conversar. Há aqueles que não conseguem falar e, diante do outro, ficam paralisados, por exemplo, e há os que não conseguem ouvir, interrompendo a todo instante, gritando, concluindo pelo outro. Passa-se de uma frase mal terminada a outra, de um mal entendido a outro. E o que deveria aproximar acaba por afastar ainda mais.

Assim, quando o tête-à-tête não rola legal, costumo sugerir o diálogo por meio de carta. Quando escrevemos, somos donos do nosso tempo. Podemos colocar no papel tudo o que sentimos, sem o risco de sermos interrompidos, de deixarmos coisas pela metade ou mal ditas. Além disso, damos ao outro a oportunidade de ler nossa carta aos poucos e até várias vezes, no tempo dele, sem atropelos, sem imposições.

Mas não se trata de escrever, pura e simplesmente, o que seria dito de boca. Tem de haver uma estratégia. Proponho começar pelo começo, dizendo, por exemplo: “O que me leva a escrever é a vontade de me entender com você”. Seja sincero, verdadeiro. Diga exatamente o que pensa e o que sente sobre o assunto. E aproveite para falar como percebe o comportamento do parceiro, sem acusações, sem leituras mentais. Termine de forma amorosa e sugira resposta também por escrito.

Troquem todas as cartas necessárias à solução do problema. Mas não deixem de lado os outros assuntos. O que estiver fluindo bem no relacionamento não deve ser prejudicado em momento algum. Ao contrário, deve ser preservado. Em outras palavras, nada de se concentrar no que vocês ainda não conseguiram. É preciso ter olhos para ver e valorizar aquilo que já deu certo na relação. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

15 de dezembro de 2008

Gatos muito vivos

Série "O Dinheiro e os Relacionamentos" - Parte 6


Publicado em 1º/11/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


O assunto de hoje foi sugerido por um leitor, o Caio, que postou o seguinte comentário: “Cara Maraci, creio que um tema bem legal para você tratar nessa sua coluna seriam as disputas dentro do trabalho. É um querendo comer o outro. Vejo, na minha empresa, que as pessoas falam mal de quem ganha mais, sendo que o correto seria ver essa pessoa como parâmetro, pois indica que há espaço para todos progredirem. Por que a tendência das pessoas é de nivelar por baixo?”


Caio,

Conhece a expressão “Ninguém chuta gato morto”? Esse comportamento a que você se referiu é próprio do ser humano imaturo, ou seja, nós. Você não vê ninguém se dando ao trabalho de pichar quem está mal, ganhando pouco, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. O alvo das maledicências é sempre aquele que está por cima. E isso independe de competência ou merecimento. Se até Jesus Cristo foi criticado, perseguido e crucificado, o que não podemos esperar do mundo, nós, pobres criaturas tão imperfeitas? Estar em posição superior, cheio de prestígio e vantagens tem um preço, como tudo na vida.

Também não é nada fácil ocupar uma posição de inferioridade nesse aspecto, mesmo que ela esteja de acordo com nosso merecimento, mesmo que estejamos conscientes de que não fazemos jus a nada melhor no momento. Porque todos temos sonhos que esbarram na falta de dinheiro – coisas que não podemos comprar, serviços pelos quais não podemos pagar, projetos sempre adiados. É dureza levar uma vida de “nãos”. E, pra muita gente, é praticamente impossível virar a própria mesa, dar um rumo diferente às coisas, melhorar.

Talvez o pior seja quando nos sentimos e somos merecedores, e passamos por uma situação bem parecida com a descrita por Lupicinio Rodrigues na música Nervos de aço, que diz o seguinte: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma mulher, e depois encontrar esse amor, meu senhor, nos braços de um outro qualquer? Você sabe o que é ter um amor, meu senhor, e por ele quase morrer, e depois encontrá-lo em um braço que nenhum pedaço do seu pode ser?...”. Assim como é difícil vermos um amor nos braços de alguém que nem chega aos nossos pés, não é nada fácil olhar “pra cima” e ver, em situação de poder, gente despreparada e até mesmo pessoas que nem deveriam andar soltas por aí.

Para muitos, talvez o pior seja quando nos sentimos merecedores, não o somos realmente, e não conseguimos nos acertar com a vida na hora em que ela vem nos cobrar por tudo o que dela usufruímos indevidamente. E, para outros, talvez o pior seja quando, mesmo merecedores, assim não nos vemos, também incapazes de uma auto-avaliação sadia, e passamos todo o tempo a chutar a sorte, jogando fora excelentes oportunidades, boicotando nosso próprio sucesso, impossibilitados de sermos bons para nós mesmos.

Posição totalmente feliz, creio que não há nenhuma. Mas sempre podemos e devemos, dependendo da situação em que nos encontremos, estar atentos às críticas que nos são dirigidas, já que, em geral, nem todas são maldosas ou infundadas; buscar uma vida melhor, a exemplo de tantas pessoas incríveis que fizeram e fazem história contra todas as expectativas; cuidar para não sermos nem condescendentes nem intransigentes com nós mesmos, mas justos; e, finalmente, procurar entender que a vida pode ser dividida em coisas que já podemos mudar e coisas que ainda não podemos mudar. Se estivermos numa situação em que nada possamos fazer, o melhor é relaxar. Não precisamos apressar o rio porque ele corre sozinho. Valeu irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

8 de dezembro de 2008

Os pressupostos e os cenários

Publicado em 25/10/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Vocês estão lembrados da coluna do dia 11, da história da caderneta do seu Biu? Pois aquele caso deu pano pra mangas. Quando recebi a mensagem com a piada, eu a repassei pra minha irmã, Maristela, que teceu uma série de comentários a respeito da crise americana. Falou sobre os juros muito baixos durante a gestão de Allan Greenspan, do FED; da quantidade de gente que pegou empréstimo, os tais subprime de hipoteca de imóvel; da alta dos juros; da inadimplência; da ruína de tudo o que pertencia àquela cadeia de aplicações. E concluiu dizendo o quanto o planejamento é importante para um bom negócio e o quanto uma criteriosa análise de cenários e de riscos é fundamental para um bom planejamento.

Mas ela não parou por aí. Pra facilitar meu entendimento sobre ações de longo prazo não poderem se basear em pressupostos de curto prazo, ela usou o seguinte exemplo: a paixão pode ser considerada pressuposto de curto prazo. Casamento com base em paixão tende a entrar em falência logo. O ideal é que a união se baseie em amor, esse sim um pressuposto de longo prazo. E a respeito da necessidade de análise de cenários e riscos, ela usou a seguinte figura: uma mulher de 20 anos se une a um homem de 60. Daqui a 15 anos, ela será uma balzaquiana de 35 casada com um idoso de 75. Se ela decidir ter um filho dele aos 40, pelo método tradicional, o maridão, já com oitentinha, vai precisar de um bocado de Viagra. Engraçadinha, a minha irmã, não acham?

Piadinhas à parte, o que ela disse é muito sério. E, observando bem a forma como lidamos com as coisas da vida, fica claro que não temos o hábito de analisar cenários, muito menos riscos. Ao contrário, tendemos a nos prender a detalhes, em detrimento do todo, e a só visualizar o que nos agrada, esquecidos de que tudo tem um preço. O resultado disso podem ser, por exemplo, profissionais insatisfeitos. Querem ver como não é nada difícil detectarmos gente que não planejou, pelo menos não bem, a própria vida? Observe os aposentados da sua família. Há algum que parece ter perdido o lugar no mundo, que vive correndo de um médico pra outro, sempre se queixando de alguma doença? Toda família tem pelo menos uma criatura assim. E não é difícil entender o porquê.

Quando chega a hora de escolhermos uma profissão, ou mesmo muito antes disso, somos bombardeados com opiniões diversas. Sempre haverá aqueles que nos aconselharão a priorizar a estabilidade, os que nos orientarão a procurar algo que dê muito dinheiro, os que nos estimularão a buscar nossa vocação. Mas ninguém lembrará de nos dizer, por exemplo, que nem todo cirurgião plástico será um Pitanguy, assim como nem todo arquiteto será um Niemeyer, e que, pra chegarmos lá ou superá-los, precisaremos estudar muito, abrir mão de muitos outros prazeres. Também não nos dirão que nem todo profissional ficará rico e que muitos que o conseguiram tiveram de passar pelo estágio não-remunerado, pelo trabalho gratuito, pela ralação dia e noite.

Assim, quem quiser ter uma aposentadoria feliz deverá começar a planejá-la no momento da escolha profissional. E aí vão algumas dicas: se ainda não sonha com uma carreira, converse com alguém que possa ajudá-lo a pensar sobre isso, como um parente próximo ou um orientador vocacional; uma vez feita a escolha, procure conhecer a profissão, saber como está o mercado de trabalho, qual o ganho médio, as oportunidades de concurso, como seria trabalhar por conta própria. Pesquise na internet, procure quem já estiver no ramo, outros estudantes, professores; de posse desses dados, analise os prós e os contras, pra decidir se está disposto a pagar o preço que a vida cobrará pela sua escolha; se sua resposta for sim, comece a correr atrás do seu projeto, tendo em mente que você deverá se ocupar dele pelos próximos 30 anos, pelo menos.

Vejo a vocação como algo muito importante. Entretanto, se você decidir priorizar outras questões, lembre-se de que poderá fazer aquilo de que gosta como hobby e, se for o caso, a ele se dedicar plenamente após a aposentadoria. Mas, se vier a se decidir a partir dos seus desejos mais íntimos, saiba que quem faz o que gosta de fazer atrai o sucesso, tem mais chances de ficar milionário e nunca se aposenta de fato porque vive com a sensação de que não trabalha realmente. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

1 de dezembro de 2008

Síndrome de mendigo

Série “O dinheiro e os relacionamentos” – 5ª. parte

Publicado em 18/10/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Em mensagem a esta coluna, a leitora Ângela disse o seguinte: ”... A impressão que tenho é a de que as pessoas estão mais insensíveis, só pensam em ganhar dinheiro, ficar ricas, se darem bem na vida. Mas de que adianta dinheiro se não se tem saúde, se não se tem um grande amor? Tem gente que passa até fome para não gastar dinheiro. Para mim isso é demais, é passar dos limites”.

Ângela,

Você nos trouxe um assunto sério. Vivemos num mundo material que gira em torno do dinheiro e do que ele pode comprar. É natural que nos esforcemos para manter uma reserva, recursos de que possamos vir a lançar mão em alguma eventualidade. Mas há pessoas que parecem não ter limites. E, assim como há aquelas que gastam o que têm e o que não têm, há as que, como você mesma disse, passam até fome para economizar, literalmente apavoradas com o dia de amanhã.

São pessoas que podem entrar em pânico só de pensar em comprar ou pagar por algo, mesmo que se trate de um objeto ou de um serviço de que estejam precisando ou que seja bem baratinho. São assaltadas por pensamentos do tipo: ”Não, não preciso disso realmente”, “Isso não é para mim”, “Não posso me dar a esse luxo”, “Há outras prioridades”. Algumas só admitem adquirir mercadorias com defeito que estejam em liqüidação. E essa postura pode se estender a necessidades básicas como alimentação e cuidados médicos. Se alguém as acusa de sovinice, avareza, pão-durismo, elas logo se defendem se dizendo econômicas, precavidas. Não hesitam em recitar a fábula da cigarra e da formiga, argumentando que estão sendo conscienciosas, trabalhando no verão para ter conforto e segurança no inverno.

É claro que, de vez em quando, essas pessoas se arriscam e, contra todos aqueles pensamentos condenatórios que as perseguem, cometem alguma “loucura” como comprar um par de sapatos novos ou obturar um dente há tempos esburacado. O resultado de “tanto desprendimento” costuma ser um sentimento de culpa arrasador. Além disso, há outra particularidade – às vezes, com o parceiro ou os filhos, elas são extremamente generosas, mão-aberta, não vendo nisso nada de mais. O resultado podem ser mulheres elegantemente vestidas acompanhadas de homens trajando o terno que o pai falecido usava quando jovem, ou mães molambentas que caminham pela rua alguns passos atrás da filha patricinha que faz de conta que nem a conhece.

Uma vida assim, de privações ilógicas, é terrivelmente penosa. O estresse provocado vai destruindo essas pessoas e os relacionamentos que possam ter. E a tortura não costuma arrefecer com o passar dos anos. Ao contrário, a tendência é o agravamento da necessidade de fiscalização e controle. Se investigarmos a vida dessas criaturas, poderemos encontrar, mesmo nesta vivência, sem a necessidade de maior aprofundamento, situação de privação material. Mas certamente encontraremos situação de privação emocional.

A Síndrome de mendigo é uma doença e como tal deve ser tratada. Assim, quem achar que se enquadra no que aqui está descrito, deve procurar ajuda. Podemos até lidar com uma infância ou adolescência de pouco dinheiro, mas dificilmente superaremos com naturalidade a falta do amor que nos teria ajudado a nos transformarmos em adultos emocionalmente saudáveis. Valeu, Ângela! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana