23 de setembro de 2008

As bolhas das rodadas

Publicado em 30/8/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


A Veja publicou, neste mês, entrevista em que Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) teria dito que “A diplomacia brasileira apostou todas as suas fichas no G20 e em Doha. E falhou duplamente”. Para o empresário, o governo errou não apenas por ter negligenciado acordos bilaterais, na esperança de que os países ricos diminuíssem os subsídios bilionários, mas, principalmente, por ter relegado a solução de mazelas internas, bem mais determinantes para o desenvolvimento do agronegócio.

Segundo o entrevistado, se erradicasse a febre aftosa, por exemplo, o Brasil poderia elevar em 1 milhão de toneladas a venda de carne de porco – o equivalente a dez vezes o ganho potencial com Doha; se o nosso sistema de rastreamento de animais tivesse credibilidade, poderíamos aumentar em muito as exportações de carne bovina para a Europa; se tivéssemos uma vigilância sanitária eficiente, poderíamos alavancar as exportações de frutas. Para ele, nosso sucesso depende mais da solução de problemas domésticos que de negociações comerciais complexas. No Brasil, houve uma glamourização da Rodada Doha, uma expectativa de que, a partir dela, o país fosse alçado ao Primeiro Mundo.

Sem entrar no mérito dessas questões, o cenário apresentado parece com o da educação no Brasil. Há uma glamourização do curso superior, mas a realidade não tem o menor charme. As crianças, em especial as que dependem da rede pública, terminam o ensino fundamental como analfabetas funcionais - conseguem juntar letras em palavras, mas não sabem ler. Dali, seguem para o ensino médio, de onde saem totalmente despreparadas para o vestibular ou o mercado de trabalho. Assim, os jovens que precisam ganhar a vida encontram enorme dificuldade para conseguir até mesmo subempregos. Pressionados, tentam investir num curso superior, que se lhes apresenta como uma tábua de salvação.

Totalmente sem chances de ingressar numa boa universidade, menos ainda numa gratuita, caem nas garras das instituições que se multiplicam mais do que ratos e oferecem cursos ruins e caríssimos, a partir de um vestibular que até um estudante em coma é capaz de superar. Em geral, o resultado disso tudo é uma avalanche de pessoas com diploma de curso superior, mas sem competência para disputar uma boa colocação, que, desiludidas, continuarão nos subempregos. Isso se não tiverem desistido, no meio do caminho, falidas, incapazes de pagar as exorbitantes mensalidades.

Será que não seria melhor investir na educação básica, realmente preparando as crianças para o ensino médio? Será que não seria melhor se essa segunda fase fosse também uma preparação profissional, que permitisse a todos, além de tentar o vestibular, encontrar um lugar no mercado de trabalho? Um país como o Brasil precisa muito de técnicos. O serviço público e as indústrias que aí estão e que vêm chegando, por exemplo, têm vagas para esse pessoal. Aliás, bons alunos de boas escolas técnicas costumam sair de lá já contratados. Uma vez com uma formação e um emprego digno, não ficaria mais fácil para esses jovens ingressarem numa universidade que valesse a pena? Será que, aí, não teríamos profissionais realmente superiores?

Penso que cuidar do ensino fundamental seria como erradicar a febre aftosa. Dar também uma preparação técnica ao jovem durante o ensino médio seria como investir em acordos bilaterais. Ingressar numa boa universidade já com uma base de conhecimentos, uma profissão e um mínimo de segurança financeira seria como fechar um acordo vantajoso numa rodada de negociações da OMC, como a Doha. Aí, sim, coisa de Primeiro Mundo. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


Maraci Sant'Ana





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