8 de setembro de 2008

As rodadas Doha de cada dia

Publicado em 2/8/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro

Fracassaram as tentativas de se liberalizar o comércio entre os países-membros da OMC. Sete anos de negociações, que deveriam abrir mercados, terminaram, nesta semana, em desilusão, literalmente derrubados por medidas protecionistas. Foram nove dias, mais de 100 horas de discussões intensas e nenhum acordo. Resumidamente, o desastre foi atribuído à intransigência de Índia e China, que não abriram mão de um nível alto de salvaguarda a seus agricultores e indústrias, e à inflexibilidade dos EUA, que exigiam acesso a esses mercados, em troca do corte de subsídios agrícolas. Chega a um triste fim a Rodada Doha.


É desanimador vermos desperdiçada uma chance histórica de se estimular a prosperidade do mundo em desenvolvimento. Mas a Rodada Doha também será lembrada como o momento em que restou claro que o poder não mais está concentrado na Europa e nos Estados Unidos, que empurravam suas decisões goela abaixo do resto do mundo. Países como Brasil, China e Índia agora têm vez e voz. É pena que tenha sido esse o preço da nova distribuição de forças, porque todos perdemos, em especial os países mais pobres, justamente aqueles que mais precisam de proteção, de salvaguardas especiais.


Mas o que aconteceu em Genebra não é muito diferente do que vemos todos os dias nas famílias, em que pais vivem em eterna negociação com filhos. De repente, um impasse que exige um acordo - ambos os lados acreditam estar com a razão e lutam para resguardar seus interesses. Dependendo, basicamente, do poder detido pelos envolvidos, e isso está condicionado a fatores como idade, situação financeira e amadurecimento emocional, as tratativas serão mais ou menos difíceis. Quanto mais desequilíbrio de forças, mais facilmente se chega a um “acordo”.


Quando os filhos são muito jovens e dependentes, as divergências são resolvidas com tranqüilidade para os pais, que, desavisados, mandam e desmandam, fazem e acontecem, às vezes agindo como ditadores, mesmo que bem-intencionados. Só que estes deverão lembrar que os filhos não ficarão pequenos e dependentes para sempre. Eles crescerão e chegará o momento em que os olharão de frente, olhos nos olhos, de igual para igual, agora, sim, também poderosos, tal qual os chamados países emergentes estão fazendo com os desenvolvidos. Quanto mais equilíbrio de forças, menos facilmente se chega a um acordo, embora este sim tenda a ser legítimo.


Dizem que os filhos vêm ao mundo para ocupar todos os espaços e a gente cá está, aguardando por eles, exatamente para evitar que eles ocupem todos os espaços. Portanto, essas situações fazem parte das relações entre pais e filhos. E a idéia é que, com elas, aprendamos a ser melhores como seres humanos. Muito do futuro desses relacionamentos está nas mãos dos filhos. Mas acho que a maior responsabilidade é dos pais.


Assim, sempre que nos defrontarmos com aqueles que estão sob nossa responsabilidade, lembremo-nos de ser firmes quando preciso, flexíveis se possível e amorosos sempre. A nossa postura como negociadores será determinante na daqueles com quem teremos de negociar mais pra frente. Porque os filhos aprendem não com o que dizemos a eles, mas com as nossas atitudes. Se soubermos ser justos, coerentes, flexíveis e amorosos, eles assim tenderão a agir, quando o poder migrar das nossas para as mãos deles. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


Maraci Sant'Ana

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