Publicado em 11/10/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro
“Isso é uma forma didática de explicar a crise americana: O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça "na caderneta" aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados. Porque decidiu vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha. O sobrepreço é o que os pinguços pagam pelo crédito. O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador com emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia. Mais adiante, uns seis zécutivos de banco lastreiam os tais recebíveis e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS, PQP ou qualquer outro acrônimo desses usados pelo economistas e afins, que ninguém sabe exatamente o que significam. Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial ninguém conhece - as tais cadernetas do seu Biu. Esses derivativos são negociados como títulos sérios, com fortes garantias reais, no mercado de 73 países. Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro pra pagar as contas. O Bar do seu Biu vai à falência e toda a cadeia se dana.”
O texto acima me foi enviado por um amigo da época da Caixa, o Luis Guadanhim. Desconheço a autoria, mas reconheço que ele é ótimo, inclusive porque mostra como uma manobra banal, que todo dono de boteco conhece, pode gerar um problemão. No caso, o seu Biu calculou mal ou nem calculou os riscos de vender fiado. As vendas certamente aumentavam, já que os fregueses, empolgados com a facilidade de não precisar pagar à vista, bebiam cada vez mais. Em contrapartida, as chances de ele vir a receber só diminuíam. Os bebuns que estavam empregados caminhavam a passos largos para o desemprego; os que estavam desempregados viam as oportunidades de emprego passarem lá longe. O resultado disso poderia ter ficado restrito à falência do seu Biu e à desgraceira dos fregueses. Mas a coisa foi mais longe.
O gerente do banco em que seu Biu mantinha conta, já fazendo planos com o dinheiro que acreditava poder ganhar com a tal caderneta, resolveu entrar no negócio, mas parece também não ter analisado o cenário, prendendo-se apenas aos recebíveis, que aumentavam a cada dia, graças à desgraça dos cachaceiros. E os tais dos zécutivos, então, nem se fala - ouviram o galo cantar, mas não se preocuparam em saber onde. Acreditando que o gerente tinha descoberto o negócio da China, incrementaram uma cadeia de transações a partir do quê? Eles não sabiam, mas a partir da expectativa de que bêbados desempregados ou prestes a perder o emprego honrem dívida de boteco. Por mais que os fregueses do seu Biu lhe fossem leais, e por menos que eles tivessem a intenção de lhe dar o calote, não dava pra confiar nessa bondade por muito tempo, não é mesmo? Como disse a minha irmã, Maristela, ações de longo prazo não podem se basear em pressupostos de curto prazo.
Resumindo, toda aplicação exige planejamento, que não pode prescindir da análise de cenário e risco. Isso vale pra investimentos financeiros ou não. Se você pensa se casar, por exemplo, fique atento! Observe o namoro. Se ele vai bem, as coisas estão fluindo, o casamento pode dar certo, embora não haja total garantia. Se o casamento vai bem, as coisas estão fluindo, ter filhos pode ser enriquecedor, embora também não haja total garantia. Os prós e os contras exigem respeitoso exame e cada fase requer uma nova análise porque a decisão de incrementar uma cadeia demanda embasamento. E nada de dar uma de zécutivo, bancando a maria-vai-com-as-outras. O mundo está lotado de gente que, por imprudência, baseada em pressupostos de curto prazo, quebrou a cara tal qual os bancos americanos. Valeu, Guadanhim! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!
O texto acima me foi enviado por um amigo da época da Caixa, o Luis Guadanhim. Desconheço a autoria, mas reconheço que ele é ótimo, inclusive porque mostra como uma manobra banal, que todo dono de boteco conhece, pode gerar um problemão. No caso, o seu Biu calculou mal ou nem calculou os riscos de vender fiado. As vendas certamente aumentavam, já que os fregueses, empolgados com a facilidade de não precisar pagar à vista, bebiam cada vez mais. Em contrapartida, as chances de ele vir a receber só diminuíam. Os bebuns que estavam empregados caminhavam a passos largos para o desemprego; os que estavam desempregados viam as oportunidades de emprego passarem lá longe. O resultado disso poderia ter ficado restrito à falência do seu Biu e à desgraceira dos fregueses. Mas a coisa foi mais longe.
O gerente do banco em que seu Biu mantinha conta, já fazendo planos com o dinheiro que acreditava poder ganhar com a tal caderneta, resolveu entrar no negócio, mas parece também não ter analisado o cenário, prendendo-se apenas aos recebíveis, que aumentavam a cada dia, graças à desgraça dos cachaceiros. E os tais dos zécutivos, então, nem se fala - ouviram o galo cantar, mas não se preocuparam em saber onde. Acreditando que o gerente tinha descoberto o negócio da China, incrementaram uma cadeia de transações a partir do quê? Eles não sabiam, mas a partir da expectativa de que bêbados desempregados ou prestes a perder o emprego honrem dívida de boteco. Por mais que os fregueses do seu Biu lhe fossem leais, e por menos que eles tivessem a intenção de lhe dar o calote, não dava pra confiar nessa bondade por muito tempo, não é mesmo? Como disse a minha irmã, Maristela, ações de longo prazo não podem se basear em pressupostos de curto prazo.
Resumindo, toda aplicação exige planejamento, que não pode prescindir da análise de cenário e risco. Isso vale pra investimentos financeiros ou não. Se você pensa se casar, por exemplo, fique atento! Observe o namoro. Se ele vai bem, as coisas estão fluindo, o casamento pode dar certo, embora não haja total garantia. Se o casamento vai bem, as coisas estão fluindo, ter filhos pode ser enriquecedor, embora também não haja total garantia. Os prós e os contras exigem respeitoso exame e cada fase requer uma nova análise porque a decisão de incrementar uma cadeia demanda embasamento. E nada de dar uma de zécutivo, bancando a maria-vai-com-as-outras. O mundo está lotado de gente que, por imprudência, baseada em pressupostos de curto prazo, quebrou a cara tal qual os bancos americanos. Valeu, Guadanhim! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!
Maraci Sant'Ana