3 de novembro de 2008

Sobre pais, filhos e heranças

Série “O dinheiro e os relacionamentos” – 3ª. parte


Publicado em 20/9/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro




A coluna de 23 de agosto trouxe o seguinte comentário do leitor AMARAL: “... Realmente as pessoas estão apegadas demais a dinheiro, só pensam nisso, perderam os valores... Imagine que, perto de minha casa, um pai nem havia sido enterrado e já estavam brigando pela partilha de bens.”

Amaral,

Quando morre um pai ou uma mãe, esperamos ver os filhos tristes. Foge a nossa compreensão que, num momento assim, os pensamentos deles estejam voltados para algo diferente de saudade. Entretanto, nem sempre é o que acontece. Por esses dias, li, num livro Espírita, que as relações familiares costumam ser complicadas porque cada indivíduo se manifesta de forma única; e que natureza e educação conspiram para criar um efeito de superposição entre as criaturas, mas os ajustes ainda não são perfeitos, embora um dia venham a ser não obstante a ignorância que nos cerca e preenche. Não conheço a história por você trazida, mas, no que se refere ao relacionamento entre pais e filhos, acho que valem certas observações.

Penso numa criança como alguém que sofrerá a influência dos adultos que a cercarão e da sociedade como um todo, mas que, ao nascer, já trará uma bagagem formada ao longo de muitas vivências. Assim, não é possível prevermos a forma como esse ser vai lidar com dinheiro, por exemplo. Ela poderá estar ou não de acordo com a criação que a ele for dispensada, porque não temos o controle que imaginamos ter sobre nossos filhos. Isso não significa que podemos simplesmente “lavar as mãos” e deixá-los por conta própria. Ao contrário, temos o dever de caprichar, sem perder de vista que eles aprendem principalmente com nossos exemplos.

Vivemos num mundo cada vez mais exigente quanto a “ter”, em prejuízo do “ser”. Além disso, idealizamos, para nossas crianças, uma vida materialmente tranqüila. Por essas e outras é que tanta gente se empenha em acumular. Quem deixou bens é alguém que já os tinha e se preocupou em preservá-los, pelo menos em parte, ou que construiu um patrimônio, tentando ser previdente. Mas há quem já inicie a vida profissional pensando na aposentadoria, na velhice, na morte, no que deixará para os filhos que possa vir a ter. Em outras palavras, estamos sujeitos a errar na dose e, não raramente, trabalhamos tanto que mal olhamos para os nossos filhos. Daí que eles podem crescer com uma visão bem distorcida do valor de coisas como relações familiares e dinheiro, independentemente de serem eles mesmos os alvos de nossos esforços e boas intenções.

Não dá para afirmar que foi isso o que aconteceu com seu vizinho. Mas não é nada difícil localizarmos, em nosso cenário, pais que, tentando escrever certo, terminam se atrapalhando nas linhas tortas e passando aos filhos a idéia de que era esta sua única ou principal missão com eles – a de prover de matéria. Assim, uma vez que eles deixarem de existir fisicamente, perderão essa capacidade e, portanto, o valor. Seus lugares passarão a ser ocupados pelos bens que puderem transmitir aos herdeiros.

Só não se ressintirão com tudo isso aqueles que conseguirem se movimentar de acordo com suas crenças mais íntimas, que fizerem pelos filhos mais do que a sociedade prescreve, que deles respeitosamente nada esperarem e que deixarem a vida com o sentimento do dever cumprido. Valeu, Amaral! Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

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