Publicado em 15/8/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro
coluna A Psicologia e o Dinheiro
Na semana passada, iniciamos uma discussão a respeito de barriga de aluguel. Como tem acontecido na série sobre Michael Jackson, um assunto que parecia restrito à vida das celebridades mostrou-se parte do nosso cotidiano. Foram levantadas situações e os leitores, convidados a ser coautores. Assim, Selma nos conclamou a levar adiante o debate; Emy trouxe questionamentos sobre a relação entre o feto e a mulher que o carregou no ventre; Ana Carolina, sobre a melhor forma de se educar uma criança, independentemente de como ela tenha sido gerada; Gloria, sobre serem consideradas questões financeiras, legais, contratuais, culturais e sociais, e a necessidade de se garantir o equilíbrio do novo ser; e José Stélio registrou dois comentários, um sobre os desafios da adoção e outro em que sugeriu que fosse discutido o que é ser mãe. E acho que podemos começar nossa conversa de hoje exatamente por aí.
O que é ser mãe? Em uma situação de barriga de aluguel, podemos ter uma mulher que recebeu dinheiro para carregar no ventre e parir uma criança gerada a partir do óvulo de outra. Ou podemos ter uma mulher que foi paga para gerar e parir uma criança que será entregue a outra. No primeiro caso, quem é a mãe? E no segundo? Para muitas pessoas, o vínculo genético é decisivo - a mãe é a que entrou com o óvulo. Não deixa de ser um prisma interessante, mas será que podemos resumir o ser mãe dessa forma? Como ficariam, então, as mulheres que geram, parem e matam seus filhos, ou os condenam à orfandade em uma vida sem amor? Poderiam essas serem chamadas de mãe? E como ficariam as adotivas, as que recebem com amor crianças que foram geradas por outras? Essas não seriam mãe? O que elas seriam, então?
Para outras pessoas, decisiva é a vontade - a mãe é aquela que desejou a criança. Outro ponto de vista a considerar. Mas, como fica a mulher que forneceu a carga genética e a barriga para que alguém viesse ao mundo, mesmo que para ser criado por outra? Será que a participação dela foi assim irrelevante? Já imaginou como seria se a mulher que sonhou com a criança não tivesse encontrado essa outra mulher, em condições de realizar esse sonho, inclusive correndo riscos, até de morte? Como aquele novo ser viria ao mundo? Parece que um nascimento envolve muito mais do que a vontade de ser mãe, não é mesmo?
Também há os que pensam que uma mulher perde qualquer direito à maternidade se recebeu dinheiro para dar à luz uma criança, mesmo que também tenha fornecido o óvulo para fecundação. Será que, dessa forma, podemos resumir o que é ser mãe? Será que tudo se reduz a uma questão financeira? Será que qualquer mulher aceitaria dar à luz uma criança para ser criada por outra? Ou será que algumas não fariam isso nem por todo dinheiro do mundo? Será que uma mulher que aceita esse encargo não é alguém que precisa muito de dinheiro? Isso faz dela uma pessoa menor? Será que todas as que pagam para outra parir seus filhos o fazem por uma impossibilidade de elas mesmas carregarem suas crianças no ventre? Ou algumas apenas não querem passar pelos incômodos de uma gestação? Parece que um nascimento também envolve muito mais do que dinheiro.
Agora, vamos colocar mais lenha nessa fogueira. Há casos de mulheres que pariram, mas se recusaram a amamentar a criança, com medo de estabelecer um vínculo afetivo. Algumas tinham fornecido o óvulo e também alugado o ventre; outras tinham sido apenas hospedeiras. Nesses casos, podemos nos arriscar a dizer que, em qualquer das duas situações, o que pesou para essas mulheres não foram nem os laços genéticos nem o carregar por nove meses, apenas. Talvez, para elas, a relação só se estabeleça no segurar a criança ao colo, no aconchegá-la, no amamentá-la, um momento de rara intimidade. Minha mãe e minha irmã amamentaram os próprios filhos e filhos de outras pessoas. Será que elas também podem ser consideradas mães dessas crianças? O que significa ser mãe de leite? Ou o peso está na combinação dar o útero e dar o peito?
Por outro lado, há quem diga que mãe é a que cria, que dá de mamar, que acalenta, que acompanha nas cólicas, na doença, no nascimento dos dentinhos, nos primeiros passos, nos trabalhos escolares. Nesse caso, como ficam as babás? Muitas mulheres geraram e pariram seus filhos, mas eles são criados por profissionais que ganham para dar mamadeiras, papinhas e banhos; trocar fraldas; contar histórias e brincar; consolar na dor e nos pesadelos. Algumas chegam a ser babás também dos filhos dessas crianças. Será que essa profissional, só por estar sendo paga, é menos mãe do que a mulher que pariu a criança? Será que ela é menos mãe do que alguém que cedeu em aluguel a barriga? Nós não vemos dificuldade em pagar uma profissional para cuidar, com essa intimidade, de nossas crianças. Por que tanto problema em alguém receber dinheiro para hospedar, no ventre, o filho desejado por outra?
Lembram da história em que o Rei Salomão decide uma questão de maternidade? Duas mulheres tiveram filhos juntas; um dos filhos morreu e a mãe dele, inconformada, disputava o sobrevivente com a outra, dizendo-se a verdadeira. Foram até o palácio do Rei Salomão e contaram-lhe a história. Ele mandou chamar um dos guardas e lhe ordenou: "Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma". Falado isso, uma das mães começou a chorar e disse: "Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus", enquanto a outra disse: "Para mim, é justo". Salomão, reconhecendo a mãe na primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho e que levassem a falsa mãe para a prisão perpétua.
O rei poderia ter a certeza da ascendência daquela criança? Certeza mesmo, não. Vamos imaginar que um exame de DNA demonstrasse que a mãe biológica era a que achou justo que se cortasse o bebê. Dá para imaginar Salomão, conhecido por sua sabedoria, entregando a criança a ela? Acho que ele passaria por cima do resultado e daria o bebê à falsa. Nesse caso, o teste era absolutamente desnecessário. Ele partiu da ideia de que a verdadeira era aquela que se dispunha a abrir mão da criança, passando por cima do próprio sofrimento para que ela vivesse, mesmo com outra. E pra você? O que é ser mãe?
Nossa discussão está no começo. Quero muito saber o que você pensa sobre barriga de aluguel. Comente este texto. Divulgue-o. Convoque seus amigos a participar também. O que aqui for dito poderá embasar a decisão daquelas criaturas de Deus que nos representam no Legislativo. Lembre que há vários projetos de lei, para disciplinar a matéria, em tramitação. Então, participe! No sábado, estaremos juntos novamente.
O que é ser mãe? Em uma situação de barriga de aluguel, podemos ter uma mulher que recebeu dinheiro para carregar no ventre e parir uma criança gerada a partir do óvulo de outra. Ou podemos ter uma mulher que foi paga para gerar e parir uma criança que será entregue a outra. No primeiro caso, quem é a mãe? E no segundo? Para muitas pessoas, o vínculo genético é decisivo - a mãe é a que entrou com o óvulo. Não deixa de ser um prisma interessante, mas será que podemos resumir o ser mãe dessa forma? Como ficariam, então, as mulheres que geram, parem e matam seus filhos, ou os condenam à orfandade em uma vida sem amor? Poderiam essas serem chamadas de mãe? E como ficariam as adotivas, as que recebem com amor crianças que foram geradas por outras? Essas não seriam mãe? O que elas seriam, então?
Para outras pessoas, decisiva é a vontade - a mãe é aquela que desejou a criança. Outro ponto de vista a considerar. Mas, como fica a mulher que forneceu a carga genética e a barriga para que alguém viesse ao mundo, mesmo que para ser criado por outra? Será que a participação dela foi assim irrelevante? Já imaginou como seria se a mulher que sonhou com a criança não tivesse encontrado essa outra mulher, em condições de realizar esse sonho, inclusive correndo riscos, até de morte? Como aquele novo ser viria ao mundo? Parece que um nascimento envolve muito mais do que a vontade de ser mãe, não é mesmo?
Também há os que pensam que uma mulher perde qualquer direito à maternidade se recebeu dinheiro para dar à luz uma criança, mesmo que também tenha fornecido o óvulo para fecundação. Será que, dessa forma, podemos resumir o que é ser mãe? Será que tudo se reduz a uma questão financeira? Será que qualquer mulher aceitaria dar à luz uma criança para ser criada por outra? Ou será que algumas não fariam isso nem por todo dinheiro do mundo? Será que uma mulher que aceita esse encargo não é alguém que precisa muito de dinheiro? Isso faz dela uma pessoa menor? Será que todas as que pagam para outra parir seus filhos o fazem por uma impossibilidade de elas mesmas carregarem suas crianças no ventre? Ou algumas apenas não querem passar pelos incômodos de uma gestação? Parece que um nascimento também envolve muito mais do que dinheiro.
Agora, vamos colocar mais lenha nessa fogueira. Há casos de mulheres que pariram, mas se recusaram a amamentar a criança, com medo de estabelecer um vínculo afetivo. Algumas tinham fornecido o óvulo e também alugado o ventre; outras tinham sido apenas hospedeiras. Nesses casos, podemos nos arriscar a dizer que, em qualquer das duas situações, o que pesou para essas mulheres não foram nem os laços genéticos nem o carregar por nove meses, apenas. Talvez, para elas, a relação só se estabeleça no segurar a criança ao colo, no aconchegá-la, no amamentá-la, um momento de rara intimidade. Minha mãe e minha irmã amamentaram os próprios filhos e filhos de outras pessoas. Será que elas também podem ser consideradas mães dessas crianças? O que significa ser mãe de leite? Ou o peso está na combinação dar o útero e dar o peito?
Por outro lado, há quem diga que mãe é a que cria, que dá de mamar, que acalenta, que acompanha nas cólicas, na doença, no nascimento dos dentinhos, nos primeiros passos, nos trabalhos escolares. Nesse caso, como ficam as babás? Muitas mulheres geraram e pariram seus filhos, mas eles são criados por profissionais que ganham para dar mamadeiras, papinhas e banhos; trocar fraldas; contar histórias e brincar; consolar na dor e nos pesadelos. Algumas chegam a ser babás também dos filhos dessas crianças. Será que essa profissional, só por estar sendo paga, é menos mãe do que a mulher que pariu a criança? Será que ela é menos mãe do que alguém que cedeu em aluguel a barriga? Nós não vemos dificuldade em pagar uma profissional para cuidar, com essa intimidade, de nossas crianças. Por que tanto problema em alguém receber dinheiro para hospedar, no ventre, o filho desejado por outra?
Lembram da história em que o Rei Salomão decide uma questão de maternidade? Duas mulheres tiveram filhos juntas; um dos filhos morreu e a mãe dele, inconformada, disputava o sobrevivente com a outra, dizendo-se a verdadeira. Foram até o palácio do Rei Salomão e contaram-lhe a história. Ele mandou chamar um dos guardas e lhe ordenou: "Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma". Falado isso, uma das mães começou a chorar e disse: "Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus", enquanto a outra disse: "Para mim, é justo". Salomão, reconhecendo a mãe na primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho e que levassem a falsa mãe para a prisão perpétua.
O rei poderia ter a certeza da ascendência daquela criança? Certeza mesmo, não. Vamos imaginar que um exame de DNA demonstrasse que a mãe biológica era a que achou justo que se cortasse o bebê. Dá para imaginar Salomão, conhecido por sua sabedoria, entregando a criança a ela? Acho que ele passaria por cima do resultado e daria o bebê à falsa. Nesse caso, o teste era absolutamente desnecessário. Ele partiu da ideia de que a verdadeira era aquela que se dispunha a abrir mão da criança, passando por cima do próprio sofrimento para que ela vivesse, mesmo com outra. E pra você? O que é ser mãe?
Nossa discussão está no começo. Quero muito saber o que você pensa sobre barriga de aluguel. Comente este texto. Divulgue-o. Convoque seus amigos a participar também. O que aqui for dito poderá embasar a decisão daquelas criaturas de Deus que nos representam no Legislativo. Lembre que há vários projetos de lei, para disciplinar a matéria, em tramitação. Então, participe! No sábado, estaremos juntos novamente.
Maraci Sant'Ana