20 de abril de 2009

Desde Adão e Eva

Série "O Dinheiro e os Relacionamentos" - Parte 12


Publicado em 7/3/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Desde que essa série sobre o dinheiro e os relacionamentos começou, graças a sugestão da leitora Isabel, tenho pensado em escrever sobre o quanto e de que forma a falta ou o excesso de grana pode interferir na vida dos casais. Entretanto, nesses sete meses, outras coisas foram surgindo e, especialmente no que diz respeito a este trabalho, procuro deixar as ideias fluírem naturalmente, no melhor estilo “não apresse o rio; ele corre sozinho”. Mas hoje surgiu uma pequena oportunidade. Ela me foi trazida pelo gerente de um grande banco federal.

Estava eu na agência, aguardando atendimento, quando ouvi a seguinte frase: “Mulher só serve pra perturbar, fazer filho e tirar o dinheiro dos homens”. É claro que o rapaz não falava sério. Ele até arrancou risos de algumas mulheres que estavam na fila do caixa. Mesmo porque todo mundo sabe, ou pelo menos imagina, que, se as mulheres, num surto de vingança, retirassem os depósitos feitos no tal banco, restaria um montão de machistas desempregados que teriam de dar graças a Deus se tivessem uma esposa em condições de manter a casa.

Só que essa história me lembrou uma vivida por uma ex-paciente que chegou ao consultório já em processo de separação, completamente transtornada porque o marido havia decidido deixá-la sob a alegação de que seria humanamente impossível, vivendo com ela, prosperar economicamente, aumentar o patrimônio da família, poupar para a velhice; que ela era uma deslumbrada, uma esbanjadora que só pensava em gastar; e que não aguentava mais as faturas dos cartões de crédito. Pelo menos era essa a argumentação que ele usava.

O espanto dessa mulher era tanto que ela chegou a levar ao consultório as malditas faturas. E lá estavam registrados gastos com compras de supermercado e verdurão, combustível, escola dos garotos, farmácia, papelaria. Nada de boutique, joalheria, cabeleireiro, academia ou massagista. Tudo discriminado, para quem quisesse ver. Ela só não entendia como ele não entendia, justo ele, economista de uma multinacional. Porque a responsável por efetuar as compras e os pagamentos era ela, conforme haviam combinado desde o começo do casamento. Porque, por orientação dele mesmo, ela sempre usava o cartão de crédito, que era religiosamente pago na data de vencimento. Aquela situação a estava deixando louca!

Depois de algumas semanas, finalmente conheci o tal marido. E não foi preciso um segundo encontro para que eu tivesse confirmadas minhas suspeitas – o deslumbrado, o esbanjador que só pensava em gastar era ele. Enquanto a mulher se vestia de forma até simplória para o padrão de vida que levavam, ele se apresentava na última moda. Enquanto ela comprava roupa em lojas de departamento, ele não abria mão das grifes mais badaladas. Enquanto ela usava relógio e óculos comprados na Feira dos Importados, ele tinha no pulso uma jóia. Enquanto ela dirigia um carro com cinco anos de uso, ele desfilava um do ano, do tipo “cheguei e tô chegado”.

A verdade é que, desde o tempo de Adão e Eva, homens e mulheres se desentendem. E quando entra dinheiro no meio... “sapo da boca maldita, coruja que tem bigode!”. Entretanto, talvez o pior não sejam os desentendimentos, mas os não-entendimentos, o que acontece quando, por exemplo, alguém, incapaz de abrir o jogo, de ser leal com o parceiro, lança mão de artimanhas estapafúrdias, de clichês para não dizer talvez a única coisa que necessariamente deveria ser dita, mesmo que dura, difícil.

Nosso pequeno mundo está cheio de mulheres que perturbam? Está, de mulheres e homens. De mulheres que parecem só saber fazer filhos? Está, de mulheres e homens. De mulheres que tiram o dinheiro dos homens? Também de homens que tiram o dinheiro de mulheres incautas. Mas penso que não me arrisco ao dizer que, numa situação de rompimento, na hora “H”, é da boca de uma mulher que ouviremos os verdadeiros motivos, sejam eles quais forem. Nesse aspecto, vamos combinar, damos de dez a zero. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

8 de abril de 2009

O quanto ainda precisamos perder?

Publicado em 28/2/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Na última quinta-feira, durante programa da CBN, a jornalista Miriam Leitão lançou a seguinte pergunta: “Por que há tanto interesse político nos fundos de pensão?” A partir daí, ela falou sobre o PMDB e os R$ 6,3 bilhões dos funcionários de Furnas; as acusações feitas pelo ministro de Minas e Energia contra a diretoria da Fundação Real Grandeza; o convite à confusão que significam as indicações políticas para os cargos de diretoria das estatais e dos fundos de pensão; a necessidade de serem protegidos os interesses dos funcionários; a importância de esses cargos serem ocupados por técnicos com visão atuarial; o quanto esse assunto é sério, não cabendo aí “barganha política”. E apresentou outra questão: “Por quantos escândalos o Brasil precisará passar para que se mude o processo de ocupação dessas empresas?”.

Acho que ninguém precisa ser economista para entender tamanho interesse. Aliás, ninguém precisa nem mesmo ser esperto. Mas essa segunda pergunta da Miriam Leitão me fez lembrar uma que costumo fazer a pacientes que vivem situações absurdas de sofrimento e prejuízos, que sabem exatamente o que precisam fazer pra resolver seus problemas, mas que ficam adiando, protelando, procrastinando o inevitável, incapazes de se defender.

Vou citar um exemplo. Certa vez, após uma palestra, fui procurada por uma mulher que, de cara, vi que precisava de ajuda. Ela tinha 30 anos e, embora aparentasse muito mais idade, certamente poderia ser classificada de bonita. Estava bastante angustiada e, logo que sentamos para conversar, resumiu assim sua vida: disse ter vindo de uma família que valorizava muito os estudos e o sucesso profissional. Aos 24 anos, já tinha um excelente emprego público, com uma carreira promissora, casa própria e um carro do ano. Vivia feliz, tinha amigos e só se preocupava em prosperar. Até que reencontrou um colega de faculdade, que não demorou a lhe propor casamento. Parece até final de novela da Globo, não é mesmo?

Só que o casamento não fluiu como os dos romances. Logo ela descobriu que seu príncipe era um poço de problemas. Ele se revelou grosseiro, infiel, pródigo, malandro, abusivo, incapaz de retribuir afeto. Ela, como geralmente acontece, não conseguia acreditar no que via. E, na tentativa de salvar a relação, fez coisas de que até Deus duvida. Assumindo toda a responsabilidade pelo fracasso do relacionamento, tentou ser a companheira dos sonhos de qualquer homem - compreensiva, paciente, sexy, fiel, econômica, trabalhadeira, incansável. Mas nada funcionou. Em poucos meses, perdeu as economias de anos, excelentes oportunidades de trabalho, a beleza, os amigos, a saúde física, a saúde mental, a fé. Seu olhar tornara-se embaçado, as rugas e o excesso de peso tomaram conta, assim como a depressão. Rapidamente não era nem mesmo uma sombra do que havia sido. E, naquele momento, tudo o que lhe restava, além daquele “maridão”, eram o sentimento de impotência e a vontade de morrer.

Entretanto, apesar de reconhecer que rolava desgovernadamente ladeira abaixo, ela nada conseguia fazer para se salvar, mantendo o divórcio como completamente fora de cogitação. E, assim, seguia se submetendo aos caprichos de alguém que dirigia sua vida sem o menor cuidado, sem comprometimento, incapaz de enxergar que ela era um ser humano, que não estava ali para atender aos seus caprichos, para ser usada e jogada fora quando não mais servisse aos seus propósitos mesquinhos. E foi para essa mulher, que se mostrava tão resistente a enxergar o óbvio, que perguntei:”Quanto você ainda precisa perder?”

Muitas vezes, deixamos assuntos nossos nas mãos de outros. Mas essas pessoas precisam ser cuidadosamente escolhidas. Além de preparadas, têm de estar comprometidas conosco, com nossos interesses. Não dá para confiarmos a qualquer um nosso patrimônio, nosso bem-estar, nosso futuro, nossa vida. Não dá para simplesmente fechar os olhos e deixar a vida nos levar. O mundo está cheio de gente perigosa e não adianta trancar a porta depois de termos sido roubados. Devemos ser cuidadosos e proativos, competentes e ágeis o bastante para prever problemas, necessidades ou mudanças, alterar eventos, fazer acontecer em vez de apenas reagir. Em outras palavras - o preço da liberdade é a eterna vigilância. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana