8 de abril de 2009

O quanto ainda precisamos perder?

Publicado em 28/2/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro



Na última quinta-feira, durante programa da CBN, a jornalista Miriam Leitão lançou a seguinte pergunta: “Por que há tanto interesse político nos fundos de pensão?” A partir daí, ela falou sobre o PMDB e os R$ 6,3 bilhões dos funcionários de Furnas; as acusações feitas pelo ministro de Minas e Energia contra a diretoria da Fundação Real Grandeza; o convite à confusão que significam as indicações políticas para os cargos de diretoria das estatais e dos fundos de pensão; a necessidade de serem protegidos os interesses dos funcionários; a importância de esses cargos serem ocupados por técnicos com visão atuarial; o quanto esse assunto é sério, não cabendo aí “barganha política”. E apresentou outra questão: “Por quantos escândalos o Brasil precisará passar para que se mude o processo de ocupação dessas empresas?”.

Acho que ninguém precisa ser economista para entender tamanho interesse. Aliás, ninguém precisa nem mesmo ser esperto. Mas essa segunda pergunta da Miriam Leitão me fez lembrar uma que costumo fazer a pacientes que vivem situações absurdas de sofrimento e prejuízos, que sabem exatamente o que precisam fazer pra resolver seus problemas, mas que ficam adiando, protelando, procrastinando o inevitável, incapazes de se defender.

Vou citar um exemplo. Certa vez, após uma palestra, fui procurada por uma mulher que, de cara, vi que precisava de ajuda. Ela tinha 30 anos e, embora aparentasse muito mais idade, certamente poderia ser classificada de bonita. Estava bastante angustiada e, logo que sentamos para conversar, resumiu assim sua vida: disse ter vindo de uma família que valorizava muito os estudos e o sucesso profissional. Aos 24 anos, já tinha um excelente emprego público, com uma carreira promissora, casa própria e um carro do ano. Vivia feliz, tinha amigos e só se preocupava em prosperar. Até que reencontrou um colega de faculdade, que não demorou a lhe propor casamento. Parece até final de novela da Globo, não é mesmo?

Só que o casamento não fluiu como os dos romances. Logo ela descobriu que seu príncipe era um poço de problemas. Ele se revelou grosseiro, infiel, pródigo, malandro, abusivo, incapaz de retribuir afeto. Ela, como geralmente acontece, não conseguia acreditar no que via. E, na tentativa de salvar a relação, fez coisas de que até Deus duvida. Assumindo toda a responsabilidade pelo fracasso do relacionamento, tentou ser a companheira dos sonhos de qualquer homem - compreensiva, paciente, sexy, fiel, econômica, trabalhadeira, incansável. Mas nada funcionou. Em poucos meses, perdeu as economias de anos, excelentes oportunidades de trabalho, a beleza, os amigos, a saúde física, a saúde mental, a fé. Seu olhar tornara-se embaçado, as rugas e o excesso de peso tomaram conta, assim como a depressão. Rapidamente não era nem mesmo uma sombra do que havia sido. E, naquele momento, tudo o que lhe restava, além daquele “maridão”, eram o sentimento de impotência e a vontade de morrer.

Entretanto, apesar de reconhecer que rolava desgovernadamente ladeira abaixo, ela nada conseguia fazer para se salvar, mantendo o divórcio como completamente fora de cogitação. E, assim, seguia se submetendo aos caprichos de alguém que dirigia sua vida sem o menor cuidado, sem comprometimento, incapaz de enxergar que ela era um ser humano, que não estava ali para atender aos seus caprichos, para ser usada e jogada fora quando não mais servisse aos seus propósitos mesquinhos. E foi para essa mulher, que se mostrava tão resistente a enxergar o óbvio, que perguntei:”Quanto você ainda precisa perder?”

Muitas vezes, deixamos assuntos nossos nas mãos de outros. Mas essas pessoas precisam ser cuidadosamente escolhidas. Além de preparadas, têm de estar comprometidas conosco, com nossos interesses. Não dá para confiarmos a qualquer um nosso patrimônio, nosso bem-estar, nosso futuro, nossa vida. Não dá para simplesmente fechar os olhos e deixar a vida nos levar. O mundo está cheio de gente perigosa e não adianta trancar a porta depois de termos sido roubados. Devemos ser cuidadosos e proativos, competentes e ágeis o bastante para prever problemas, necessidades ou mudanças, alterar eventos, fazer acontecer em vez de apenas reagir. Em outras palavras - o preço da liberdade é a eterna vigilância. Valeu, irmã! Até sábado, leitores!

Maraci Sant'Ana

Nenhum comentário: