13 de outubro de 2008

Leituras mentais

Publicado em 13/9/2008, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


A Época de 11 de agosto trouxe matéria intitulada A nova classe média do Brasil. O texto começa com a pergunta “Classe média, eu?“ formulada por Josineide Mendes Tavares, manicure de 34 anos que mora, com dois filhos pequenos, na Favela da Rocinha. Embora a entrevistada pareça surpresa, essa família, segundo a revista, enquadra-se no que a Fundação Getúlio Vargas – FGV aponta como a nova classe média brasileira – pessoas antes consideradas pobres ou muito pobres, que começaram a usufruir confortos como televisor moderno, assinatura de TV a cabo, freezer, lavadora de roupas, computador, videogame e celular. A reportagem aborda a importância da pesquisa para, entre outras coisas, o desenvolvimento de políticas públicas e traz diferentes opiniões a respeito da fórmula utilizada para se chegar a essa classificação.

Há pesquisadores que usam como critério apenas a renda, enquanto outros consideram o patrimônio, a ocupação ou o nível de escolaridade dos pesquisados. Talvez outra instituição identificasse Josineide num grupo diferente. De acordo com Época, a maioria das pessoas entende que pertencer à classse média significa ter filhos estudando em boas escolas particulares, carro e dinheiro para uma pequena viagem de fim de semana por mês. Isso quer dizer que, independentemente do conceito que tenhamos a nosso respeito, sempre encontraremos pessoas que nos verão mais ou menos da mesma forma e outras que nos qualificarão de modo bem divergente. Estamos expostos a inúmeras classificações, já que cada indivíduo é único e, assim, tem uma visão singular de si mesmo e dos outros. Só que não é aí que mora o perigo.

Ainda nesta semana, eu conversava com um amigo que não se conforma com os sentimentos que pensa que o pai nutre por ele. Ele se sente incompreendido, injustiçado mesmo, usando, como medida para suas conclusões, frases soltas ditas pelo pai. E, numa situação assim, não é nada difícil desenvolvermos mágoa e até mesmo ódio. Além disso, se nos considerarmos mal interpretados, tenderemos a tentar mostrar ao outro que ele está cometendo um erro e que seu juízo precisa ser alterado. Mas o que encontramos muito, nesses casos, são criaturas tentando fazer leitura mental, ou seja, querendo adivinhar o que se passa na cabeça do outro, a partir de “sinais” que, para muita gente, não teriam nenhum significado. Meu amigo está classificando o pai de injusto. Talvez outro filho, diante da mesma situação, nem se abalasse ou tivesse uma visão oposta com relação aos sentimentos desse pai. Tal qual acontece em pesquisas como a da FGV, o que é relevante pra uns pode ser irrelevante pra outros.

Tive um casal de pacientes que, durante uma sessão, percebeu o quanto ambos faziam uso de leitura mental e como estavam enganados com relação ao outro. A mulher tinha certeza de que o marido odiava a filha que ela teve no primeiro casamento, pelo jeito seco dele lidar com a garota. E ele acreditava que ela adorava um cachorro que era dele, pela preocupação que ela demonstrava nos cuidados com o animal. Foi interessante ver a surpresa dos dois não apenas quando o marido revelou que gostava da menina e até tinha mais carinho por ela do que pelos dois filhos que ele havia tido com a companheira anterior, mas também quando a mulher confessou não gostar de cachorro.

Na maior parte do tempo, não sabemos direito nem sequer o que está passando pela nossa cabeça e, mesmo assim, nos arvoramos em adivinhos dos pensamentos e sentimentos dos outros. É aí que o perigo mora, no que imaginamos que o outro pensa a nosso respeito e, principalmente, em como nos vemos, que se reflete em tudo isso. É claro que nunca devemos desprezar o que nos grita o nosso instinto. Entretanto, muitas vezes, o que falta é uma boa conversa, daquelas em que não apenas falamos, mas também ouvimos. E você? Já fez sua leitura mental de hoje? Valeu, irmã! Até sábado, leitores!


No próximo sábado (20/9), a parte 3 da série O dinheiro e os relacionamentos. O tema que será abordado foi sugerido por um leitor que, assim como outros, comprou a idéia de ser co-autor. As partes 1 e 2 podem ser lidas no arquivo do blog, em 23 de agosto e 6 de setembro, respectivamente. Aguardo a visita e os comentários de vocês.

Maraci Sant'Ana

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