8 de outubro de 2007

Gerúndio, o demitido


Na segunda-feira 1º de outubro, o Distrito Federal, perplexo, recebeu a notícia, por meio do Decreto 28.315, da demissão do gerúndio de todos os órgãos do GDF. A determinação, emanada do Governador, também proibiu o uso da forma verbal para desculpar ineficiência, além de revogar as disposições em contrário. Ficou difícil entender.

De acordo com o Aurélio, demitir significa: tirar cargo, função ou dignidade de; destituir; exonerar; licenciar; despedir; largar; deixar; depor; afastar; desviar; desempregar; pedir demissão; renunciar a; desistir de; abster-se ou abdicar de. Se um estrangeiro interessado na nossa língua tentasse alcançar o significado da decisão publicada, encontraria uma enorme dificuldade.

Afinal, pensaria ele: Seria o tal gerúndio um servidor com cargo em todos os órgãos do GDF, em flagrante caso de acumulação ilegal ou imoral? Teria o Chefe do Executivo cassado a dignidade do infeliz? Claro está que a iniciativa da exoneração não partiu do pobre coitado, num momento de loucura. Do jeito que as coisas andam, com tanta gente sonhando com um emprego público, teria sido um verdadeiro desatino dar as costas a uma boca como essa.

Entretanto, acho que a medida de afastar o gerúndio de uma vez por todas foi muito pesada. O pobrezinho não pode ser responsabilizado pelo mau uso que dele fazem por aí, ou seja, pelo "gerundismo". Sei o quanto é difícil ter de ouvir aquelas aberrações do tipo "vou estar providenciando" e, nesse ponto, sou solidária com o Governador. Mas acho o Decreto injusto, mesmo que pessoas mal intencionadas "estejam se valendo" dessa doença nacional como desculpa para a ineficiência, a lentidão, a burocracia, mazelas bem mais graves.

Desde a publicação do normativo, professores e doutores em Língua Portuguesa acorreram em defesa do gerúndio, indignados, alegando, inclusive, que uma forma verbal tão antiga e peculiar está acima de atitudes desastradas como essa, com o quê concordo plenamente. No entanto, acho que consegui captar "o espírito da coisa", quando, segundo a imprensa, o Governador esclareceu que "É preciso sempre estabelecer metas e cumpri-las num determinado prazo" e citou o exemplo da "enrolação" de um administrador regional que, um mês depois de receber as reivindicações dos moradores, numa rodada do "Governo nas Cidades", ainda não havia tomado as devidas providências".

É lamentável que os administradores tenham essa possibilidade, a de embromar os que lhes pagam para trabalhar bem. Isso não aborrece apenas o Governador, mas todos os moradores do Distrito Federal, contribuintes e não-contribuintes, eleitores e não-eleitores também. Quem deu a eles a força e a autoridade que vêm sendo mal utilizadas?

Fosse o Governador Arruda meu paciente ou leitor, conheceria o texto por mim publicado nesta coluna sob o título Crônica de uma morte anunciada. Ele fala exatamente disso, de que as pessoas só têm o poder que damos a elas, que ninguém pode nos fazer mal sem que nós tenhamos dado permissão para tanto. O poder é de quem o concede.

Se entendermos que somos responsáveis pelo rumo que toma nossa vida ou, no caso, nosso governo, atuaremos de forma mais inteligente, produtiva. Essa conscientização é difícil, mas possível. Para isso, sempre que algo ruim nos acontecer, deveremos nos perguntar: Qual foi minha participação nesse episódio? Identificando nossa responsabilidade, estaremos nos mantendo no processo. Poderemos agir para mudar efetivamente, em lugar de tentar responsabilizar quem, na verdade, está, desde que a nossa língua existe, cumprindo de forma absolutamente impecável o seu papel. Até sexta-feira!

2 comentários:

Anônimo disse...

Mara,
Você já viu que passou dos 2000 visitantes? Chique de doer!!!
Fico feliz em participar do seu blog, mais ainda como fã de suas idéias.
Parabéns, quero "estar blogando" contigo por muitos anos...
Beijos da amiga.
Emy

Unknown disse...

Agora sim consegui entender o texto. O que foi publicado no Jornal de Brasília na sexta-feira passada ficou sem sentido porque está cortado. Foi erro deles ou teve aí uma tentativa de censura ?
Parabéns pela bela crônica!
Hilta