31 de outubro de 2007

Crônica de uma morte anunciada

Publicado no Tribuna do Brasil de 16/3/2007

Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando...com Maraci

Quem não conhece "Crônica de uma morte anunciada", de Gabriel García Márquez, deveria lê-lo. Logo no início, o autor revela o final - a morte do protagonista. Só que essa morte é meio posta de lado pelo leitor, que se deixa envolver pelo poder cativante da trama. Conforme avançam os capítulos, a profecia se apresenta como inevitável. Mas quem lê se agarra à esperança de que o escritor mude o epílogo e impeça aquela morte absurda, embora pressagiada. Uma situação semelhante à vivida por muitas mulheres.

Neste mês, comemoramos o Dia Internacional da Mulher. Muitas são as conquistas. Mas, o mais importante, a mulher ainda não alcançou - a consciência de que nossa sorte está em nossas mãos. Se as coisas vão bem, temos crédito nisso. Se vão mal, também. Não podemos continuar atribuindo nossas dores apenas aos outros, na posição de vítimas inocentes ou reféns sem opção. Precisamos assumir a responsabilidade pelo bem e pelo mal que nos rodeia.

Muita gente, equivocadamente, entende que estou culpando as mulheres pelo que de ruim lhes acontece. Isso não é verdade. Mas precisamos assumir nossa responsabilidade nos processos, para buscar evitar o problema e não apenas tentar resolvê-lo quando instalado. Se entendermos que somos responsáveis pelo rumo que toma nossa vida, nela atuaremos de forma mais inteligente, produtiva.

Imagine uma mulher que se envolveu com um homem que tem um comportamento intimidativo. Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se ela se mantiver na relação, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se ele a agredir, ela será também responsável pela agressão porque teve a oportunidade de romper o relacionamento com alguém que dava sinais de ser perigoso, mas não o fez.

Agora, procure imaginar uma mulher que se envolveu com um viciado em jogo. Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se vier a se casar com ele, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se um dia ela precisar vender seu único bem para saldar as dívidas dele, será também responsável pelo prejuízo porque poderia ter evitado o casamento com alguém que dava sinais de ser irresponsável, mas não o fez.

E o que você me diz de uma mulher que se envolveu com um homem que flerta abertamente com outras, comportando-se de forma desrespeitosa? Ela não tem culpa por ele ser como é. Mas, se mantiver o relacionamento, estará assumindo parte da responsabilidade pelo que possa acontecer. Isso não o exime de nada. Mas, se um dia ele a trair, ela será também responsável pela dor que sofrer porque poderia ter rompido um relacionamento que tudo indicava que terminaria em infidelidade, mas não o fez.

Essas mulheres, como os leitores de García Márquez, deixaram-se envolver pelo poder cativante do relacionamento, acreditando num epílogo diferente, embora o desfecho tenha sido predito. Se não quisermos ler nada que termine na morte do protagonista, devemos interromper "Crônica de uma morte anunciada" ainda no primeiro capítulo. Se não quisermos viver um amor que termine em dor, devemos interrompê-lo tão logo o triste final seja prenunciado.

Essa conscientização é difícil, mas é possível. Para isso, sempre que algo ruim me acontecer, deverei me perguntar: Qual foi minha participação nesse episódio? Identificando minha responsabilidade, estarei me mantendo no processo, não à margem. Poderei agir para mudar. E, de uma próxima vez, não incorrerei no mesmo erro. Estarei mais madura, melhor preparada, com as mãos mais firmes nas rédeas do meu destino.

8 de outubro de 2007

Gerúndio, o demitido


Na segunda-feira 1º de outubro, o Distrito Federal, perplexo, recebeu a notícia, por meio do Decreto 28.315, da demissão do gerúndio de todos os órgãos do GDF. A determinação, emanada do Governador, também proibiu o uso da forma verbal para desculpar ineficiência, além de revogar as disposições em contrário. Ficou difícil entender.

De acordo com o Aurélio, demitir significa: tirar cargo, função ou dignidade de; destituir; exonerar; licenciar; despedir; largar; deixar; depor; afastar; desviar; desempregar; pedir demissão; renunciar a; desistir de; abster-se ou abdicar de. Se um estrangeiro interessado na nossa língua tentasse alcançar o significado da decisão publicada, encontraria uma enorme dificuldade.

Afinal, pensaria ele: Seria o tal gerúndio um servidor com cargo em todos os órgãos do GDF, em flagrante caso de acumulação ilegal ou imoral? Teria o Chefe do Executivo cassado a dignidade do infeliz? Claro está que a iniciativa da exoneração não partiu do pobre coitado, num momento de loucura. Do jeito que as coisas andam, com tanta gente sonhando com um emprego público, teria sido um verdadeiro desatino dar as costas a uma boca como essa.

Entretanto, acho que a medida de afastar o gerúndio de uma vez por todas foi muito pesada. O pobrezinho não pode ser responsabilizado pelo mau uso que dele fazem por aí, ou seja, pelo "gerundismo". Sei o quanto é difícil ter de ouvir aquelas aberrações do tipo "vou estar providenciando" e, nesse ponto, sou solidária com o Governador. Mas acho o Decreto injusto, mesmo que pessoas mal intencionadas "estejam se valendo" dessa doença nacional como desculpa para a ineficiência, a lentidão, a burocracia, mazelas bem mais graves.

Desde a publicação do normativo, professores e doutores em Língua Portuguesa acorreram em defesa do gerúndio, indignados, alegando, inclusive, que uma forma verbal tão antiga e peculiar está acima de atitudes desastradas como essa, com o quê concordo plenamente. No entanto, acho que consegui captar "o espírito da coisa", quando, segundo a imprensa, o Governador esclareceu que "É preciso sempre estabelecer metas e cumpri-las num determinado prazo" e citou o exemplo da "enrolação" de um administrador regional que, um mês depois de receber as reivindicações dos moradores, numa rodada do "Governo nas Cidades", ainda não havia tomado as devidas providências".

É lamentável que os administradores tenham essa possibilidade, a de embromar os que lhes pagam para trabalhar bem. Isso não aborrece apenas o Governador, mas todos os moradores do Distrito Federal, contribuintes e não-contribuintes, eleitores e não-eleitores também. Quem deu a eles a força e a autoridade que vêm sendo mal utilizadas?

Fosse o Governador Arruda meu paciente ou leitor, conheceria o texto por mim publicado nesta coluna sob o título Crônica de uma morte anunciada. Ele fala exatamente disso, de que as pessoas só têm o poder que damos a elas, que ninguém pode nos fazer mal sem que nós tenhamos dado permissão para tanto. O poder é de quem o concede.

Se entendermos que somos responsáveis pelo rumo que toma nossa vida ou, no caso, nosso governo, atuaremos de forma mais inteligente, produtiva. Essa conscientização é difícil, mas possível. Para isso, sempre que algo ruim nos acontecer, deveremos nos perguntar: Qual foi minha participação nesse episódio? Identificando nossa responsabilidade, estaremos nos mantendo no processo. Poderemos agir para mudar efetivamente, em lugar de tentar responsabilizar quem, na verdade, está, desde que a nossa língua existe, cumprindo de forma absolutamente impecável o seu papel. Até sexta-feira!