31 de janeiro de 2010

Desperte e seja feliz

Publicado em 16/1/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do Vicente Nunes,
coluna A Psicologia e o Dinheiro


Ano-novo, vida nova! Isso pode até não ser lá uma grande verdade. A gente sabe que quase nada muda de 31 de dezembro pra 1º de janeiro, embora nossa tendência seja crer que é só passar a régua ao final do ano velho, sem precisar pagar a conta. Aliás, conta é justamente em que as pessoas não querem pensar na passagem de ano, embora os boletos estejam prontos pra despencar em nossas cabeças. É no começo do ano que enfrentamos despesas do Natal, IPVA, IPTU, matrículas, uniforme, material escolar. Mesmo assim, repetimos, sem parar, “Saúde e paz! Do resto, a gente corre atrás!”.

Só que meu ano não começou como imaginei e a comemoração planejada ficou na intenção. Uma tremenda crise de rinite me jogou na cama, de onde vi chegar 2010. Justo eu, que havia me comprometido com uma palestra bem no dia 1º. Assim, entre espirros e fungadas, busquei me concentrar em uma mensagem que se encaixasse no tema proposto pela Comunhão Espírita de Brasília - Desperte e seja feliz. Lindo título para um começo de ano!

Inicialmente, pensei em uma mensagem de puro otimismo, que fizesse com que as pessoas voltassem para casa leves e cheias de esperança. Não consegui. Várias falas vieram à minha mente, mas, assim como vinham, eram rejeitadas. Claro que eu queria combinar com as festividades, mas algo em mim dizia que não mais podemos tratar a vida dessa forma, porque o momento é grave e exige de todos muito mais do que estamos acostumados a dar a nós mesmos, ao nosso próximo, ao nosso planeta, ao nosso Universo.

Então, sucumbi à dura, embora bela, realidade desse raciocínio. E, em lugar de focar o “e seja feliz”, procurei me concentrar no “desperte”. Porque não é possível alguém chegar à felicidade sem o despertar. E precisamos logo abrir os olhos da consciência porque o mundo está vivendo mais um momento crítico. São sucessivas catástrofes naturais provocando morte em massa; adultos perfurando crianças com agulhas; filhas tramando assaltar mães; mães jogando filhos recém-nascidos pela lixeira; dinheiro que deveria ser empregado em educação e saúde indo para contas particulares, bolsas, meias. Alguém até pode dizer que as coisas sempre foram assim ou talvez piores. Mas, graças a Deus, agora elas nos encontram maduros o bastante para nos indignarmos verdadeiramente. A situação exige responsabilidade, trabalho, indulgência, caridade, força, perseverança, fé. Em resumo, exige amor.

É hora de nos comportarmos como adultos, de buscarmos compreender, por exemplo, quem somos nós; em que momento da vida estamos; as razões de uns sofrerem tanto e outros viverem tão folgadamente; os motivos para termos nascido naquela família ou termos sido adotados; o que fazemos na Terra, um entre tantos planetas; o que acontece conosco após a morte. Não dá mais para engolirmos respostas prontas, cercadas de mistérios, que adotamos sem refletir. É nossa felicidade que está em jogo.

Vivemos como sonâmbulos na maior parte do tempo. Basta acordarmos para ter início uma espécie de hipnose – pulamos da cama, geralmente atrasados; acordamos as crianças com as mesmas instruções de “tá na hora”, “escova os dentes direitinho”; tomamos um banho rápido; enfiamos uma roupa; e saímos dirigindo e falando ao telefone e xingando os mais lentos; trabalhamos todo o dia, em geral ultrapassando nossos limites; pegamos as crianças na escola, agoniados para chegar logo em casa; distribuímos novas ordens do tipo “tira logo o uniforme e vai tomar banho”; vamos pra cama; assistimos à TV; e dormimos já pensando no que faremos no dia seguinte, que será basicamente do mesmo jeito. Os finais de semana costumam ser dedicados ao churrasco, à cervejinha, ao cineminha.

Até mesmo quando fazemos nossas orações, costumamos agir como autômatos. Falta espaço em nossa vida para a reflexão a respeito de nós e de questões bem maiores do que trabalhar pra ganhar dinheiro e construir um patrimônio; estudar para dar um up no currículo; tentar dar aos filhos tudo o que tivemos e não tivemos na infância; manter um casamento a qualquer preço. Não estou dizendo que essas coisas não têm nenhum valor. Vivemos em um mundo material e temos o dever de buscar o nosso conforto e o daqueles que nos cercam, pelo menos. Mas a matéria não é nossa essência. Somos seres espirituais.

Nosso Pai criou tudo o que há e permite que trabalhemos sobre Sua obra, para promover o desenvolvimento. Isso faz de nós cocriadores do Universo, o que é uma enorme responsabilidade. Não dá mais pra continuar vivendo como zumbis ao contrário, como vivos-mortos. Devemos cumprir nossos deveres familiares e sociais, mas não podemos nos restringir a uma vidinha egoísta, esquecidos de nossa origem Divina, de nosso compromisso com a Humanidade. Não podemos mais manter fechados os olhos da alma. É preciso despertar para a Verdade e correr atrás do que realmente importa.

Na última terça-feira, perdemos a médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, um exemplo de consciência desperta. Reconhecida no mundo inteiro, ela, entre tantos outros trabalhos maravilhosos, ajudou a criar e coordenou os trabalhos da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa. Mais de 3 milhões de menininhos e menininhas menores de 6 anos de idade salvos de várias doenças, da desnutrição e da violência; mais de 100 mil velhinhos e velhinhas assistidos; cerca de 95 mil voluntários, todos sensibilizados e preparados para seguir com essa corrente do bem. Que escola!

A Dra. Zilda não tinha uma vida muito diferente da maioria de nós. Era mulher em um mundo machista e profissional dedicada, que casou e teve seis filhos, com tudo o que isso pode representar. Só que ela morreu em uma missão humanitária. Estava no Haiti quando a igreja onde palestrava desabou. Claro que esse não é um exemplo nada fácil de ser seguido, mas sempre podemos fazer alguma coisinha com os talentos recebidos de Deus. Ficou para trás o tempo de ser o bastante não fazermos o mal. É preciso ir além e fazer o bem. Porque não seremos cobrados pelo mal que ainda não pudermos evitar, mas pelo bem que, mesmo podendo, deixarmos de realizar.

E, para encerrar esse nosso papo de começo de ano, deixo aqui um resumo da mensagem da música “Solo le pido a Dios”, de León Gieco, imortalizada na voz de Mercedes Sosa, outra mulher extraordinária que também há pouco voltou para a Pátria Espiritual: “Só peço a Deus que a dor, o injusto, a guerra, o engano, o futuro não me sejam indiferentes. E que a seca morte não me encontre vazia e só sem ter feito o suficiente”. Um feliz 2010! Que este seja o ano do nosso despertar!

Maraci Sant'Ana

* Pessoal, fica aqui um convite para que assistam ao vídeo Solo le pido a Dios. Há várias versões no youtube, todas belíssimas.