em debate - Maraci Sant’Ana
Especial para o Correio - Publicado em 28/12/2003.
Recentemente, o Linha Direta exibiu a história de dois jovens que se conheceram quando ele passou a trabalhar e residir na cidadezinha onde ela vivia com os pais e irmãos. Para conquistá-la, freqüentava a casa da família e os encantava com a leitura da Bíblia e pequenas gentilezas. Em dois meses, já estavam morando juntos. Mas o que parecia ser um lindo caso de amor durou apenas mais dois meses, tempo suficiente para ela descobrir que o “homem da sua vida” tinha mulher e filhos na capital e, embora em liberdade, respondia a processo por assalto a mão armada. Independentemente das explicações, ela o deixou. E ele, por vingança, estrangulou a irmã dela, de apenas 12 anos.
Essas histórias são comuns. As pessoas apaixonam-se e se entregam a quem mal conhecem. Partem do princípio de que o outro é bom, levadas pelo romantismo. Cegas, tomam como verdade o que é dito pela pessoa por quem estão apaixonadas, como se esse sentimento bastasse como garantia. E o resultado de se envolver com um desconhecido pode ser passar por situações terrivelmente dolorosas.
Um banco, ao conceder um empréstimo, uma loja, ao fazer uma venda, uma empresa, ao contratar um empregado, não se baseia no que o cliente ou candidato aparenta ou diz ser, exigindo informações e referências. No entanto, pessoas recebem em suas casas, em suas camas, verdadeiros desconhecidos dos quais só sabem aquilo que a respeito deles imaginam ou o que por eles foi dito. E assim arriscam suas vidas e as de pessoas próximas.
Não estou dizendo que devemos iniciar um relacionamento preenchendo fichas cadastrais. Mas não podemos permitir que uma paixão nos cegue a ponto de não tomarmos um mínimo de cuidado. Mesmo pessoas capazes de despertar em nós belos sentimentos são apenas seres humanos, com qualidades e defeitos, não criaturas sublimes que vieram a este mundo para nos fazerem felizes.
Na história, foi a esposa traída quem telefonou alertando que o jovem tinha família e era perigoso. E ele argumentou dizendo que ela não passava de uma ex-mulher vingativa. É verdade que o mundo está cheio de gente que faria qualquer coisa para impedir a felicidade de antigos amantes. Mas será que devemos rejeitar qualquer referência vinda de um ex? Será que tantas mágoas, ao fim de um relacionamento, não merece atenção?
Conhecer parentes, amigos, trabalho, casa, filhos e, se possível, os ex das pessoas com as quais iniciamos um relacionamento é vital. E deixemos de lado idéias sem sentido do tipo: “Se ele freqüenta a igreja ou se conhece a Bíblia, é uma pessoa boa”; “Se é médico, psicólogo, assistente social, pastor ou policial, está acima de qualquer suspeita”. Cada caso é um caso.
Também precisamos ouvir nossa voz interior, aquela que nos avisa que alguma coisa está errada quando nosso parceiro ausenta-se sem deixar contato; ou reluta em nos apresentar à sua família ou amigos; ou leva uma vida que não combina com a atividade profissional que diz ter; ou tem um ou mais ex, ou mesmo parentes próximos, que o odeiam.
Precisamos conhecer com quem nos relacionamos, especialmente com quem nos relacionamos amorosamente. Sei que essa prática não combina com o amor romântico. Entretanto, um relacionamento precisa ser construído em bases sólidas, só obtidas com parceiro confiável. Vivemos num mundo onde as pessoas procuram estar bem informadas. Entretanto, quando pisam o terreno do amor, não se sentem à vontade para buscar informações sobre o parceiro, seu passado, seus hábitos. Isso é sentido como prova de desconfiança. Mas a vida nos mostra a importância desse cuidado. E se nos sentimos constrangidos em nos proteger, a ajuda de um terapeuta pode ser indispensável.
Encontrar nossa alma gêmea é o que todos queremos. Mas o sonho pode se transformar em pesadelo se nos deixarmos guiar pela fantasia ou necessidade desesperada de sermos felizes. Nem mesmo em nome do amor podemos abrir mão de uma postura responsável que pode garantir nossa integridade física e mental, que pode salvar vidas.
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